No último fim de semana, algo importante — e profundamente incômodo para as elites — começou a se desenhar nas urnas britânicas: o colapso do establishment político britânico. Em milhares de pleitos locais, conselhos municipais e prefeituras, tradicionalmente dominados pelo teatro das tesouras entre Conservadores (Tories) e Trabalhistas, o público decidiu abandonar o roteiro. A abstenção foi recorde, os tories desabaram, e o Reform UK emergiu com vitórias simbólicas — como em Runcorn, onde venceu os trabalhistas por seis votos — e um volume substancial de representantes eleitos país afora. Mas esse abalo não é mera oscilação eleitoral: é sintoma de uma ruptura política em curso, provocada por uma população farta de ser governada por fantoches globalistas disfarçados de conservadores.
Os tories, há muito tempo domesticados pelos padrões cosmopolitas de Londres e por sua dependência dos bancos centrais, dos “experts” e das diretrizes da ONU, tornaram-se irrelevantes para o cidadão comum — aquele que vive fora das bolhas universitárias e dos cafés de Camden Town. Não falam mais por ele, não falam mais com ele. Preferiram representar o consenso tecnocrático — azeitado com jargões sobre “economia sustentável” e “coesão social” — do que os anseios reais de uma nação ilhada em seu próprio país.
Essa brecha foi ocupada por Nigel Farage, talvez o último político britânico genuinamente conectado à realidade. O Reform UK, partido que ele lidera com sua tradicional mistura de sarcasmo e lucidez, obteve vitórias simbólicas, como em Runcorn — um bastião trabalhista vencido por um punhado de votos, mas carregado de significado político. Não se trata de um voto econômico, mas existencial.
Os britânicos, como muitos europeus, estão fartos de pagar impostos para financiar políticas públicas que beneficiam, antes de tudo, imigrantes ilegais, refugiados seletivos e minorias identitárias que desprezam os valores que construíram a civilização ocidental. Fartos de ver suas cidades se transformarem em enclaves étnico-religiosos. Fartos de serem acusados de racismo, xenofobia ou “islamofobia” por ousarem expressar incômodo com a islamização acelerada e o esvaziamento cultural de bairros inteiros.
A esquerda trabalhista, por sua vez, insiste na fórmula já falida: fronteiras abertas, redistribuição forçada e censura do dissenso em nome da tolerância. Mas a população nativa, empurrada para a periferia do debate político e para o fim da fila nos hospitais e escolas públicas, começa a reagir. E essa reação tem nome: populismo de direita.
Diferente do populismo latino-americano, de viés messiânico e estatista, o populismo europeu emergente é ancorado em soberania, identidade nacional, ordem social e responsabilização institucional. Ele não promete um Estado onipotente, mas sim um Estado funcional, voltado ao cidadão de carne e osso — não à abstração multicultural.
Nigel Farage encarna esse espírito. Eurocético antes de ser moda, defensor da liberdade de expressão quando isso já custava reputações, Farage é hoje parte de uma revolução política que varre o continente. Sua ascensão se conecta ao fenômeno Trump, nos EUA, e às recentes vitórias da direita soberanista na Holanda, Itália e Alemanha. O que une esses movimentos é menos ideologia e mais um cansaço profundo com a hipocrisia institucionalizada.
Farage, aliás, celebrou os comentários de JD Vance sobre as crescentes ameaças à liberdade de expressão, sugerindo que o que ocorre nos EUA é reflexo — ou talvez vanguarda — de um mesmo impulso libertário e nacionalista que agora se alastra pela Europa. Trata-se de uma mudança civilizacional. Uma recusa à hegemonia da ONU, da UE e das ONGs globalistas como poder moderador das democracias ocidentais.
A vitória do Reform UK é apenas o início. Mas é um início carregado de simbolismo: a restauração do elo entre o cidadão e seu Estado. Uma ruptura com a lógica de condescendência tecnocrática. E, sobretudo, uma advertência clara à elite dirigente: ou ouvem o povo — ou o povo os substituirá.
MARCOS PAULO CANDELORO
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Marcos Paulo Candeloro é graduado em História (USP – Brasil), pós-graduado em Ciências Políticas (Columbia University – EUA) e especialista em Gestão Pública Inovativa (UFSCAR – Brasil). Aluno do professor Olavo de Carvalho desde 2011. É professor, jornalista e analista político. Escreve em português do Brasil.
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.
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