Respeitando o princípio orwelliano da inversão semântica, os líderes políticos do Ocidente estão a adulterar a linguagem e o significado a um ritmo assustador, na direcção de um mundo sem coordenadas filológicas nem referências históricas.
A última tendência deste diabólico movimento retórico é a das comparações surrealistas e bombásticas, completamente desfasadas dos factos.
Neste vale tudo de analogias delirantes, qualquer pessoa que hesite no apoio a Israel é antisemita como Hitler. Qualquer dissidência à narrativa que nos é impingida sobre a guerra na Ucrânia é comparada à propaganda soviética. Qualquer tentativa de argumentar contra o aborto tardio é análoga aos mandatos da Santa Inquisição.
Nos EUA, a moda tem pegado como fogo na pólvora. O Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken afirmou que o ataque do Hamas a Israel “é o equivalente a dez 11 de Setembro”, enquanto outros agentes do regime Biden justapõem o episódio terrorista ao holocausto e à explosão nuclear de Nagasaki.
O bárbaro ataque do Hamas (ninguém discute isso) terá causado cerca de 1.200 mortos, ao passo que cerca de 3.000 pessoas foram chacinadas a 11 de Setembro de 2001. A reacção americana à queda das Torres Gémeas causou mortandade incontável no Iraque, no Afeganistão, na Síria e no Líbano. Cerca de 60.000 a 80.000 civis foram pulverizados pelo bombardeamento de Nagasaki, sem contar com os que morreram posteriormente, vítimas dos efeitos colaterais da radiação e dosferimentos resultantes da explosão nuclear. Ninguém no seu perfeito juízo, ou ninguém bem intencionado, arrisca estes paralelos, que são destituídos de senso, insubstanciados pelos factos estatísticos e falidos de razão moral.
O chefe da diplomacia americana é aliás um prolixo criador de relações fenomenológicas que não fazem qualquer sentido. No Verão, comparou a hipótese de uma guerra nuclear com a eventualidade de um alegado apocalipse climático, afirmando que as duas ameaças são compagináveis no seu nível destrutivo, conseguindo desvalorizar as consequências globalmente terminais de um conflito termonuclear e exponenciar a fraude da emergência climática numa só oração.
No entretanto, o FBI compara os eleitores de Trump com terroristas, e confunde o estado de direito com uma república das bananas. O departamento de Segurança Interna do regime Biden, por seu lado, está a classificar os cristãos como issurreccionistas neonazis.
Joe Biden, claro, dá o exemplo: o motim de 6 de Janeiro é equivalente à Guerra da Secessão, a facção populista do Partido republicano é mais perigosa e extremista que o Ku Klux Clan, e a organização terrorista islâmica que conhecemos por Hamas é completamente comparável ao governo de Vladimir Putin. São, na lógica abstrusa do demente senil, entidades eticamente similares.
Colar o governo da Federação russa e a guerra na Ucrânia ao Hamas e aos actos bárbaros de 7 de Outubro é de tal forma perverso que abre precedentes para uma multitude de analogias maniqueístas que a partir de agora todos temos legitimidade para propor: Que o Napalm despejado no Vietname, ou os tapetes de bombas em Dresden e nos Balcãs são equivalentes ao holocausto nazi; que o avanço da NATO no leste da Europa se assemelha à expansão alemã na mesma zona do globo no desenrolar da II Guerra Mundial; que o recente acto do Hamas em Israel é comparável à invasão da Baía dos Porcos, do Iraque e do Afeganistão. Que a guerra na Ucrânia se assemelha ao conflito que os EUA desencadearam no Panamá, ou às guerras civis que promoveram no Chile e em El Salvador. Entre 1913 e 1934, sucessivas administrações americanas ocuparam ou invadiram a Nicarágua, Vera cruz, o Haiti e a República Dominicana. Tudo operações terroristas. Aberta a caixa de Pandora, isto nunca mais acaba. Os Estados Unidos serão um país terrorista desde que se enfiaram na guerra Filipo-Americana em 1899. E o Alamo? Um triunfo das benévolas forças mexicanas sobre o fanatismo protestante, facínora e niilista, dos independentistas do Texas.
Por amor de Deus.
Mas não é só na América que o cu e as calças são embrulhados em comparações incomparáveis. Von der Leyen foi ao Japão relacionar a Rússia com o bombardeamento atómico de Hiroshima. Num insinuante delírio fantasista, a senhora pareceu sugerir que Moscovo foi de alguma forma responsável pelo cataclismo. E conseguiu fazê-lo sem pronunciar qualquer referência aos Estados Unidos.
Em França, Macron também dá uma ajuda ao festival analógico, confundindo turbas de imigrantes que pilham incendeiam e destroem vastas áreas urbanas do país com crianças mal criadas.
No Vaticano, o Papa, sempre pronto a contribuir para a retórica dos poderes instituídos, comparou católicos com coelhos, numa mais que deselegante referência ao seu comportamento reprodutivo, comparou a religião de que é sumo-pontífice com todas as outras, para benefício destas, comparou a doença de Alzheimer com a infedilidade dos cardeais e, num apogeu de idiotia, comparou Gengis Khan com Mahatma Ghandi.
Todo este arraial de disparates serve um propósito: a hipnose das massas, bombardeadas com falsidades à velocidade dos ciclos noticiosos até ficarem completamente destituídas de qualquer ligação com a realidade. Um novo método que as elites globalistas adoptaram para a prossecução dos seus objectivos totalitários.
Convém estar atento, permanecer fiel à realidade histórica e à verdade moral e recusar a fusão dos alhos com os bogalhos.
Within twenty years at the most, he reflected, the huge and simple question, “Was life better before the Revolution than it is now?” would have ceased once and for all to be answerable. But in effect it was unanswerable even now, since the few scattered survivors from the ancient world were incapable of comparing one age with another. They remembered a million useless things, a quarrel with a workmate, a hunt for a lost bicycle pump, the expression on a long-dead sister’s face, the swirls of dust on a windy morning seventy years ago; but all the relevant facts were outside the range of their vision. They were like the ant, which can see small objects but not large ones. And when memory failed and written records were falsified—when that happened, the claim of the Party to have improved the conditions of human life had got to be accepted, because there did not exist, and never again could exist, any standard against which it could be tested.
George Orwell . 1984
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