Esta é uma rubrica muito pessoal, que introduz a banda sonora de uma vida. Não há grandes regras a não ser a de seguir uma sequência cronológica, escolher não mais que um disco por banda ou autor e inserir não mais que um videoclipe por álbum, para que a coisa mantenha um tom adequadamente telegráfico.
Saturday Night Fever . Vários
Sei bem que estou a colocar-me na posição óptima para ser gozado, mas este duplo álbum tem que constar da lista de discos fundamentais, porque é parte integrante do meu ritual de passagem da meninice para a adolescência. E convenhamos: Se Saturday Night Fever – o filme – é uma merda sem nome que foi ruindo pelas décadas e é hoje não mais que um objecto da Arqueologia do Gosto Duvidoso, já a banda sonora, bom Deus, é a mais garrida, ginasticada e espalhafatosa das obras, sinfonia multicolor que fez, faz e fará girar todas as bolas de espelhos da grande discoteca que é a imaginação acústica do ser humano.
Para além das imortais composições dos Bee Gees, capazes de abanar o esqueleto do mais empedernido bota de elástico – ou de derreter o coração de Átila – há toda uma miríade de fugas disco, umas mais pirosas que outras, mas todas gloriosamente dançáveis, gloriosamente optimistas, gloriosamente destinadas a ficarem gravadas no bocadinho da massa encefálica que presta atenção ao ritmo e às consequências do ritmo na triste figura de cada um.
Saturday Night Fever não é afinal uma banda sonora. É uma monumental explosão de confetis. Um triunfo de lantejoulas e strobs. A promessa fútil, mas idílica, de uma noite feliz, na pista de dança da juventude. E não, isto não é dizer pouco.
Back In Black . AC/DC
“Rock And Roll Ain’t Noise Pollution”
-Malcolm Young-
Julho de 1980. Cinco breves meses depois da morte por overdose do seu icónico e selvagem vocalista, Bon Scott, com quem tinham gravado a generosa quantidade de 6 discos, os AC/DC regressam de luto, com aquela que é, na minha mendiga opinião, a sua obra primeira e um monumento megalítico na história do Rock: Back in Black é um prodígio de virtuosismo e de energia, raro e electrizante fogo de Santo Anselmo e testemunho da afirmação, logo nos primeiros minutos do disco, de um outro icónico e selvático vocalista, Brian Johnson.
A estridência fabulosa destes dez temas, que vão ecoar sobre a eternidade como batalhas alexandrinas, é difícil de colocar em palavras sem sucumbir à tentação do exagero (porque este disco é um exagero de muitas coisas boas); e de qualquer forma toda a gente sabe do que estou a falar e eu estou a falar de uma banda divina. Por isso, querido amigo, gentil amiga, não te esqueças de revisitar Back in Black, de vez em quando. Vale uma aposta que a disposição sobe logo de tom?
(Mais sobre este disco no ContraCultura)
The Lexicon of Love – ABC
“Who broke my heart, you did, you did
Bow to the target, blame Cupid, Cupid
You think you’re smart, stupid, stupid
Shoot that poison arrow to my heart
Shoot that poison arrow”
Não sei o que o gentil e paciente leitor deste post poderá achar sobre o meu estranho critério, mas eu acredito mesmo que este refrão vale bem pela juvenil, folclórica e espalhafatosa década de 80. Se os ABC fossem apenas um bocadinho quântico mais melosos, implodiam. Mas por incrível que agora possa parecer, isto era na altura considerado cool à brava.
The Lexicon of Love é uma opereta neo-romântica como deve ser, que declina as rendas nas mangas e as perucas de Versalhes, muito em voga na altura, para investir mais na produção orquestral e na intensidade lírica. A sofisticação melódica dos 10 temas deste disco será talvez e apenas igualada, dentro do género, por uns rapazes de que falarei mais adiante, mas está muito próxima do máximo possível neste momento da história da música pop.
Além disso, este magnífico disquinho funciona como um manual de normas para as misérias e os triunfos do amor passional – sem sacrifício do pudor ou da elegância. Os ABC são uma banda extremamente bem educada, e como a ética é uma estética, esta é uma obra realmente bela. E bela sobre o passar dos anos, virtude acessível apenas a uns quantos, afinal poucos, favoritos dos deuses.
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A Discoteca da minha vida #01: The Tubes, Ramones & Dr. Feelgood: Entre o punk e o rock de taberna, três discos iniciáticos.
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