O esforço liderado pelos Estados Unidos para isolar a Rússia e a tentativa de debilitar a sua economia e as suas forças armadas através da Ucrânia – reconhecida como uma “guerra por procuração” até por alguns líderes ocidentais – parece estar a ter o efeito oposto, em várias dimensões.

Washington e outros membros da NATO têm repetidamente proclamado que o Presidente russo Vladimir Putin já sofreu uma derrota estratégica na Ucrânia e não tem “qualquer possibilidade” de ganhar o conflito. “Putin já perdeu a guerra”, afirmou o Presidente dos EUA, Joe Biden, no mês passado, depois de participar numa cimeira da NATO em Vilnius, na Lituânia.

Oficiais do Pentágono, que admitiram abertamente que o seu objectivo é enfraquecer as forças armadas russas, falaram nas últimas semanas de pesadas perdas para as forças de Moscovo e de “progressos constantes” na contraofensiva da Ucrânia. Mark Milley, Presidente do Estado-Maior Conjunto dos EUA, chegou a dizer no início deste ano:

“A Rússia perdeu. Perdeu em termos estratégicos, operacionais e tácticos”.

No entanto, os líderes russos estão a ver uma imagem muito diferente no terreno. Por exemplo, Putin afirmou que as forças russas conseguiram um rácio de mortes de dez para um nos confrontos chave de Julho. A Ucrânia perdeu 43.000 soldados, bem como dezenas de tanques, veículos de infantaria e peças de artilharia fornecidos pelo Ocidente, desde que a contraofensiva de Kiev começou no início de Junho, de acordo com uma estimativa de 4 de agosto do Ministério da Defesa russo. O Ministro da Defesa, Sergey Shoigu, afirmou:

“É óbvio que as armas fornecidas pelo Ocidente não estão a ter sucesso no campo de batalha e apenas prolongam o conflito militar”.

 

Impacto militar: Uma guerra por procuração que o Ocidente não pode ganhar.

Embora as avaliações da situação no campo de batalha sejam muito divergentes, a NATO falhou claramente – e até agora – nos seus esforços para enfraquecer as forças armadas russas. As forças de Moscovo são hoje indiscutivelmente mais fortes e estão melhor armadas – contando também agora com mais efectivos – do que quando o conflito começou, em Fevereiro de 2022. Além disso, ganharam 18 meses de experiência no combate às tropas treinadas pela NATO e no combate ao armamento fornecido pela Aliança Atlântica. De facto, as tropas russas tornaram-se tão formidáveis que até os meios de comunicação social ocidentais citaram analistas de defesa sobre as tácticas cada vez mais eficazes utilizadas pelas forças de Moscovo.

Os peritos elogiaram as capacidades dos militares russos para abaterem drones ucranianos, estabelecerem linhas defensivas irredutíveis e destruírem tanques e unidades de artilharia. O general britânico aposentado Sir Richard Barrons comparou as actuais posições defensivas “exemplares” da Rússia com a retirada de Moscovo, no ano passado, de vastas áreas de território nas regiões de Kharkov e Kherson.

“Se juntarmos tudo isso, toda a gente sabe que esta será uma luta mais difícil do que a de Kherson e Kharkiv no Outono do ano passado. Apoiantes da Ucrânia utilizaram os êxitos de Kiev na reconquista de território no ano passado como pontos de referência, o que considero irracional, dadas as circunstâncias”.

O Centro de Avaliação da Política Europeia (CEPA), financiado por vários fabricantes de armas norte-americanos, apresentou uma opinião semelhante sobre o actual desempenho das forças armadas russas. Chels Michta, um oficial dos serviços secretos militares dos EUA, escreveu em Maio:

“Os russos foram à escola e aprenderam rapidamente tudo sobre os ucranianos. O exército russo de 2023 é diferente do exército russo das primeiras fases da guerra”.

Outra medida da maior eficácia das forças russas é o facto de Kiev ter alegadamente abandonado as tácticas de batalha pregadas pelos estrategas militares ocidentais. Em resposta às pesadas baixas sofridas pelas nove brigadas treinadas pela NATO na vanguarda da sua contraofensiva, o New York Times escreveu a 2 de Agosto, citando funcionários norte-americanos não identificados:

“Os comandantes militares ucranianos mudaram de táctica, concentrando-se em desgastar as forças russas com artilharia e mísseis de longo alcance, em vez de mergulharem em campos minados sob fogo”

Mas garantir munições de artilharia suficientes para sustentar essa estratégia pode ser um desafio. Biden e o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, admitiram anteriormente que as forças de Kiev estavam a gastar munições mais rapidamente do que os aliados ocidentais conseguiam fornecer. Biden tentou justificar a sua controversa decisão, no mês passado, de fornecer bombas de fragmentação à Ucrânia, dizendo que esse arsenal – proibido em mais de 100 países, mas não pelos EUA ou pela Rússia – era necessário para compensar a falta de munições de artilharia. Entretanto, os empreiteiros de defesa russos aumentaram a produção, permitindo que as forças de Moscovo tenham mais armas do que um país apoiado por dezenas de benfeitores ocidentais e a primeira potência militar do mundo.

A Rússia conta também com mais soldados do que quando o conflito começou. Mais de 231.000 russos assinaram contratos de alistamento desde o princípio do ano, segundo disse o vice-chefe do Conselho de Segurança Nacional, Dmitry Medvedev, a 3 de Agosto. Moscovo já tinha convocado 300.000 reservistas em 2022. Depois de aumentar o número de tropas de combate em cerca de 13%, para 1,15 milhões, Putin aprovou em Dezembro um plano para expandir o quadro humano em mais 30%, para 1,5 milhões, nos próximos anos.

Apesar das baixas sofridas na Ucrânia, as forças terrestres russas são claramente maiores do que quando o conflito começou, como admitiu o general do exército norte-americano Christopher Cavoli. Cavoli, que dirige o Comando Europeu dos EUA, disse aos legisladores norte-americanos, em Abril, que as perdas da marinha e da força aérea russas tinham sido mínimas. Lamentou, também, que as forças de Moscovo noutras partes do mundo se tenham tornado mais activas, mesmo quando mais unidades estavam a ser deslocadas para a Ucrânia:

“Os russos estão mais activos do que temos visto nos últimos anos, e as suas patrulhas no Atlântico, e em todo o Atlântico, estão a um nível elevado, na maioria das vezes a um nível mais elevado do que temos visto nos últimos anos. E isto apesar de todos os esforços que estão a fazer na Ucrânia”.

Voltemos aos primeiros parágrafos deste texto: onde é que Joe Biden e Mark Milley forma buscar a informação de de que “Putin já perdeu a guerra”? Aos seus respectivos gabinetes de propaganda. Porque a realidade no terreno é outra, e é inversa.

 

Impacto económico: Se não há Coca-cola, os russos bebem vodka.

Tal como a alegada guerra por procuração colocou, inadvertidamente, a Rússia numa posição militar mais forte, a campanha liderada pelos Estados Unidos para esmagar a economia russa falhou o alvo. De facto, em muitos aspectos, o tiro saiu pela culatra.

Washington e os seus aliados impuseram sanções económicas sem precedentes a Moscovo, e Biden prometeu impor custos “rápidos e severos” à Rússia. No entanto, o PIB russo registou uma contração de apenas 2,1% no ano passado, superando facilmente a previsão descabida do Banco Mundial de um declínio de 11,2%. A economia russa Economia ultrapassou entretanto a Alemanha, o Reino Unido e a França em paridade do poder de compra, e está a caminho de crescer mais de 2% este ano, enquanto a Zona Euro de 20 estados membros entrou em recessão devido à inflação historicamente elevada, à subida dos custos energéticos e à diminuição do nível de vida.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse a 3 de Agosto, num fórum de jovens em Moscovo:

“Saímos da crise e as nossas perspectivas de desenvolvimento rápido são boas, de acordo com os padrões actuais. Esta é uma situação única. Vão estudar como é que isto foi possível e onde é que o nosso país, o nosso povo, encontrou esta força”.

Moscovo beneficiou da subida das receitas energéticas – o governo registou um aumento de 28% nas receitas de exportação de petróleo e gás natural no ano passado – e foi forçado a diversificar a economia. E tal como a crise da Ucrânia levou as nações ocidentais a reduzir ou eliminar a sua dependência da energia russa, as sanções reduziram efectivamente a vulnerabilidade da Rússia em relação aos mercados de exportação que são objectivamente inimigos de Moscovo.

A Rússia aumentou as exportações para outros países para preencher o vazio criado pelas sanções ocidentais, estabelecendo laços comerciais mais estreitos com parceiros não hostis, incluindo as duas nações mais populosas do mundo, a Índia e a China. As exportações para os Emirados Árabes Unidos também aumentaram, de acordo com um relatório da Bloomberg no início deste mês. Os EAU estão em conversações com Moscovo sobre um acordo de comércio livre com a União Económica Eurasiática, liderada pela Rússia.

Entretanto, os países que cortaram as importações da Rússia estão a pagar um brutal preço económico. Por exemplo, os EUA há muito que pressionam a Alemanha a deixar de depender do gás russo, uma transição que só foi conseguida após o início da crise na Ucrânia e a destruição dos gasodutos Nord Stream, num ataque de sabotagem submarina. Em consequência, as exportações de gás natural liquefeito dos EUA, mais dispendioso, aumentaram 119% no ano passado, de acordo com os dados da Administração da Informação sobre Energia dos EUA. Os europeus acabaram por pagar preços muito mais elevados e a Agência Internacional de Energia avisou no mês passado que a UE enfrenta uma potencial escassez de gás se o continente tiver um Inverno frio este ano.

Após o início do conflito na Ucrânia no início do ano passado, as multinacionais do capitalismo corporativo ocidental decidiram alistar-se na contenda e abandonaram a Rússia para ajudar a punir o país e demonstrar a sua (falsa) virtude. A resposta russa a esse êxodo tornou o país economicamente auto-suficiente, sem causar privações significativas aos consumidores, como os conselhos de administração dos conglomerados globalistas poderiam ter esperado.

Por exemplo, o maior fabricante de automóveis da Rússia, a AvtoVAZ, que assumiu uma antiga fábrica da Nissan em São Petersburgo, registou um aumento de 59% na produção em relação ao ano anterior, nos primeiros sete meses de 2023. As vendas da marca LADA da empresa duplicaram para quase 173.000 veículos no mesmo período. A produção russa global está a aumentar 12% este ano.

Os clientes dos centros comerciais russos notam apenas efeitos subtis do êxodo ocidental. Algumas grandes marcas internacionais, como a Zara, desapareceram, mas outras têm agora proprietários russos e novos nomes. A Starbucks é agora a Stars Coffee, por exemplo, e a Reserved foi rebaptizada como RE. A Levis é agora JNS. A decoração das lojas e a mercadoria mantêm-se praticamente inalteradas. As cadeias de fast-food, incluindo a McDonald’s e a KFC, também foram rebaptizadas. Muitos dos produtos que supostamente já não são vendidos na Rússia, como a Coca-Cola, ainda estão disponíveis nas lojas russas. Desde que sustentados por uma liderança forte, os russos sabem adaptar-se a novas situações políticas e económicas com extrema facilidade e rapidez, como qualquer pessoa que tenha lido umas páginas da história do país sabe muito bem. Mas a História não é de todo uma disciplina a que as elites ocidentais dediquem o seu tempo. Preferem sonhar com futuros distópicos.

 

 

Impacto geopolítico: Os EUA obrigaram a China e a Rússia a uma aliança inédita.

Os esforços do Ocidente para punir e enfraquecer a Rússia também abalaram o panorama geopolítico, uma vez que a crise aproximou Moscovo da China, da Índia e de outros parceiros estratégicos importantes. No final de Julho, a Rússia organizou um fórum para aprofundar as relações com os países africanos, 48 dos quais enviaram delegações ao evento, ignorando a pressão anti-Moscovo do Ocidente.

Dezenas de países, incluindo a Venezuela e a Argélia, ricas em petróleo, candidataram-se a integrar o BRICS, um bloco económico formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Os cinco membros actuais do bloco já representam cerca de 40% da população mundial e 25% da economia global.

Os críticos das políticas de Biden argumentam, com as evidências do seu lado, que ele está a tornar os EUA menos seguro ao aproximar a Rússia, a China e outros adversários históricos dos Estados Unidos. O antigo Presidente Donald Trump insistiu que a estratégia de Washington está a levar o mundo, mais do que nunca, no sentido da Terceira Guerra Mundial. Uma sondagem da Pew Research realizada no ano passado revelou que 62% dos americanos encaram a parceria entre a China e a Rússia como um “problema muito sério”.

Aliás, só uma administração altamente incompetente como a de Biden obrigaria a uma aliança entre russos e chineses, que mesmo no apogeu do mais ortodoxo comunismo euroasiático e da guerra fria, com Mao e Estaline à frente do destino das duas potências, nunca foi consumada.

De facto, John Mearsheimer, professor de ciência política da Universidade de Chicago, afirmou que as políticas dos EUA estão a criar uma maior “interdependência” entre a Rússia e a China. Numa entrevista em Abril deste ano, afirmou:

“Os Estados Unidos deveriam estar a fomentar boas relações com os russos e a direcionar toda a sua força para a Ásia Oriental, porque a China é um concorrente de peso. Estão a fazer isso? Não, na verdade estão a empurrar os russos para os braços dos chineses enquanto ficam presos na Europa de Leste”.

 

Em conclusão: a devastadora mortandade na frente de batalha e a destruição económica do Ocidente traduzem-se apenas no fortalecimento da Rússia e numa aliança entre países que nunca viram o domínio geo-estratégico ocidental com bons olhos. O saldo da guerra por procuração, que o bloco ocidental interpreta apenas porque o tradicionalismo nacionalista de Putin não compagina com a agenda neo-liberal, é forçosamente catastrófico.