No reino distante e não tão encantado do Irã, governa-se não por um mero capricho do destino, mas sim através da poderosa e dominante Sharia – um conjunto de leis mais inflexíveis que a própria espada de Damocles, pendente sobre a cabeça dos cidadãos. Com um firmamento religioso engolido pelos turbantes dos poderosos aiatolás, o país navega, ou melhor, vaga, pelo oceano tempestuoso da geopolítica internacional com um olhar crítico do progresso mundial, agarrando-se obstinadamente ao passado.
Esta saga iraniana entrelaça-se habilmente com as maquinações de atores com agendas tão transparentes quanto fumaça de óleo queimado. A Rússia e a China, em um vínculo que é tocante de se observar, compartilham receitas de como estruturar uma boa retórica enquanto desfilam nas passarelas de seus próprios teatros políticos. As ligações econômicas e políticas com estas nações não são apenas superficialidades diplomáticas mas sim alicerces de uma amizade que prospera sob o signo da conveniência mútua e descaso sutil pela ordem liberal democrática.
O financiamento de Teerã ao Hezbollah é outra pérola nesse colar de ironias. Como um mecenas das artes macabras do terrorismo, o Irão estende sua generosidade não por filantropia, mas para fazer avançar seus peões no complexo xadrez do Oriente Médio. Aqui, cada movimento é calculado com precisão cirúrgica para alimentar uma imagem internacional que é, paradoxalmente, abominável e genial.
O papel do Irã como financiador de grupos terroristas, especialmente o Hezbollah, é particularmente crítico por suas implicações na segurança regional e nos conflitos prolongados, principalmente contra Israel. Este apoio não só reflete uma estratégia de poder regional como também uma resistência ao que é percebido como influência ocidental e israelense no Oriente Médio.
O povo iraniano, entretanto, é o pano de fundo trágico desta peça elaborada. Forçados a dançar ao som que a elite religiosa e política toca, sonham não com ricos dotes ou amores proibidos, mas com liberdades básicas, dignidade e a simples chance de escrever o próprio destino – sonhos estes, frequentemente silenciados pelas harpias da repressão estatal.
E assim, no palco global, o Irã persiste como um ator que desempenha múltiplos papéis com uma habilidade que poderia ser vista como notável, se não fosse pela trágica realidade de seu contexto. Rumores sugerem que o final desta obra ainda não está escrito. No entanto, se a história serve de prenúncio, nem toda a habilidade ou astúcia política pode, eventuamente, manter sob controle uma situação interna instável, marcada por descontentamentos e demandas por mudanças.
Sarcasmo à parte, a realidade iraniana revela uma trama complexa e multifacetada, enraizada em alianças estratégicas e desafios internos, constituindo um estudo intrigante de contrastes e contradições, tão atraente quanto uma obra de ficção, embora, infelizmente, seja tudo menos isso.
MARCOS PAULO CANDELORO
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Marcos Paulo Candeloro é graduado em História (USP – Brasil), pós-graduado em Ciências Políticas (Columbia University – EUA) e especialista em Gestão Pública Inovativa (UFSCAR – Brasil). Aluno do professor Olavo de Carvalho desde 2011. É professor, jornalista e analista político. Escreve em português do Brasil.
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.
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