A mãe de todas as teorias da conspiração, no sentido delirante da expressão, é afinal motorizada pela esquerda e tem corrido como um rio alpino na Primavera, por entre os círculos democratas mais radicais e tresloucados, após a tentativa de assassinato de Donald Trump. A teoria defende que Trump encenou o tiroteio para produzir uma fotografia icónica e disparar nas sondagens, que a ferida na orelha foi causada por outra coisa que não uma bala, e que ele nunca esteve em perigo de vida.

É, obviamente, uma hipótese fundada em factos nenhuns que se conheçam, refutada por uma série de provas documentais e relatos de testemunhas oculares, que retira credibilidade à boa reputação que as teorias da conspiração populistas têm conseguido obter nos últimos anos. Mas um terço do eleitorado democrata acredita na sua veracidade. Um terço.

Até aqueles malucos que acham que a Terra é plana parecem pessoas sensatos e racionais, em comparação com este substantivo segmento demográfico.

De facto, um em cada três democratas registados acredita que é “credível” que o tiroteio em Butler, na Pensilvânia, tenha sido encenado e não tenha tido como objectivo matar Trump, de acordo com uma sondagem da Morning Consult, divulgada na segunda-feira. Os resultados mostram que uma grande parte da base democrata foi vítima de um fenómeno conhecido como ‘BlueAnon’ um trocadilho que se refere a uma teoria da conspiração de extrema-direita, a ‘QAnon’, que em tempos se apoderou de segmentos da base republicana e serviu como bode expiatório e carreira de tiro aos principais meios de comunicação social corporativos durante a primeira administração Trump.

Porém, a sondagem da Morning Consult mostra que os adeptos da ‘BlueAnon’ entre a base democrata superam em muito os seus homólogos da ‘QAnon’ à direita. A pesquisa mostrou que 34% dos eleitores democratas consideraram definitiva ou provavelmente credível que Trump encenou o atentado de que foi vítima, com menos da metade – 45% – afirmando que a teoria da conspiração não é fiável de todo. Em comparação, uma sondagem de 2021 amplamente citada revelou que apenas 23% dos republicanos acreditavam na conspiração QAnon.

A ascensão do BlueAnon pode ser atribuída a proeminentes activistas democratas e comentaristas da imprensa neoliberal que têm insinuado a ideia de que tudo não passou de um golpe de teatro.

Dmitri Mehlhorn, um dos principais líderes democratas, aliado do Presidente Joe Biden, que já fez pelo menos 10 visitas à Casa Branca, não perdeu tempo a atiçar as chamas da conspiração na sequência imediata da tentativa de assassinato, enviando um memorando aos jornalistas implorando-lhes que retratassem os acontecimentos da Pensilvânia como uma operação de falsa bandeira tirada directamente do manual de Vladimir Putin (claro), concebida para dar a Trump uma boa oportunidade fotográfica e reforçar o seu favoritismo para as presidenciais de Novembro.

Nesse memorando, Mehlhorn escreveu:

“Esta é uma táctica russa clássica, tal como quando Putin matou 300 civis em 1999 e culpou os terroristas de forma a aproveitar a reacção adversa e ganhar o poder”.

Eis uma teoria da conspiração montada sobre outra teoria da conspiração. Prémio Capacete de Alumínio de 2024.

Mehlhorn não abordou as numerosas fotografias que captaram a bala a poucos centímetros da cara de Trump e o sangue a escorrer da ferida claramente visível na sua orelha direita, enquanto os agentes dos Serviços Secretos escoltavam o antigo presidente para fora do palco. Também não mencionou a morte do bombeiro Corey Comperatore, que foi baleado enquanto protegia a sua família dos tiros do assassino. Nem explica como é que os Serviços Secretos, cuja directora foi nomeada pelo regime Biden e é uma campeã do DEI (diversidade, equidade e igualdade), se prontificou a branquear a operação draconiana da campanha republicana, apesar da pressão a que está a ser sujeita, depois da catastrófica perfomance dos serviços que dirige. Nem tenta sequer equacionar como é que as centenas de testemunhas oculares foram manipuladas para mentir, sem que um só dos milhares de presentes no comício tenha testemunhado qualquer indício de fraude.

Mehlhorn não é o único activista liberal a promover a conspiração junto dos eleitores liberais. Jeff Tiedrich, um influenciador de esquerda nas redes sociais, com 1.1 milhão de seguidores, que fez parte de uma equipa de influenciadores que a Casa Branca recrutou em Outubro de 2022 para coordenar as mensagens das eleições intercalares com o regime Biden, publicou na segunda-feira um artigo no Substack “conectando alguns pontos estranhos” em torno do tiroteio. Especulando que o atentado poderá estar ligado a uma conspiração para substituir Trump pelo seu ex-conselheiro de segurança nacional Michael Flynn no bilhete presidencial do Partido Republicano, Tiedrich escreveu:

“A extrema direita queria que isso acontecesse. E que raio se passa debaixo daquela ligadura? Porque é que a imprensa está tão desinteressada em descobrir?”

Sim, sim, a imprensa corporativa americana está mesmo desinteressada em descobrir seja o que for de negativo e difamatório sobre Donald Trump, claro. As salas de redacção dos meios de comunicação social convencionais nos Estados Unidos estão repletas de sujeitos que amam loucamente o candidato republicano, como toda a gente sabe, e são capazes de tudo, de tudo, para o levar até à Casa Branca.

Jeff Tiedrich vive no país de Alice, nitidamente.

Os comentadores liberais da MSNBC adoptaram uma abordagem mais subtil para atiçar as chamas conspiratórias, sugerindo que Trump não poderia ter sido atingido na orelha por uma bala de espingarda de alto calibre e que o ex-presidente está a esconder algo ao não divulgar registos médicos detalhados sobre o seu ferimento.

Michael Steele disse à sua infeliz audiência na terça-feira passada:

“Se ele foi atingido por uma bala de alto calibre, provavelmente deveria haver muito pouca orelha ali”.

Como o Contra já noticiou, Joy Reid, camarada de Steele na MSNBC, juntou-se ao coro, questionando os ferimentos de Trump em directo a partir da convenção republicana e, mais tarde escrevendo no Threads:

“Eu tenho muitas perguntas! Por exemplo, onde estão os relatórios médicos? O que causou a lesão de Trump e qual foi a lesão? Fragmentos? Vidro? Uma bala?”

Na quinta-feira de manhã, Reid voltou a insistir na sua conjectura sem fundamento, publicando um vídeo no TikTok em que dizia:

“Ainda não sabemos ao certo se Donald Trump foi atingido por uma bala.”

Em seguida, sugeriu que havia algo de nefasto por trás do facto de os Serviços Secretos terem “permitido” que Trump levantasse o punho enquanto os agentes o conduziam para fora do palco do comício.

“Não sabemos por que razão, durante nove segundos inteiros, Donald Trump foi autorizado a levantar-se durante um tiroteio activo, uma situação de tiroteio activo. Apesar de, nessa altura, terem dito que o atirador tinha sido abatido, como é que podiam saber se havia mais atiradores ou não? No entanto, permitiram que ele se levantasse no meio da crise, posasse para uma fotografia e batesse com o punho no ar para conseguir a fotografia icónica.

Como todo o imbecil, Reid consegue construir, na defesa do seu argumento, o racional oposto: Sim, o comportamento dos agentes dos Serviços Secretos é deveras estranho, até porque ninguém sabia, e ainda ninguém sabe ao certo, quantos atiradores estavam presentes naquele fim de tarde de 13 de Julho. Mas essas suspeitas só reforçam a teoria de que se tratou de uma operação profissional e concertada para abater o candidato republicano.

Outros repórteres também se juntaram à especulação desvairada. John Harwood, ex-repórter da CNN, escreveu na manhã de quinta-feira passada que uma bala de AR-15 não poderia ter perfurado a orelha de Trump sem a fazer explodir em pedacinhos, acrescentando:

“Por outro lado, é fácil imaginar que um caco de vidro tenha causado a hemorragia que Trump sofreu”.

Harwood terminou o seu raciocínio com um ataque, raro, de honestidade:

“Não estou familiarizado com balística.”

Nem com ética profissional.