O conselho editorial do New York Times publicou um artigo de opinião na semana passada que mostra um afecto preocupante para com aquele que é objectivamente o maior inimigo dos Estados Unidos: o Partido Comunista Chinês.

A peça, intitulada “Quem beneficia do confronto com a China”, é um mestrado em propaganda apparatchik. Se não fosse publicada no “jornal de referência” da América, podia muito bem ter um lugar de destaque no China Daily.

Argumentando que os americanos devem evitar uma narrativa “mal orientada” de guerra fria, o editorial defende a política de “enfatizar a concorrência com a China, minimizando ao mesmo tempo o confronto”. A peça mimetiza as linhas propagandísticas do Partido Comunista Chinês (PCC) e ignora as realidades geopolíticas. O conselho editorial enquadra as tensões crescentes entre a China e os Estados Unidos como se isso fosse principalmente culpa dos políticos americanos – particularmente no Partido Republicano – que estão a exagerar o perigo do PCC.

Na realidade, os EUA têm sido demasiado brandos com a China ao longo de todo este século, com responsabilidades distribuídas por todos os mandatos presidenciais. George W. Bush trouxe a China para a Organização Mundial do Comércio (OMC). Barack Obama evitou meticulosamente o conflito com o PCC. Donald Trump exerceu pressão comercial sobre Pequim ao mesmo tempo que elogiava o percurso de Xi Jinping, e Joe Biden, o seu filho Hunter e a sua família têm laços financeiros escandalosos e altamente comprometedores com o regime chinês.

Apesar de duas décadas de tratamento favorável ou neutro, a China tem constantemente provocado e prejudicado os seus vizinhos e desafiado a ordem mundial desastradamente liderada pelos Estados Unidos. Militarizando o Mar do Sul da China – uma via navegável internacional, utilizando frotas de pesca civis como cobertura para acções militares, travando batalhas brutais contra soldados indianos pelo controlo de território disputado no alto dos Himalaias, encobrindo as origens da pandemia de Covid-19 ou, na pior das hipóteses, libertando-a deliberadamente, criando uma multidimensional rede de espionagem industrial e militar nos Estados Unidos, que abrange faculdades, organizações não governamentais e até balões que voam sobre bases militares nucleares, resgatando do controlo ocidental vastas áreas do planeta, num movimento neocolonialista sobretudo evidente em África e na América do Sul, os chineses não desenvolvem propriamente o modelo de competição amigável que o New York Times aconselha aos dirigentes políticos americanos.

E isto já para não falar nas gritantes contradições entre as convicções neoliberais do New York Times e os ideais do Partido Comunista Chinês. As políticas de identidade, diversidade, justiça racial e equidade de género, muito queridas à redacção do jornal nova-iorquino são para os líderes chineses apenas um sintoma da decadência e fragilidade do Ocidente. É difícil imaginar como é que na cabeça dos editores do NYT se resolve este conflito, embora sempre ajude considerar que a esquerda contemporânea não tem amor às causas, sacrificando-as facilmente em nome do objectivo último, que é sempre o mesmo: ganhar mais e mais poder. E nisso, os chineses são, de facto, mestres.

O editorial utiliza vários argumentos comuns entre os apologistas do PCC, todos destinados a minimizar ou desculpar as acções malignas do governo chinês e a mudar a narrativa a favor de Pequim.

Em primeiro lugar, o conselho editorial afirma que os EUA devem reduzir as tensões com a China porque a relação beneficia economicamente ambos os países. Mas os Estados Unidos não beneficiam dessa relação tanto como a China. A China abusa do seu poder económico para obliterar a concorrência internacional, promove o “fentanil digital” do TikTok junto da juventude americana e rouba propriedade intelectual importante – muitas vezes referente a tecnologia militar. Até a revista do New York Times publicou uma incrível denúncia sobre espionagem industrial do governo chinês apenas alguns dias antes deste editorial ter sido escrito.

Por outro lado, a causa do desemprego, da depressão, da marginalização e da adição às drogas de milhões de americanos está na condução de infindas estruturas industriais da América para a China, logo que nos anos 90 a administração Clinton, acompanhada por outras super-estruturas governamentais e corporativas na Europa, investiram os destinos do Ocidente nos equívocos da globalização.

Depois, os editores mencionam que os EUA precisam da China para combater as alterações climáticas, caso contrário todo o planeta está condenado. Pondo de lado as virtudes e a fiabilidade da ciência das alterações climáticas (e é muito para por de lado), presumem que Pequim pensa como eles em relação à urgência das políticas climáticas e actuará em conformidade. Erro infantil e crasso, já que as prioridades do PCC estão longe de ser essas. A China é uma dos países mais poluidores do mundo, tendo investido nos últimos anos, por exemplo, na construção e utilização massiva de centrais eléctricas alimentadas a carvão – uma fonte de combustível contra a qual os activistas, incluindo a insuportável Greta Thunberg, protestam veementemente em nações como a Alemanha. O conselho editorial do NYT já criticou anteriormente os republicanos por não fazerem o suficiente em relação ao clima, ignorando ao mesmo tempo as acções da China, numa dualidade de critérios que é típica do activismo climático contemporâneo.

Os editores argumentam também que a China “continua a mostrar um interesse surpreendentemente pequeno em persuadir outras nações a adoptar os seus valores sociais e políticos”. Afirmam, portanto, que a China não é uma ameaça ao nível do que foi a União Soviética.

Mas Xi tem procurado constantemente exportar o “modelo da China” para o estrangeiro, declarando especificamente isso mesmo em comunicados oficiais. Peritos americanos, incluindo Elizabeth C. Economy do Council on Foreign Relations, provaram que a China exporta a sua ideologia com a mesma desenvoltura de qualquer comissariado soviético. Mais a mais, ditadores de todo o mundo salivam com o controlo totalitário da informação e da opinião política que o PCC exerce no plano doméstico, ao mesmo tempo que procura aumentar o nível de vida da população para prevenir a revolta popular.

O artigo prossegue afirmando que o sentimento anti-americano não une os líderes políticos chineses. Esta é uma página arrancada directamente do velho livro da questão iraniana, que propagava uma suposta divisão entre “moderados” e “adeptos da linha dura”. A tese era desajustada da realidade do Irão como é desajustada da realidade chinesa. O domínio cada vez mais pessoal e ditatorial de Xi Jinping tem cimentado esse facto. Pouco antes da publicação do editorial, foi concedido a Xi um terceiro mandato como ditador, tornando-o efectivamente déspota para toda a vida. A votação foi uma conclusão inevitável das lógicas do regime, assim como as nomeações dos seus aliados para todos os cargos-chave no governo chinês. Não há “moderados” as comandos da China, e o The New York Times faria bem em notar isso.

O quinto e último argumento do conselho editorial é que os EUA não podem “recuar dos fóruns em que há muito se têm envolvido com a China”, como a Organização Mundial do Comércio. Os editores escolheram estranhamente a instituição internacional de que a China mais tem abusado, ignorando ou violando deliberadamente as regras desta organização desde o primeiro dia, ao manter políticas comerciais banidas e ao recusar-se a cumprir as decisões dos tribunais de comércio. A China também capturou a Organização Mundial de Saúde, que não investigou as origens do Covid-19 e tudo fez para olvidar o papel do laboratório de Wuhan no contexto pandémico.

Muitos dos políticos americanos, dos dois lados do espectro ideológico, estão finalmente a perceber a ameaça que o PCC representa para os EUA, mas o The New York Times vê o crescente consenso bipartidário sobre a oposição à China como uma provocação. Esta intencional inversão de causa – a má fé chinesa – e efeito – a construção de um consenso bipartidário sobre a China – segue a propaganda do PCC e visa virar a política dos EUA e a opinião pública para um posicionamento não conflituoso.

O preconceito pró-CCP do conselho editorial tem muitas causas, mas a maioria gira em torno do lucro. Durante anos, o NYT aceitou o dinheiro do governo chinês para publicar mais de 200 publireportagens de pura propaganda. Os artigos, que foram discretamente retirados do website do jornal em 2020, chegaram porém a milhões de americanos. Os artigos vergonhosos não impulsionaram significativamente os lucros do jornal, embora o PCC tenha pago milhões de dólares por eles. O principal motivo de lucro, as receitas dos assinantes, é que reforça a tendência pró-CCP.

O NYT mantém a sua base de assinantes através do apelo à classe dos gestores de empresas. E essa classe tem ligações económicas directas e intrincadas com a China. Os quadros de topo das grandes corporações americanas seriam os que mais perderiam com uma escalada nas tensões entre os EUA e a China, pelo que o conselho editorial defende o status quo e, portanto, o preconceito dos seus leitores.

Ao contrário do NYT e das elites que representa, o povo americano está a rejeitar a China como parceiro e a encará-la como o perigo que ela representa. Desde 2020, a opinião pública sobre a China mudou drasticamente numa direcção negativa, com a maioria dos americanos a encarar Pequim como uma ameaça em vez de um parceiro. O Congresso começou a reflectir estas preocupações com a criação do House China Committee e os esforços para combater a influência do PCC.

Os americanos e os seus representantes acordaram para o desafio que a China representa. Seria bom que os europeus também despertassem para esta realidade. É mais que tempo de rejeitar ideias ingénuas de envolvimento com a China, bem como as opiniões mercenárias do conselho editorial do The New York Times.

Não porque o actual modelo político e económico ocidental seja exemplar, ou digno de ser defendido, porque não o é. Mas muito simplesmente porque o modelo chinês é ainda – se possível – pior.