1. Num mês, três Estados da NATO prenderam e excluíram de eleições o candidato oposicionista vencedor, em votos ou sondagens: a Roménia fê-lo com Georgescu, que ganhou as presidenciais do ano passado; a Turquia, com o presidente da câmara de Istambul; a França macroniana, com Le Pen. Na Polónia, o governo eurófilo de Tusk obriga a oposição ao exílio e submete, com recurso a invasões policiais, jornais e televisões; na Alemanha, o segundo maior partido vive sob a vigilância confirmada, pública, dos serviços de informações, e continua em debate a sua proibição; na Itália, um vice-primeiro-ministro quase foi preso por cumprir – isto é, não por violar – a lei. Na Hungria, na Sérvia e na Eslováquia, simultaneamente, foram lançados protestos – por certo espontâneos e inocentes – contra os governos incumbentes: por acaso, todos inimigos de Bruxelas. Orbán foi alvo de mais que um atentado, todos parados a tempo pelas forças de segurança. Fico, na Eslováquia, quase morreu às mãos de um terrorista hostil à política ucraniana do primeiro-ministro.

 

2. Toda a gente – incluindo, pelo menos, as mais cerebrais prime donne dos liberalismos e das democracias – compreende que nada disto acontece por acaso ou como resultado do zelo e imparcialidade dos aparelhos judiciais. Toda a gente compreende que está em marcha um novo Terror, e que as vítimas são, como sempre foram, os dissidentes: maioritariamente da direita, às vezes (caso de Fico) da esquerda desalinhada, porque não-progressista e não-globalista. Toda a gente sabe que esta é uma purga autoritária de quem representa maiorias relativas ou absolutas dos seus povos. Não temamos a força das palavras: quem, na esquerda ou na direita do campo sistémico, justifica, menoriza ou gaba esta purga é um pulha. Liberal pode ser; democrata não é. Que nunca mais tenham o descaramento de vir chorar com Chinas, Rússias e Irões. Os lamentos são postiços.

 

3. Os últimos acontecimentos – assim como, sem dúvida, os que estão por vir – têm a virtude de limpar o campo e clarificar posições. Como sempre suspeitado pelos mais atentos entre nós, o problema do Establishment liberal-globalista não era com os regimes ditos ‘autoritários’. O liberalismo, como Schmitt mostrava e os últimos tempos vieram recordar-nos, pode casar muito bem com o despotismo. O mal não estava nos seus métodos: no viciamento despudorado da competição eleitoral, na politização da justiça, na captura oportunista dos recursos coercitivos dos Estados. Estava e está, somente, no programa que aplicam e em se são ou não controláveis.

Os regimes europeus, digamo-lo com frontalidade, são hoje consideravelmente mais autoritários que alguns autoritarismos formais, unânime ou quase unanimemente considerados como tal. O exemplo russo é aqui pertinente. Putin, por grandes que sejam os seus pecados, nunca prendeu ou impediu de concorrer um adversário político que realmente o ameaçasse. Navalny passou o que passou (nada o apaga nem relativiza), mas Navalny nunca assustou, nem poderia assustar, o Kremlin: tinha, mesmo nas sondagens que os insuspeitos europeus iam fazendo, pouco mais de 1% de apoio. Com respeito por ambos, pois, a sua relevância local era a de Inês Sousa Real. Le Pen, claro, não é um Navalny nem uma Inês Sousa Real do seu país: tem 35 a 40% das intenções de voto para a primeira volta das presidenciais de 2027. A AfD está a dois pontos de ser o primeiro partido alemão. Os polacos do PiS são o maior partido da oposição. Salvini já liderou a maior força italiana. Ora, há uma diferença de impacto liberticida entre perseguir micro-oposições e esmagar quem efectivamente afronta e pode substituir o poder.

 

4. A grande purga em curso não é, talvez ao contrário do que possa parecer, uma demonstração de força pela elite liberal-globalista: é antes, justamente, prova da sua fraqueza. Este liberalismo autoritário, feito de repressões e prisões pretextadas, começou antes do triunfo de Trump, em Novembro de 2024. Contudo, o sucesso populista na América deu-lhe novo ímpeto e redobrada urgência. Exorcizada nos Estados Unidos, a casta procura, como os Optimates de Bruto e Cássio na Grécia, uma base de retaguarda na velha Europa. O objectivo é entrincheirar-se para sobreviver: esperar por 2028, na esperança de que, de uma forma ou de outra, o trumpismo acabe derrotado e o Deep State possa ressurgir das profundezas. A UE deverá servir, durante o interregno, como centro alternativo à elite corrida de Washington. A sanha inquisitorial, por sua vez, deverá impedir a queda do último bastião e, para isso, repor a conformidade ideológica. Vão falhar. Vão perder. Mas vão tentar. Preparemo-nos.

 

 

RAFAEL PINTO BORGES

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Rafael Pinto Borges é politólogo e historiador. Tem desenvolvido colaboração com a revista The European Conservative, o Jornal Novo, a Hungarian Conservative, a Crítica XXI, O Diabo e o Bom Dia (Luxemburgo), entre outros.
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.