Esta é uma rubrica muito pessoal, que introduz a banda sonora de uma vida. Não há grandes regras a não ser a de seguir uma sequência vagamente cronológica, escolher não mais que um disco por banda ou autor e inserir não mais que um videoclipe por álbum, para que a coisa mantenha um tom adequadamente telegráfico.

 

London Calling . The Clash

Este quadrifólio é difícil de explicar. Integrando influências reggae, rockabilly, ska, R&B, pop, lounge jazz e hard rock no reportório imenso e bestial daquela que é a banda punk mais famosa da história universal, London Calling vai a todas, dispara em todos os sentidos, martiriza todos os silêncios: é um grito polivalente sobre a banalidade da existência, uma ópera octodimensional, policrónica, híbrido produto de uma geração inquieta que não sabia o que fazer com o passado enquanto caminhava aos tropeções pelo futuro a dentro.
A obra terá, neste sentido, a capa mais apropriada que alguém à altura podia imaginar. O lendário baixo Fender que está prestes a ser feito em pedaços por Paul Simonon é o logótipo da loiça que é partida no correr dos 19 temas desta dramaturgia, onde encontramos pepitas de dinamite e pérolas de aço como “Lost in the Supermarket”, “Train in Vain”, “Spanish Bombs”, “The Guns of Brixton” e o hino brigadeiro que dá nome ao álbum.
Os The Clash são uma banda mítica, Joe Strummer e Mick Jones são deuses no panteão das pedradas no charco e London Calling ficará para a posteridade como um manifesto do génio humano, quando é virado ao contrário pela destemperança.
É preciso dizer mais alguma coisa?

 

The B-52’sThe B-52’s

No vai e vem entre o fim da década de 70 e o princípio da década de 80 que tem marcado o balanço inicial desta série de artigos, há que cristalizar um momento de fogo de artifício que explodiu em 1979, e abrir espaço condigno para os espalhafatosos barra estapafúrdios barra espampanantes e sensacionistas e dadaistas e malabaristas-acrobatas, mestres de cerimónias do mais prodigioso circo dançante no cosmos conhecido: The B-52’s. É impossível evitar esta coisa gritantemente amarela, que na verdade está mais dentro da década que vinha a seguir, porque toda a arte é na verdade um exercício futurista.
O primeiro disco destes gloriosos malucos das máquinas harmónicas é uma obra prima da pop, claro, sublime elogio da lagosta, do despropósito cromático e das viagens no espaço feitas em naves de polipropileno, que só podia entrar com circense estrondo nesta lista sem juízo nenhum.
So let’s dance this mess around, shall we?

 

Iron Fist – Motörhead

1982. A minha mãe volta de Londres com dois discos para mim. Um deles é este (o outro é “I Love Rock’n Roll” da Joan Jett) e eu devo ser o único adolescente no planeta Terra que foi iniciado em Motörhead pela senhora sua mãe. Todos os puristas do heavy metal vão dizer que este não é o melhor disco dos Motörhead, mas não quero saber porque este é o MEU disco dos Motörhead. Uma incursão brutal, minimal, soturna e épica no lado negro do rock destes tempos de paleolítica comédia humana. Se Darth Vader tocasse baixo, tocaria baixo como o Lemmy Killmister. E o resto é conversa.

 

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