A verdade é esta: mesmo considerando as décadas da Guerra Fria, a humanidade nunca esteve tão perto de um conflito termonuclear com está hoje. Mas os cidadãos no Ocidente, que colocam bandeirinhas ucranianas no perfil das redes sociais enquanto lutam para pagar as contas da electricidade e suportar não só a inflacção como o aumento das taxas de juro, parecem dormir bem com a ameaça apocalíptica. Estarão preparados para a sua materialização?
Ninguém está pronto a suportar as penas dantescas de semelhante evento, como é óbvio, mas às vezes dá até a ideia, muito forçada pelos media, que uma guerra nuclear é não só inevitável como até positiva. E se mal se percebe que as elites globalistas assim vejam a situação – estão a calcular erradamente os efeitos de um evento desta magnitude de destruição, mas persistem em considerar que um retorno ao estádio zero da civilização é ideal para a realização do Great Reset e dos seus sonhos totalitários – será difícil entender como é que as plebes permanecem apáticas sobre a narrativa e silenciosas perante o abismo.
The level of brainwashing in Europe is so high that many people believe a nuclear war with Russia is better than a compromise based on mutual security assurances between Moscow and the West.
Let that sink in.— The Eurasianist ☦️ (@Russ_Warrior) October 10, 2022
Quando as bombas nucleares começarem a voar, não haverá volta a dar. Ainda assim, assistimos diariamente a um agravamento das tensões que ensombram o já mergulhado nas trevas conflito na Ucrânia. Na quinta-feira, a Rússia respondeu às notícias de que os EUA e a Alemanha estariam dispostos a equipar a Ucrânia com tanques de última geração tecnológica, disparando “uma barragem de mísseis e drones por todo o país”. Os russos estão agora tão investidos nesta guerra que não há maneira de poderem desistir. Não é uma questão de perder a face: dificilmente Putin sobreviveria, talvez até literalmente, à humilhação de uma retirada sem ganhos.
Mas o mesmo se pode dizer do Ocidente. Enquanto a tresloucada ministra dos negócios estrangeiros alemã declara guerra à Rússia ao vivo e em directo no Conselho Europeu, Joe Biden aposta a sua presidência no desfecho favorável do conflito, e o Congresso já aprovou aproximadamente 100 mil milhões de dólares em ajuda aos ucranianos. Estamos em rota de colisão com o destino, e a guerra cataclísmica com a Rússia é agora uma hipótese muitíssimo real. Assustadoramente real. Dir-se-ia um lógico culminar.
Donald Trump, cujo uso das redes sociais é muitas vezes de pertinência discutível, teve um ataque de bom senso, na sexta-feira, quando postou isto na sua conta do Truth Social:
“PRIMEIRO VÊM OS TANQUES, DEPOIS VÊM AS BOMBAS NUCLEARES. Ponham fim a esta guerra louca, AGORA. É tão fácil de fazer!”
BREAKING: President Trump slams escalation in Ukraine – calls for war to end
No other world leader is calling for this pic.twitter.com/8grdhPTT7j
— Jack Posobiec 🇺🇸 (@JackPosobiec) January 26, 2023
Está o construtor civil carregado de razão. Temos de acabar com esta guerra quanto antes e nem sequer é complicado: basta ceder ao Kremlin uma parcela nem por isso dramática do oriente ucraniano, de maioria étnica russa. E, na verdade, até Joe Biden avisou em tempos que estaríamos a enfrentar a “Terceira Guerra Mundial” se alguma vez enviássemos tanques para a Ucrânia.
Just going to leave this here. #ww3 pic.twitter.com/Br5VaTRqUX
— Clayton Morris (@ClaytonMorris) January 25, 2023
Mas agora a administração Biden está a tentar assegurar-nos do contrário, como numa revisitação da ficção de Orwell. Neste momento, os americanos estão a injectar mais fundos financeiros, equipamento militar, munições e apoio de inteligência para a guerra na Ucrânia do que todos os outros países juntos. Além disso, os EUA estão a formar regularmente quadros do exército ucraniano no território da federação. Uma vez terminado o treino, são enviados para a linha da frente, onde muitos deles irão morrer logo a seguir. Enquanto não forem marines a morrer nas planícies da Ucrânia oriental, a maioria dos americanos não vai perder o sono.
Mas a verdade é que os Estados Unidos estão mergulhados nesta guerra como se a travassem directamente, e os russos compreendem isto muito claramente, como o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, confirmou recentemente numa conferência de imprensa:
“Há declarações constantes das capitais europeias e de Washington de que o envio de vários sistemas de armas para a Ucrânia, incluindo tanques, não significa de forma alguma o envolvimento destes países ou da Aliança nas hostilidades na Ucrânia. Discordamos categoricamente disto, e em Moscovo tudo o que a NATO e os seus membros estão a fazer é visto como envolvimento directo no conflito.”
Uma e outra vez, os russos ameaçam com armas nucleares, mas por alguma razão ninguém leva esses avisos a sério. Na semana passada, o chefe da Câmara Baixa do Parlamento da Rússia, Vyacheslav Volodin, escreveu algo no seu canal do Telegram que deveria alertar toda a gente de bom senso:
“Se Washington e os países da NATO fornecerem armas que serão utilizadas para atacar cidades civis e atingir os nossos territórios… Isso levará a medidas de retaliação utilizando armas mais poderosas”.
É legítimo especular que estas “armas mais poderosas” possam ser nucleares, e comentários deste género são constantemente proferidos por outros altos funcionários russos que ameaçam uma escalada significativa da guerra. Mas a administração Biden não pode recuar agora. A braços com uma economia em ruínas, escândalos de toda a espécie, caos na fronteira com o México e uma maioria republicana na Câmara dos Representantes, Biden joga muito do seu precário legado no sucesso desta guerra.
Este será o empreendimento mais significativo da política externa americana, pelo menos desde a invasão do Iraque em 2003. O seu sucesso é crucial para a credibilidade da América, bem como para a credibilidade da presidência democrata. Por isso, é quase inevitável um aumento da intensidade do envolvimento americano e da NATO na Ucrânia.
E o que se diz em relação aos americanos, podemos dizer em relação à União Europeia e ao Reino Unido. As lideranças ocidentais, talvez com a excepção da França, estão demasiado investidas e dependentes politicamente no desenlace desta guerra para poderem voltar a trás ou terem margem de manobra para um acordo de paz. E os apelos à intervenção directa na Ucrânia não cessam.
‘Are you suggesting putting boots on the ground in Ukraine?’ – #KayBurley
Former Defence Minister Sir Gerald Howarth: “I think that is something we now have to consider, certainly if you were to put a NATO force in there.”
Latest: https://t.co/X3flQUBL0r
📺Sky 501 and YouTube pic.twitter.com/OtqLdIqLfj
— Sky News (@SkyNews) January 31, 2023
É tempo de enfrentar a verdade: o Ocidente está em guerra. Com uma potência nuclear.
Esta guerra não foi sufragada. Não é inquirida pelos meios de comunicação social. Não é discutida nos corredores do poder nem nas assembleias legislativas. Há um uníssono das elites, com raras e insignificativas excepções, à esquerda e à direita, sobre a sua validade, tal e qual como aconteceu durante a pandemia. E na mesma medida essa infecta concórdia dos aparelhos de poder político e económico e dos seus servos mediáticos, que é estranha às sociedades realmente livres e democráticas, pode ter consequências devastadoras.
Se os povos no Ocidente despertassem da hipnose a que têm sido submetidos neste século e compreendessem verdadeiramente o que está em jogo (a civilização como a conhecem, basicamente), haveria protestos gigantescos na América e na Europa neste exacto momento. Estão as pessoas preparadas para o impacto de uma guerra termonuclear com a Rússia? Têm consciência desse impacto nas suas vidas e nas vidas dos seus filhos? Consideram que vale a pena perderem tudo, inclusivamente as suas vidas, pela integridade do território ucraniano? Percebem os cidadãos do lado de cá do hemisfério norte que os actuais líderes que têm o poder de espoletar o apocalipse não são da mesma qualidade técnica nem a mesma fibra moral daqueles que o impediram durante a Guerra Fria?
Estamos literalmente mais perto da aniquilação nuclear do que alguma vez estivemos em algum momento da história, e os russos têm vindo a preparar-se para tal cenário há décadas. Mas nós, não. Nem psicologicamente, porque os povos ocidentais foram submetidos a uma dieta de privilégios e abundâncias que os engordou e enfraqueceu física e animicamente, e porque não há nesta guerra uma causa universal pela qual valha a pena arriscar tudo, inclusivamente a existência de povos e nações; nem economicamente, porque o modelo instalado neste século pelas elites financeiras, com o conluio dos governos e das estruturas burocráticas dos estados, é um periclitante castelo de cartas e porque as políticas sanitárias, energéticas ambientais e securitárias da esquerda enfraqueceram o bom e velho dinamismo do Ocidente.
Mesmo em termos militares, a espinha dorsal do arsenal nuclear estratégico dos EUA ainda é constituída por mísseis Minuteman irremediavelmente desactualizados, que entraram em serviço pela primeira vez nos anos 70. Mas em vez de satisfazer essa necessidade gritante, o Pentágono está a preparar-se para guerras convencionais em múltiplas frentes, porque essa estratégia deixa os fabricantes de armas dos EUA muito mais felizes, claro.
De uma forma ou de outra, o complexo industrial e militar americano parece ganhar sempre. Mas na eventualidade de um guerra nuclear, não haverá vencedores. Apenas vencidos, como é óbvio.
Biden, von der Lyen, Schulz, Sunak, Trudeau e os seus lacaios asseguram-nos que a guerra na Ucrânia pode ser ganha sem que armas nucleares sejam alguma vez utilizadas por qualquer dos lados. É razoável confiar no juízo falho desta gente técnica e moralmente desqualificada, cuja agenda defende inequivocamente interesses alheios – e muitas vezes contrários – aos das massas?
É urgente que os povos acordem do seu sono de décadas. E lutem para por fim a este processo antes que o processo ponha fim à civilização.
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