É lamentável, mas a presidência de Donald Trump continua a dar sinais de uma duplicidade deveras preocupante.

Enquanto tem feito um esforço para aumentar a eficiência governamental e desmantelar o estado profundo, a Casa Branca fez pressão draconiana junto de alguns dos representantes da Câmara que são mais fiéis ao programa America First, como Thomas Massie, para que seja aprovada uma lei de despesa absolutamente astronómica, que vai desperdiçar todo o dinheiro que tem sido poupado pelo DOGE, aumentar ainda mais a dívida soberana, e insistir no despesismo federal.

Enquanto tem demonstrado uma abordagem à guerra na Ucrânia que parece procurar a paz e entender o ponto de vista russo, hostilizando publicamente Zelensky, negociou com o mesmo Zelensky um acordo de cessar-fogo que os russos não aceitarão nunca e continua, em resultado desse acordo, a apoiar militarmente o regime de Kiev, o que é um contradição em termos, porque só há uma forma de promover a paz na região, que é congelar qualquer ajuda, militar, financeira e de inteligência aos ucranianos.

Enquanto parece empenhada em promover a transparência no governo federal, os ficheiros Epstein continuam por divulgar, os ficheiros da CIA sobre o assassinato de JFK ainda não foram revelados, apesar de uma ordem executiva nesse sentido assinada publicamente pelo Presidente, e a verdade sobre os “drones de New Jersey”, permanece oculta, com o gabinete de imprensa da Casa Branca a imitar o regime Biden, apresentando risíveis respostas para as ocorrências. Até sobre as tentativas de assassinato de que foi alvo, o Presidente tem oferecido ao público americano as mesmas satisfações que Joe Biden, ou seja: nenhumas. Sabemos agora o mesmo que sabíamos 24 horas antes de Trump tomar posse.

Enquanto prometeu reformar o Departamento de Justiça e contrariar a sua instrumentalização política, Pam Bondi, a sua procuradora-geral, tem tido uma actuação absolutamente desastrosa, destacando-se precisamente por acções que visam a vingança sobre opositores políticos. Por outro lado, Kash Patel, que prometia muito como director do FBI, tem apresentado resultados nulos, parecendo amordaçado por poderes que largamente o transcendem.

Enquanto o movimento MAGA prometia um assalto aos poderes globalistas do eixo Washington-Wall Street-Silicon Valley, Trump tem namorado ostensivamente  ‘senhores do universo’ como Sam Altman, Peter Thiel e a BlackRock, nomeando até um antigo gestor de fundos de George Soros para secretário do tesouro americano.

Defendendo em campanha eleitoral uma política externa de contenção, procurando contrariar o belicismo do aparelho industrial e militar e o intervencionismo imperialista dos EUA, Trump anunciou um programa insano para a Faixa de Gaza, que implica a total ocupação militar da região por tropas americanas, e espoletou no sábado a maior operação militar das suas duas presidências contra um dos mais pobres países do mundo, o Iémen. No texto que publicou a propósito da sua decisão, Trump elogia a “bravura” dos “guerreiros” que conduziram o ataque. Não se percebe bem que bravura é necessária para atacar com mísseis e jactos de última geração tecnológica uma tribo de terroristas islâmicos no canto mais miserável da península arábica, mas este tipo de discurso lembra imenso a retórica globalista, de tom orwelliano, que inverte o significado das palavras para que as massas percam a sua ligação com a realidade.

Enquanto prometeu uma nova época de prosperidade aos americanos, Donald Trump parece agora empenhado num jogo arriscadíssimo de guerras comerciais baseado em chantagem tarifária, que está a destabilizar os mercados financeiros, mas também e consequentemente o comércio internacional de bens, que pode resultar num surto inflaccionário (mais um) e até numa recessão global.

A verdade é que à medida que o tempo vai passando, este segundo mandato de Trump está a ficar cada vez mais parecido com o primeiro, com equívocos grandes sobre quem são os seus aliados e os seus inimigos, decaimento neoconservador, impunidade e opacidade do estado profundo, imperialismo militar e despesismo abstruso.

A continuar assim, à revelia afinal do seu claro e substancial mandato eleitoral, será perdida mais uma oportunidade para reformar a América. E pacificar o mundo.

 

 

Paulo Hasse Paixão
Publisher . ContraCultura