Os acordos de Istambul – uma tentativa de plano de paz acordado entre a Rússia e a Ucrânia na Primavera de 2022 – estão a ser novamente discutidos. No entanto, tal como foram redigidos na altura, já não são relevantes e é pouco provável que venham a ser úteis no futuro. As realidades no terreno, nos corações e mentes de muitos líderes importantes, mudaram completamente.
No entanto, não é por acaso que se começou a falar de negociações na Suíça no momento em que se tornou claro, para os ocidentais, que os ucranianos são incapazes de fazer qualquer progresso. Nem é preciso a falar em vitória, mas de qualquer sucesso significativo no campo de batalha. E, por isso, tornou-se necessário limitar de alguma forma o potencial de sucesso da Rússia, para a impedir de ganhar.
Isto não vem da própria Ucrânia, mas sim do inimigo com quem a Rússia está agora efectivamente em guerra. O desejo de impedir uma vitória de Moscovo, a qualquer custo, está por trás de todas as recentes maquinações diplomáticas, de todas as declarações bombásticas, de todos os compromissos irrealistas, e de todo o dinheiro que se atira para o regime Zelensky.
Aquilo de que estamos realmente a falar agora é de uma campanha de propaganda. É claro que ninguém no Ocidente está com disposição para negociações sérias neste momento. Verdadeiras conversações seriam aquelas que resolveriam o problema que levou à operação militar. Se esse problema não for resolvido, enfrentaremos todos uma nova guerra no futuro, e talvez uma guerra mais terrível, com consequências mais graves. Os russos, pegaram em armas para conseguir uma solução para o problema ucraniano e o avanço da NATO. E não parece que estejam dispostos a abdicar dessa solução agora. Vão lutar até ao fim.
O bloco ocidental está a tentar impedir, declaradamente, uma vitória de Moscovo. E está a tentar fazê-lo de duas maneiras. Uma é injectando armas e dinheiro na Ucrânia. E a outra é diplomática, criando a aparência da possibilidade de algum tipo de negociações.
Isto é propaganda diplomática. A ideia é juntar dezenas de países, tirar uma fotografia de grupo e exercer pressão psicológica sobre os dirigentes russos. Mas todos eles estão bem cientes de que, a menos que Moscovo atinja os objectivos declarados da actual operação militar, tudo será em grande parte irrelevante.
Caso contrário, os sacrifícios que a Rússia tem feito, desde as baixas no campo de batalha a numerosos outros constrangimentos, serão em vão. E Vldaimir Putin dificilmente permitiria esse desperdício.
Ao mesmo tempo, os americanos estão a afastar-se da linha da frente. Continuam no comando, mas, como dizia Obama, são agora um backseat driver (condutor no banco de trás). Basicamente, estão a fazer tudo o que podem para não sofrerem em caso de colisão, enquanto os tripulantes que vão à frente do veículo são despedaçados contra um muro. Tanto mais que agora, têm que distribuir os recursos em diferentes direcções.
Sim, os recursos dos EUA e da sua máquina de imprimir dinheiro a que ainda chamam Reserva Federal são enormes, mas já não são ilimitados. E hoje, o Médio Oriente é estrategicamente muito mais importante do que a Ucrânia.
Isto para não falar na questão da China, que os americanos consideram existencial em termos do seu papel nos assuntos mundiais. Continuarão a ser o número um ou tornar-se-ão o número dois e assim sucessivamente até à irrelevância? Para muitos dos intérpretes da “grande política” de Washington, esse cenário é uma sentença de morte.
Os russos, pelo seu lado, têm agora a oportunidade de jogar a longo prazo, de observar calmamente e avaliar correctamente as maquinações em curso no Ocidente. É por isso que é interessante ver o que está a ser dito hoje sobre as negociações e a forma como estão a ser conduzidas, em vez da conversa fiada sobre a derrota da Rússia no campo de batalha, que é coisa que só acontece ou acontecerá no maravilhoso país de Alice. Este tipo de conversa, por si só, é uma vantagem para o Kremlin.
Putin sabe que não pode ser derrotado e que os líderes ocidentais também têm disso consciência – e é por isso que estão a tentar movimentar-se para o próximo ponto de fuga, num recuo que a todo o custo querem mascarar de avanço. No entanto, a retórica continua a ser apenas sobre a impossibilidade de permitir a vitória russa. O problema é que, para o Kremlin, uma vitória parcial será equivalente a uma derrota. O Ocidente será capaz de influenciar a situação na Rússia de todas as formas possíveis, incluindo uma mudança de regime, se Moscovo não conseguir atingir os objectivos declarados da operação militar.
O tempo, porém e como sempre no caso russo, está a trabalhar favor do Kremlin. Vamos ver o que acontece nos Estados Unidos antes das eleições, o que acontece durante as mesmas e o que acontece depois delas. Mas, ao mesmo tempo que americanos e europeus estão preocupados com os seus problemas internos, e com o caos no Médio Oriente, e com o papão que reside em Pequim, é expectável que o a Rússia aproveite para fazer alguns progressos no campo de batalha.
É, aliás, isso mesmo que está a acontecer.
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