Os líderes do unipartido britânico nos últimos 35 anos

 

 

Como um cego a quem foi dada a visão, nos últimos 3 ou 4 anos Elon Musk começou a notar que as democracias ocidentais já não são bem democracias e tem disparado linhas de fogo por todo o lado, atingindo várias vezes os estados europeus. Recentemente decidiu denunciar a emergência de um regime tirânico no Reino Unido, escrevendo no X a propósito de uma petição que exigia novas eleições, assinada por quase três milhões de cidadãos britânicos:

“O povo britânico está farto de um estado policial tirânico.”

Musk já tinha criticado o Primeiro-Ministro, Sir Keir Starmer, por causa do policiamento de duplo critério no Reino Unido, na sequência do assassinato de três crianças por um adolescente de origem migratória em Southport. Os manifestantes anti-imigração foram confrontados pela polícia de choque e condenados, às centenas, a longas penas de prisão por terem apenas gritado com os cães da polícia, manifestado a sua ira nas redes sociais ou em protestos de rua e até por expressarem opiniões anti-sistema. Por outro lado, violentos contra-manifestantes muçulmanos criaram distúrbios e cometeram violências impunemente, depois de terem sido autorizados a “policiarem-se a si próprios”.

O Contra tem documentado estes acontecimentos extensivamente pelo que nem vale a pena estender o rol das ocorrências que são características de um regime despótico.

Mas as raízes da recente transformação da Grã-Bretanha num Estado autoritário têm origens antigas e são mais complexas do que parecem. Este artigo não objectiva de todo um estudo profundo do assunto, mas apenas uma breve enumeração das razões fundamentais que levaram ao estado totalitário da nação britânica, que parecem escapar a Elon Musk.

 

Uma monarquia parlamentar sem constituição.

Em primeiro lugar, há que salientar que o Reino Unido não tem uma constituição formal. O regime é consuetudinário, ou seja, deriva do costume e da Common Law, e tem como inspiração a Magna Carta, um documento assinado pelo Rei João em 1215, que foi largamente ignorado durante quatro séculos e que só em 1688 foi definitivamente aceite como válido, embora não possa ser considerado como constitucionalmente vinculativo, dado o seu estrito âmbito e a relação que tem com realidades históricas que são francamente anacrónicas.

Por outro lado, a monarquia parlamentar britânica foi pensada no século XVII para que o papel do monarca fosse simbólico, sim, mas acima de tudo, apolítico. Porém, esse importante detalhe, a que voltaremos mais tarde neste texto, não tem também explicitação formal ou legal. É subentendido e tradicionalmente formalizado, mais nada. Espera-se que o rei ou a rainha confirme um primeiro-ministro votado pelos seus súbditos, que receba desse primeiro-ministro relatórios sobre o estado do reino e que, no máximo e com uma certa parcimónia, o possa aconselhar sobre as dificuldades inerentes ao exercício do poder. Mas a esfera ideológica, a iniciativa legislativa, a opinião sobre políticas, não lhe cabe de todo.

A ausência de referência constitucional, escrita e tangível, foi durante muito tempo motivo de orgulho para os britânicos, que se consideravam de tal forma civilizados que não precisavam sequer de formalizar e cristalizar os protocolos da sua democracia. O problema é que, no momento em que as coisas começam a descambar para a tirania, os cidadãos do reino não têm um texto fundacional sólido e coerente que os salve, jurídica e ideologicamente, da queda.

 

A elite como casta.

Por outro lado, e que nos perdoem os puristas da ciência política, o Reino Unido vive num sistema de castas. As elites, geralmente provenientes da aristocracia e da alta burguesia, são educadas em liceus específicos e de acesso exclusivo como o célebre Eton College e duas universidades também vocacionadas para lançar os eleitos nas esferas do poder político, económico e cientifico: Cambridge e Oxford.

Nestas fábricas de líderes, os filhos da elite são educados no mesmo tipo de valores técnicos, morais e ideológicos.

A verdade é que estas pessoas falam o inglês de uma maneira diferente, comportam-se de uma maneira diferente, praticam um tipo específico de humor e um tipo específico de desportos, reúnem-se em luxuosos clubes feitos precisamente para os isolar (e proteger) das massas. Vivem numa bolha de privilégios e sobrecasacas, charutos e veludos. São uma casta como na índia os Brahmanes.

Sejam trabalhistas, liberais ou conservadores, são todos produto das mesmas escolas, dos mesmos clubes, das mesmas famílias. São todos, regra geral, membros da mesma irmandade.

 

Decaimento para a esquerda e unipartido.

Principalmente depois da  II Guerra Mundial, os valores doutrinados pelas escolas frequentadas pelas elites decaíram para a esquerda. Um máximo e proverbial exemplo deste decaimento é ilustrado pelas inúmeras toupeiras que penetraram o MI6, personificado em Kim Philby, que recrutou em Oxford e Cambridge grande parte dos seus quadros de topo e que estava de tal forma infiltrado por agentes soviéticos que até Jonh Le Carré, ele próprio um activista de esquerda, reconheceu, numa introdução escrita recentemente a uma reedição do célebre Tinker Tailor Soldier Spy, que teria sido melhor para os interesses do Reino Unido no século XX que a agência nem sequer existisse.

Outro exemplo é o dos grandes autores, filósofos e cientistas britânicos da segunda metade do século passado: de Bertrand Russel a Stephen Hawking, de George Bernard Shaw a Mary Beard, a esquerda recolhe os grandes vultos da cultura britânica.

Mas basta analisar as tendências legislativas do Partido Conservador nos últimos 50 anos para perceber este facto. Ao longo do tempo, a direita institucional britânica foi decaindo para o centro e, depois, para a plena cumplicidade com as grandes causas da esquerda, como a ideologia de género, o activismo climático, as políticas de fronteira, a socialização dos serviços públicos, o despesismo governamental, e etc.

O sentimento de casta e o decaimento para a esquerda levaram no século XXI à constituição, se não intencional, factual, de uma fusão entre trabalhistas e conservadores relativamente às questões fundamentais que são colocadas à sociedade inglesa. A posição actual dos dois partidos em relação à Guerra na Ucrânia, como em relação à imigração, ilustra este uníssono, que conduz inevitavelmente à lógica totalitária do Unipartido.

Podemos argumentar que há mais diferenças ideológicas no actual tecido do Partido Republicano dos EUA do que entre trabalhistas, liberais e conservadores no parlamento britânico.

E voltando à coroa: pela primeira vez na história, o actual rei tem manifestamente uma agenda política. Colegial WEF, entusiasta do apocalipse climático e acólito da religião woke, Carlos reforça o carácter ideologicamente restritivo do regime, anulando assim uma lógica secular de equilíbrios institucionais.

 

O monopólio da propriedade imobiliária.

No Reino Unido, 0,2% da população detém 69% de toda a terra. A propriedade rural pertence em boa parte a famílias aristocráticas – e numa pequena parcela à coroa – há muitos séculos. E a propriedade urbana é também significativamente detida por essa mesma elite.

Se bem que este regime de propriedade permita ao countryside britânico e a algumas áreas dos centros urbanos a manutenção do seu característico e ancestral encanto, a verdade é que também impossibilita a mobilidade social, que estará sempre e inevitavelmente ligada à propriedade e que é parte integrante da dinâmica de uma sociedade liberal, no sentido clássico do termo.

 

ONG’s, Blair e os primeiros ataques à liberdade de expressão.

O surgimento de organizações não governamentais (ONG) após a Segunda Guerra Mundial foi um dos primeiros catalisadores desse regime unilateralista. Estas ONGs transformaram-se numa indústria multibilionária, acabando por exercer pressão sobre a legislação governamental, com as mudanças resultantes a atingirem uma velocidade vertiginosa por volta da viragem do século.

No final da década de 1990 e na década de 2000, o Primeiro-Ministro Tony Blair e o seu governo trabalhista aprovaram legislação como a Lei do Ódio Racial e Religioso de 2006, que alargou as leis existentes sobre o ódio racial para incluir o incitamento ao ódio religioso. A Lei das Comunicações de 2003, com base na anterior Lei das Comunicações Maliciosas, também alargou o poder do Estado para processar pessoas por simplesmente causarem ofensas – uma tendência que se acelerou com a expansão das redes sociais.

Além disso, durante o governo de Blair, o Islão radical substituiu o nacionalismo irlandês como a principal ameaça à segurança do país, especialmente após os atentados bombistas de 7/7 em Londres, em 2005. Paralelamente, surgiu a indústria da islamofobia, com ONG’s como a Tell MAMA a encorajar os britânicos a denunciar o “ódio” contra os muçulmanos.

Estas ONG’s recebem milhões de libras dos contribuintes britânicos para desenvolverem este pidesco activismo.

E como resultado: em 2017 já eram presas 9 pessoas por dia, por delito de opinião, no Reino Unido.

 

Conservadores só no nome.

Os conservadores do antigo primeiro-ministro David Cameron pouco fizeram para travar a expansão da legislação relativa aos crimes de ódio e ao discurso de ódio. Cameron era um liberal social, tendo legalizado o casamento homossexual em 2013. Em 2015, começou também a registar os incidentes de ódio contra muçulmanos separadamente de outros crimes semelhantes.

As ONG’s continuam a pressionar no sentido de alargar ainda mais a legislação relativa aos crimes de ódio, sendo que algumas defendem que a expressão de género também deve ser abrangida pela legislação. A iminente proibição da chamada “terapia de conversão” – incluindo os transgéneros – levanta mesmo a perspectiva de que os pais e os prestadores de cuidados de saúde que se recusem a afirmar que as crianças “nasceram no corpo errado” possam enfrentar sanções.

 

Boris Johnson e a tirania sanitária.

Quando Boris Johson subiu ao poder executivo no Reino Unido, trazia consigo uma imagem de político renegado, que tinha levado a nação ao Brexit e que prometia uma forma diferente de liderar e de interpretar o conservadorismo no país. Essas expectativas, que na verdade sempre foram algo equívocas, porque Boris era um produto típico da casta elitista que sempre governou o reino, foram rápida e abruptamente esvaziadas com a pandemia de Wuhan. O governo de Johnson optou por uma linha de actuação que envergonharia Estaline, ao ponto de aspirar até à regulação da actividade sexual dos cidadãos britânicos.

Apesar de dispor de dados que negavam a pertinência das suas iniciativas totalitárias, Boris Johson desenvolveu durante dois anos as mais draconianas políticas de contenção da gripe chinesa a que o mundo assistiu, abrindo precedentes para a intrusão da acção governamental na esfera individual que seriam impensáveis até para globalistas fundacionais como Tony Blair.

Posicionando-se à esquerda de Theresa May, por exemplo, e insistindo numa sacrílega aliança com o establishment britânico contra o qual os ingleses se tinham manifestado veementemente, ao elegê-lo, Boris revelou-se como um globalista empedernido, com todos os tiques autoritários que esse posicionamento implica.

 

Guerra ao cristianismo.

Enquanto o Islão alcançou de facto um estatuto privilegiado na Grã-Bretanha, o Cristianismo tornou-se alvo de ataques constantes. Os cristãos pró-vida, em particular, têm sido visados. A realização de vigílias de cristãos à porta de clínicas de aborto foi proibida, tendo alguns sido presos pelo simples facto de estarem sozinhos a rezar silenciosamente nas suas imediações.

Os cristãos também foram presos por simplesmente citarem passagens da Bíblia ou por fazerem comentários sobre o Islão nas ruas.

O Reino Unido registou mais de 700 incidentes de ódio contra os cristãos em 2023.

 

Guerra racial contra os brancos.

Os britânicos brancos, que continuam a ser a maioria em quase todas as zonas do país – com excepção da capital Londres e da segunda cidade de Inglaterra, Birmingham – também têm sido alvo dos governos conservador e trabalhista. Em nome da diversidade, os britânicos brancos têm sido excluídos de empregos ou promoções, à medida que as empresas dos sectores público e privado procuram diversificar a sua força de trabalho.

Até mesmo a Royal Air Force (RAF) foi apanhada a dar prioridade a candidatos “diversos” em prejuízo de homens brancos. A RAF admitiu ter discriminado ilegalmente os brancos, mas não sofreu quaisquer consequências por esse facto.

 

Guerra contra a classe trabalhadora e os agricultores.

Muitas das mudanças na Grã-Bretanha são uma consequência directa das ondas sem precedentes de imigração em massa que começaram comb Blair e só aceleraram com os conservadores, de 2010 até ao regresso dos trabalhistas ao poder em Julho passado.

Os conservadores permitiram o afluxo, em parte, por deferência para com as grandes empresas, ávidas de mão de obra barata, e para com os economistas que insistiam que isso iria impulsionar a economia. No entanto, para os trabalhistas, a imigração em massa era uma ferramenta de engenharia social, com o apparatchik de Blair, Andrew Neather, a gabar-se, em 2011, de que o objectivo era “esfregar o nariz da direita com a diversidade e tornar os seus argumentos desactualizados”.

O aumento das restrições à liberdade de expressão na Grã-Bretanha resulta, em certa medida, de  uma tentativa de acabar com as tensões sociais latentes, alimentadas pelas mudanças sociais. Os britânicos brancos da classe trabalhadora, que viram os seus salários baixar e os seus preços subir, foram particularmente afectados e votam agora predominantemente em partidos de direita – mas as minorias étnicas votam esmagadoramente nos trabalhistas, pelo que a sua capacidade de influenciar a esquerda através da retenção do seu voto nas urnas é significativamente reduzida.

Os defensores das queixas da classe trabalhadora, como o activista contra os gangues de violadores muçulmanos Tommy Robinson, têm sido agressivamente visados pelo Estado britânico para impedir que as suas queixas sejam aproveitadas para um movimento mais vasto.

Por seu lado, os agricultores britânicos, cuja actividade há muito é limitada pela burocracia, pela legislação ambiental e por uma pesada carga fiscal, chegaram agora a um ponto de ruptura, com o imposto sucessório criado por Starmer com o claro intuito de transferir a propriedade agrícola para as mãos do estado, da banca e dos grandes conglomerados económicos.

 

Conclusão.

As nações democráticas que restam no mundo deveriam prestar atenção ao exemplo britânico que demonstra como as estruturas da democracia liberal clássica é frágil e pode declinar rapidamente para o autoritarismo socialista, muitas vezes interpretado até por ditos conservadores.

Como o Contra já documentou, é mais fácil do que parece fazer batota em democracia, de tal forma que mesmo um sistema político com eleições, parlamento e tradições democráticas, pode facilmente degenerar num regime totalitário, de que o actual governo de Keir Starmer é máximo intérprete, embora esteja longe de ser o único responsável.

Reunidas as condições históricas, políticas e sociais, as trevas agem rapidamente sobre a luz da democracia.