Para a maioria dos observadores, mesmo na direita política, foi difícil evitar a conclusão de que Donald Trump falhou o debate com Kamala Harris, travado em Setembro. Trump não estava concentrado, e pareceu até impreparado, perdendo muitas oportunidades de ouro para atacar a vice-presidente. A culpa foi quase toda dele, e não vale a pena fingir o contrário.

Quase. Também é verdade, no entanto, que Trump foi colocado em desvantagem pelos moderadores da ABC News, que intervieram repetidamente para “verificar os factos” das suas declarações, mas deixaram Harris mentir à vontade. Além disso, as suas perguntas eram por vezes piadas de mau gosto. Por exemplo, a raça é uma questão importante na política e na cultura americanas, e Kamala Harris, que é negra ou diz que é negra, juntou-se a quase todas as grandes causas rácicas de extrema-esquerda. Em 2020, chegou mesmo a promover um fundo para resgatar esquerdistas presos em Minneapolis por motins raciais e a administração Biden-Harris apostou tudo nas cada vez mais impopulares campanhas DEI (diversidade, equidade, inclusão).

Das muitas questões substantivas e importantes que poderiam ter sido colocadas sobre a questão racial, qual é que David Muir da ABC News colocou a Trump? Perguntou-lhe porque é que ele questionava se Harris era ou não negra. Isto colocou Trump na defensiva, e Trump não conseguiu transformar a pergunta trivial mas hostil numa discussão sobre os graves conflitos raciais na vida americana.

Mais a mais, e pelo que ficámos a saber posteriormente através de uma denúncia de um profissional da ABC, a campanha de Kamala Harris teve acesso antecipado a um guião onde constavam as perguntas que iriam ser colocadas no debate. A ser verdade, isto ter-lhe-ia dado uma vantagem injusta sobre Donald Trump, permitindo-lhe preparar-se melhor para temas específicos. Aparentemente, a campanha democrata também determinou que perguntas podiam ou não podiam ser feitas.

E este é apenas um exemplo de como a parcialidade dos media distorce, deforma e manipula o processo eleitoral.

Isto não é novidade para ninguém que esteja atento. Mas a proximidade da disputa presidencial deste ano amplia a costumeira batota, por mais subtil que seja. E os preconceitos ideológicos dos media constroem narrativas que cegam os eleitores para as condições do mundo real.

Por exemplo, num artigo que argumentava que Harris tinha ganho o debate, a revista Time acusou o candidato democrata de inventar uma história bizarra que acusava a sua adversária de apoiar “operações transgénero em estrangeiros ilegais na prisão”. Uma loucura, não é? É o tipo de história absurda que Trump está sempre a inventar, não é?

Acontece que a história é verdadeira e a Time teve de publicar uma correcção admitindo que “como candidata presidencial em 2019, Harris preencheu um questionário dizendo que apoiava o tratamento de transição de género financiado pelos contribuintes para imigrantes detidos”. Ela pode ser vista numa entrevista em vídeo a dizer exatamente isso aqui.

Num discurso acalorado sobre o caos causado pela migração em massa, Trump citou alegações de que os imigrantes haitianos que vivem em Springfield, uma pequena cidade do Ohio, têm comido os animais de estimação dos habitantes da cidade. Os media assumiram que a história era falsa. Um moderador do debate da ABC afirmou que as autoridades locais disseram à cadeia de televisão que não havia relatos de haitianos a comer animais de estimação. Isto está correcto: as autoridades locais disseram isso.

A afirmação de Trump parece mesmo uma loucura quando a ouvimos pela primeira vez. Mas há provas em vídeo de que os haitianos daquela cidade têm apanhado patos e gansos do parque da cidade para os comer. Surgiu uma gravação de uma chamada de 26 de Agosto para a polícia de Springfield, na qual um residente relatou ter visto quatro haitianos a afastarem-se com gansos capturados. Além disso, vários residentes locais afirmaram, num testemunho também gravado em vídeo, que os seus animais de estimação estão a desaparecer. Estarão todos a mentir? Talvez. Mas não é prática do jornalismo que se pretende sério aceitar a palavra das autoridades sem investigar.

Além disso, no sul da Florida, onde vive um grande número de imigrantes latino-americanos, encontrar partes de corpos de animais sacrificados em rituais é tão comum que a polícia teve de desenvolver políticas de acção para lidar com estas situações. Será assim tão impensável que migrantes de países pobres do Terceiro Mundo tragam consigo para os Estados Unidos hábitos culinários e religiosos bizarros?

A questão não é que as afirmações de Trump sobre haitianos comedores de animais em Springfield sejam verdadeiras. O que está em causa é o facto de serem plausíveis. Aqui está um clip de 2020 de uma mulher italiana a gritar com um imigrante negro encontrado na rua a assar um gato. Se os meios de comunicação social convencionais fossem minimamente responsáveis, analisariam estas alegações. Mas a descoberta de provas sólidas destas práticas obrigaria a imprensa a rever a sua narrativa preferida. Por conseguinte, mantêm-se profissionalmente ignorantes.

Mais uma vez, esta negligência dos meios de comunicação social é tão comum que nos habituámos a conviver com ela sem nos indignarmos excessivamente com isso. Mas o que acontece quando os americanos não têm forma de saber quando estão a ser enganados pelos meios de comunicação social? É o que se passa constantemente com a imprensa dos EUA e do Reino Unido, quando fazem ‘reportagens’ (são na verdade peças de propaganda) sobre os populistas e os conservadores nacionalistas europeus. Se a única coisa que sabemos sobre estes movimentos e estes partidos tem origem no que consumimos nos meios de comunicação social convencionais, ficamos sem saber o que está realmente a acontecer na Europa.

Durante o debate, Trump mencionou que o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán é um admirador seu. É verdade. Isto levou a adversária de Trump em 2016, Hillary Clinton, a postar o seguinte:

 

 

O artigo do Vox.com de 2018 que Hillary recomenda pinta a Hungria como um exemplo de “fascismo suave”. É certamente verdade que os eleitores, especialmente os de esquerda, têm razões para se oporem às políticas do governo húngaro, como em qualquer país democrático. Mas nunca se saberia, através do longo artigo, porque é que Orbán e o seu partido Fidesz continuam a ser populares entre os eleitores; só se pode assumir que a culpa é inteiramente de Orbán, que manipula o sistema, e da “demagogia anti-migrante”. Para a esquerda, a oposição à migração em massa só pode ser um sintoma de corrupção moral.

E a democracia húngara é neste momento muito mais funcional – e muito menos corrupta – que a norte-americana, ou a britânica ou a alemã. Na Hungria não há prisioneiros políticos como os cidadãos que estão encarcerados nos Estados Unidos a propósito do 6 de Janeiro. Os cidadãos húngaros não são presos por delito de opinião, como no Reino Unido. E na Hungria ninguém está a tentar interditar partidos da oposição, como acontece na Alemanha. Não só não há quaisquer evidências de ‘fascismo suave’ na nação magiar, como não faltam sinais de ‘fascismo forte’ em muitas da nações ocidentais.

Tanto assim é que até o artigo da Vox, embora extremamente tendencioso e crítico em relação ao governo húngaro, não justifica a conclusão de Hillary Clinton de que Orbán é um “ditador húngaro que mata a democracia”. Este é mais um caso em que a classe dominante globalista manifesta um estranho conceito de “democracia”:  Quando os eleitores escolhem o caminho que a classe dominante quer que eles escolham, a democracia vence, quando não o fazem, a democracia é derrotada.

Consideremos as recentes e chocantes eleições regionais alemãs nos estados orientais da Saxónia e da Turíngia, que terminaram com uma vitória esmagadora do partido populista Alternativa para a Alemanha (AfD). O AfD, cujo principal cavalo de batalha é opor-se ao massivo fluxo migratório para a Alemanha, é um anátema para os principais políticos, meios de comunicação social e opinião “respeitável” do país.

Antes da recente votação, um eleitor alemão conservador disse que o AfD, com a sua vigorosa posição anti-migração e a sua oposição à desconstrução da outrora poderosa economia alemã pelo partido dos Verdes, é o único partido em que vale a pena votar. Mas, segundo ele, é muito arriscado apoiar abertamente o partido, uma vez que o serviço de informações internas do país o classificou como extremista. O AfD tem dificuldade em atrair os melhores talentos políticos, porque a filiação coloca a reputação pessoal e profissional dos cidadãos em risco extremo, como aconteceu recentemente com Christoph Schaufert, que, por representar o Alternativa para a Alemanha no parlamento do Estado do Sarre foi demitido da direcção da sua paróquia local, apesar daqueles que o acusam de fidelidade ao AfD não terem encontrado quaisquer contradições entre os ensinamentos católicos e os seus discursos parlamentares.

Não é de admirar. Quando o AfD ganhou no Leste, apareceram títulos assustadores em jornais e revistas de todo o mundo anglófono, alertando para as dores de parto do renascimento do nacional-socialismo na Alemanha. Esta linha de pensamento torna-se convencional nos EUA e no Reino Unido, porque há pouco para a contradizer nos media.

Um raro contra-exemplo acaba de ser publicado na New Yorker, a proeminente revista liberal que, com Alec MacGillis, tem um repórter que parece realmente querer compreender o que está a acontecer na Alemanha.

MacGillis revela o que tantos outros jornalistas ignoram ou suprimem: que a ascensão do AfD está a acontecer em simultâneo com a ascensão de um partido populista de esquerda, construído em torno da ex-política comunista Sahra Wagenknecht, que combina a economia tradicional de esquerda com o conservadorismo cultural. Em ambos os casos, isto tem tudo a ver com o aumento do fosso entre o establishment alemão e o tipo de pessoas que Hillary Clinton em tempos apelidou de “deploráveis”.

MacGillis escreve:

A dinâmica fazia lembrar o que eu tinha observado ao fazer uma reportagem sobre a ascensão de Donald Trump no Midwest americano em 2016 – acima de tudo, a desconexão entre os eleitores dos lugares mais à esquerda e as elites altamente educadas da metrópole. O que distingue a situação na Alemanha, para além do contexto histórico sombrio, é a multiplicidade e a transparência da ruptura. Nos Estados Unidos, a crescente desconexão regional foi achatada sob o peso do culto da personalidade de Trump, obscurecendo o realinhamento em curso em ambos os principais partidos. Mas, num sistema parlamentar multipartidário como o da Alemanha, as clivagens e as tensões são mais fáceis de discernir. Estão à vista de todos, são as estrias de uma democracia ocidental sob tensão.

Estará a democracia alemã “sob tensão” – ou estará simplesmente a fazer o que é suposto a democracia fazer, ou seja, representar os desejos de mudança dos eleitores? Parece que mesmo os jornalistas que conseguem ultrapassar os seus preconceitos naturais não conseguem deixar de lado a ideia de que as escolhas democráticas que se opõem ao consenso estabelecido devem, de alguma forma, ser contra-democráticas.

Os conservadores já estão habituados a este tipo de coisas nas reportagens sobre Trump. O que é interessante, no entanto, é o quão pouco os jornalistas aprenderam com os seus erros. Os “deploráveis” são simplesmente demasiado insignificantes para que as pessoas que “pensam correctamente” os contemplem com algo mais do que desprezo.

A verdade nua e crua aqui é que esta é uma guerra de classes mascarada como guerra cultural (que também se manifesta, mas noutras dimensões que não vêm agora à conversa). MacGillis, do The New Yorker, pega no assunto ao citar um discurso de campanha de Wagenknecht:

Uma a uma, foi enumerando as figuras agora impopulares do governo nacional, pintando-as como cosmopolitas alienadas que não fazem ideia do que o povo alemão realmente precisa ou como vive. Reservou um desdém especial para Robert Habeck, um ambicioso líder do partido dos Verdes, cuja proposta de proibir quase completamente a instalação de novos sistemas de aquecimento a gás e a óleo provocou um dos maiores reveses do Governo, depois de uma oposição crescente aos custos dessa proibição ter feito cair o plano. “Herr Habeck é da opinião de que a maioria das pessoas vive como os seus amigos, na sua bolha de cidade grande e moderna, em Berlim, onde a vida talvez consista realmente em escolher entre macchiatos de leite de aveia, bicicletas de bateria eléctrica e lojas de produtos biológicos”, disse ela. Um político deveria saber que a grande maioria das pessoas no país não se levanta de manhã e pensa: “Hoje vou ser uma pessoa virtuosa e vou à mercearia biológica ou vou ao Aldi?”

O mesmo acontece na América. O Texas, que faz fronteira com o México, está a ser invadido por imigrantes ilegais. Mas todos os formadores de opinião respeitáveis em Houston e Dallas – empresários, jornalistas e políticos – agarram-se ao dogma “a diversidade é a nossa força”. Entretanto, nos bairros da classe trabalhadora e nas zonas da classe média em declínio, a maré de imigrantes está a tornar a vida quotidiana um verdadeiro inferno no que diz respeito à segurança, à coesão social e à estabilidade do mercado de trabalho.

Nalgumas escolas públicas, as crianças americanas mal podem ser educadas porque as turmas passaram a ter um grande número de crianças que não falam inglês. Os americanos empobrecidos têm dificuldade em obter cuidados imediatos nos hospitais públicos, cujas salas de emergência foram invadidas por imigrantes ilegais. Os proprietários ausentes alugam casas a grupos de quinze a vinte trabalhadores migrantes de cada vez, homens que não compreendem nem respeitam as leis ou as regras sociais não escritas dos bairros.

Nenhum dos bem pensantes do establishment dos grandes centros urbanos alguma vez teve de lidar com coisas como esta. A sua única interacção com imigrantes ilegais consistia em contratá-los para fazer trabalhos de jardinagem, ou como cozinheiros em restaurantes populares. Por outras palavras, os habitantes das classes média e alta de Dallas beneficiavam da mão de obra barata dos imigrantes, mas os americanos das classes mais baixas tinham de pagar por isso com um nível de vida mais baixo.

Não é de surpreender que algumas dessas pessoas de classe baixa tenham expressado a sua raiva. Isto, por sua vez, deu aos seus superiores sociais uma desculpa para rejeitarem a sua situação como sendo apenas fanatismo. Vemos esta dinâmica em acção numa recente troca de palavras, em Londres, entre uma mulher que denunciou que um imigrante a tinha atacado e a polícia que a castigou por ter sido “ofensiva” na forma como adjectivou o imigrante.

Não é de admirar que as pessoas estejam zangadas. Um eleitor do leste da Alemanha disse à New Yorker: “Algo tem de acontecer. Isto não pode continuar assim”. Outro disse a MacGillis que os antigos residentes da Alemanha de Leste comunista esperam que os media lhes mintam, como faziam nos tempos do bloco soviético, e, por isso, são mais imunes ao tipo de manipulação que é rotina na imprensa ocidental.

Isto é cada vez mais verdade nos Estados Unidos, mas apenas quando os media americanos relatam histórias nacionais. O mundo fora das suas fronteiras continua a ser opaco para a maioria dos americanos, que consideram não ter outra opção senão depender dos olhos e ouvidos dos correspondentes liberais que lá se encontram.

Consideram mal, porque o Twitter, agora conhecido como X, é uma óptima ferramenta para desafiar a narrativa fabricada. Como qualquer meio de comunicação social, o X pode ser uma fonte de mentiras e desinformação. Mas também é um dos únicos sítios onde uma pessoa comum pode saber o que está realmente a acontecer no mundo, em oposição ao que a imprensa corporativa deseja que ela acredite.

Veja-se este poderoso discurso proferido no Bundestag por Alice Weidel, a líder da AfD. O discurso foi proferido em alemão, mas quem gere a conta X de Weidel colocou legendas em inglês. Se tem a impressão, gerada pelos meios de comunicação social, de que o AfD é um partido nazi, oiça este discurso. Weidel põe imediatamente em causa as acusações histéricas que os meios de comunicação social na Alemanha e no estrangeiro fazem contra o partido.

 

 

Esta é uma das principais razões pelas quais os eurocratas de Bruxelas querem controlar o proprietário do X, Elon Musk. Na Alemanha, Anton Hofreiter, um proeminente membro do Bundestag do partido dos Verdes, apelou ao silenciamento, e mesmo à proibição, do X e de outras formas de media sociais, para travar a “radicalização online”. No seu discurso no Bundestag, Weidel chamou a isto “a face feia do espírito totalitário que vos domina”.

Ela tem razão. É uma guerra de classes, é uma guerra cultural e é também uma guerra de informação. O que é intrigante é que o establishment – tanto os liberais de esquerda como os liberais de direita – parecem não só querer que os eleitores comuns sejam privados de informação que prejudique a sua narrativa preferida, como também parecem preferir viver, eles próprios, na ignorância. Consequentemente, quando ocorrem convulsões como a eleição de Trump em 2016, eles ficam chocados e desentendidos.

Enquanto se concentram maniacamente na multidão indisciplinada de 6 de Janeiro que invadiu o Capitólio dos Estados Unidos como a maior ameaça ao que chamam “a nossa democracia”, outros com uma visão mais clara compreendem que turbas como a da Faculdade de Direito de Stanford, que impediu o discurso de um juiz federal no ano passado, são, de facto, a maior ameaça a um regime constitucional e representativo, baseado no Estado de Direito; precisamente devido à combinação do seu estatuto de elite profissional e desprezo antidemocrático por opiniões que não são as suas. Donald Trump compreende isto intuitivamente, mas não tem as capacidades retóricas e intelectuais para o articular eficazmente. O seu companheiro de candidatura, J.D. Vance, um licenciado em Direito de Yale que se tornou um traidor para os seus colegiais elitistas, é uma história diferente. Aconteça o que acontecer a Trump em Novembro, Vance é o futuro do Partido Republicano.

A classe dominante não compreende como a sua arrogância mina a verdadeira democracia. Se a oposição à migração em massa, a uma guerra economicamente ruinosa e a políticas ambientais destruidoras de postos de trabalho faz de alguém antidemocrático, então estes tolos não devem ficar surpreendidos quando as pessoas comuns decidem que talvez esta democracia não funcione em favor dos seus interesses e aspirações.

Não se enganem: se a democracia alguma vez for morta no Ocidente, oligarcas como Alex Soros e Hillary Clinton, e boletins de propaganda da classe dirigente como o Washington Post, terão mais sangue nas mãos do que deploráveis democraticamente eleitos como Viktor Orbán.

AFONSO BELISÁRIO

Oficial fuzileiro (RD) . Polemista . Português de Sagres

As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.