“Não há acção deste homem [o Papa Francisco] que não tenha abertamente ares de ruptura com a prática e o Magistério da Igreja, e a isso somam-se as posições assumidas, que são tudo menos inclusivas para com os fiéis que não pretendem aceitar inovações arbitrárias, ou pior, heresias completas.”

Arcebispo Carlo Maria Viganò . Uma Apostasia Sem Precedentes

 

O “Sínodo sobre a Sinodalidade” do Vaticano é um esforço velado para mudar a praxis católica, mas apenas porque o actual papa não tem autoridade para adulterar a sua doutrina.

Há uma tendência infeliz entre católicos e protestantes para saborear os infortúnios dos cristãos de outras igrejas. Quando um pastor evangélico abraça sem hesitação a agenda LGBT, os católicos dizem que isso era inevitável graças à Reforma. Quando o Papa Francisco parece minar os ensinamentos cristãos numa resposta confusa a uma pergunta de um jornalista, os protestantes vão dizer que se trata de um “papa comunista”.

Na semana passada, por exemplo, um pequeno (e reconhecidamente perturbador) vídeo do Papa Francisco rodeado de artistas de circo praticamente nus circulou nas redes sociais, provocando previsíveis zombarias protestantes como:

“Nunca é tarde demais para se juntar à Reforma!”

Os protestantes, verdade seja dita, têm poucas razões para fazer pouco dos católicos. Como o Contra por diversas vezes documentou, não faltam movimentos heréticos, práticas abomináveis e tendências satânicas no seio das suas igrejas.

Mas algo está a acontecer em Roma neste momento que deve preocupar protestantes, ortodoxos e católicos na mesma medida. À primeira vista, o “Sínodo sobre a Sinodalidade” do Vaticano, que decorre durante este mês de Outubro, parece ser um exercício auto-referencial meramente académico, como uma conferência sobre conferências.

Mas o sínodo não se resume apenas a um grupo de bispos a deliberar sobre a governação eclesial. O seu verdadeiro objectivo é revolucionar a Igreja Católica – algo que deveria alertar os cristãos de todo o mundo. Como nota Michael Brendan Dougherty, a ambição do evento é

“que um grande grupo de bispos debata entre si sobre o material de pesquisa que orientou um pequeno número de leigos católicos nas suas dioceses, e se esta pilha de papéis dá cobertura suficiente para que o papa comece a deitar fora certos ensinamentos morais e dogmáticos da Igreja em favor de novos entendimentos”.

Nesta altura, é evidente que é exactamente isto que o Papa Francisco está a tentar fazer. E como é que ele o vai proceder a esta subversão? Escondendo-se atrás de conceitos vagos como o “desenvolvimento da doutrina” e a “caridade pastoral”. Tomemos, por exemplo, os seus comentários surpreendentes sobre o casamento e a possibilidade dos padres abençoarem as uniões homossexuais, emitidos em privado em Julho, mas tornados públicos apenas na semana passada. Os comentários confirmam o que os observadores atentos do comportamento do Papa Francisco há muito diagnosticaram: ele é intencionalmente obscuro sobre assuntos que deveriam ser claros, e essa imprecisão semeia confusão. Porque é que ele quer semear a confusão? Para abrir espaço para a mudança. De facto, uma forma de interpretar os comentários confusos do papa sobre a bênção das uniões homossexuais é que ele está a abrir a porta a uma alteraçãoa radical na prática católica sem mudar tecnicamente a sua doutrina (algo que o papa, em todo o caso, não pode fazer).

Respondendo a uma pergunta de um grupo de cardeais sobre se a Igreja Católica pode abençoar as uniões do mesmo sexo “sem trair a doutrina revelada”, o Papa Francisco disse isto:

“A prudência pastoral deve discernir adequadamente se existem formas de bênção que não transmitam uma concepção errada do casamento. Quando se pede uma bênção, está-se a expressar um pedido de ajuda a Deus, um apelo a uma vida melhor, a confiança num Pai que nos pode ajudar a viver melhor”.

O Papa parece estar a sugerir algo radical: que é possível abençoar uma relação homossexual. A Igreja Católica ensina que as relações sexuais fora do casamento duradouro entre um homem e uma mulher são um pecado. Todas as crianças católicas devidamente catequizadas sabem que não é possível abençoar o pecado. Qualquer criança católica devidamente catequizada sabe também que, quando a maior parte das pessoas pede uma bênção, não está a fazer um “apelo para uma vida melhor”, mas sim a procurar aprovação, apoio e afirmação. É esse o entendimento comum da benção, que o Papa Francisco se esforça por evitar.

O pontífice, ao que parece, quer abrir caminho para que os padres abençoem as uniões homossexuais, como alguns clérigos na Alemanha e noutros locais da Europa Ocidental já estão a fazer. Ele sabe que não pode simplesmente vir a público e dizer algo que contradiz claramente a doutrina católica, por isso, em vez disso, dá uma resposta confusa que, tecnicamente, afirma a posição de jure da Igreja Católica sobre o casamento (vitalício, entre um homem e uma mulher), ao mesmo tempo que abre caminho à prática de facto de abençoar as uniões homossexuais. Assim, ninguém pode acusar o Bergoglio de mudar a doutrina católica, quando, na realidade, muito será alterado.

Este é precisamente o modelo que o Vaticano está a planear seguir neste sínodo. É preciso ter em mente que a conferência não é um concílio ecuménico, como o Vaticano II ou o Concílio de Trento. Não pode tomar decisões sobre questões de doutrina, e nada do que produzir será vinculativo para os católicos. Na verdade, o próprio termo “sinodalidade” é indefinido, e isso é vital para o verdadeiro objectivo do Papa. É um neologismo, um termo abstracto – e portanto maleável – que não tem história na doutrina católica. Como escreveu o cardeal Raymond Burke na semana passada,

“Há confusão em torno do termo sinodalidade, que as pessoas tentam artificialmente ligar a uma prática oriental, mas que na realidade tem todas as características de uma invenção recente, especialmente no que diz respeito aos leigos”.

O verdadeiro objectivo da utilização do termo, diz Burke, é o de

“alterar profundamente a constituição hierárquica da Igreja”.

Isto será conseguido, em parte, invocando o Espírito Santo como a autoridade sob a qual o sínodo faz as suas proclamações. Os católicos fiéis verão imediatamente uma bandeira vermelha aqui. A Igreja Católica, seguindo a exortação do Primeiro Livro de João de “testar os espíritos para ver se são de Deus; porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora”, nunca confia apenas no Espírito Santo para guiar a Igreja, mas também na tradição apostólica e nos ensinamentos do Magistério.

Muito foi dito pelo Vaticano sobre o Espírito Santo ser o “protagonista” deste sínodo, mas nem por isso tem sido frequente a conversa sobre a tradição ou a doutrina apostólica. O Cardeal Burke colocou a questão desta forma:

“Todo o processo sinodal é apresentado como uma obra do Espírito Santo que guiará todos os membros do sínodo, mas não há uma única palavra sobre a obediência devida às inspirações do Espírito Santo que são sempre consistentes com a verdade da doutrina perene e a bondade da disciplina perene que Ele inspirou ao longo dos séculos”.

No final da semana passada, Diane Montagna, uma repórter que cobria o sínodo, inquiriu um funcionário do Vaticano sobre o assuntoo, observando que a Igreja Católica sempre determinou que o Espírito Santo estava de acordo com a revelação divina e a tradição apostólica:

“Como é que esta assembleia está a discernir se algo vem do Espírito Santo ou de outro espírito?”

Deveria ser uma pergunta simples, mas Montagna não recebeu resposta concreta do funcionário, que se limitou a citar uma frase do Credo, “Creio no Espírito Santo”, e a acrescentar uma vaga salada de palavras sobre o “povo de Deus em viagem”. Quando ela insistiu numa resposta substantiva, o gabinete de imprensa do Vaticano encerrou o briefing.

 

Embora possa parecer uma coisa insignificante, a falta de uma definição de “sinodalidade” e a falta de clareza sobre como o Espírito Santo está a “guiar” os procedimentos é central para todo o esquema. Tal como os comentários do Papa Francisco sobre a bênção das uniões homossexuais, a “sinodalidade” é uma cortina de fumo para introduzir mudanças no catolicismo sem alterar formalmente a doutrina, o que este sínodo, e este Papa, não podem fazer.

Ninguém afirmará a autoridade deste sínodo sobre o papa ou sobre os bispos individualmente, mas quaisquer que sejam as mudanças de facto que o Papa Francisco e os seus aliados queiram introduzir, serão justificadas com um apelo ao impulso do Espírito Santo. Eles tornarão as suas mudanças uma realidade na prática, enquanto afirmam que não mudaram tecnicamente a doutrina – uma tática bem conhecida, aliás, dos revolucionários.

Resta a questão de saber porque é que, para além dos católicos, também os protestantes e os ortodoxos se devem preocupar com tudo isto. A razão é simples: A civilização ocidental depende de uma Igreja Católica que sustente e defenda os princípios imutáveis e inalteráveis da fé e a ordem moral que deles decorre. Os protestantes podem não gostar disto, mas a maior parte deles, se forem honestos consigo próprios, sabem que é verdade.

A Igreja Católica é fundamental e vital para a sobrevivência não só do cristianismo como da civilização ocidental. O Ocidente pode resistir ao desaparecimento dos Unitários, dos Quakers e dos Episcopalianos. Pode até sobreviver à paganização do protestantismo e ao cisma entre as igrejas russas e ucranianas da ortodoxia de leste. Mas não sobreviverá sem que a Igreja Católica mantenha a sua influência na sociedade em geral. Nenhum outro credo cristão se apresentará para substituir uma Igreja Católica fracturada. Sem ela, o Ocidente perderá totalmente a sua coerência e o seu declínio, já bem encaminhado, acelerar-se-á.

Apesar de tudo isto, há razões para ter esperança. A Igreja Católica passou, no passado, por períodos em que a prática se afastava dramaticamente da doutrina, de forma perturbadora mas, em última análise, temporária. Nos séculos IX e X, era comum os padres casarem-se e terem famílias. A simonia (a venda de cargos eclesiásticos ou de coisas espirituais, como a absolvição) também era comum durante este período. Mas a lei do celibato clerical e as leis contra a simonia ainda estavam em vigor, por isso, quando o Papa Gregório VII apareceu no final do século XI, estas leis foram novamente aplicadas e a prática católica voltou a estar de acordo com a sua doutrina.

É possível que estejamos a entrar noutro período de disjunção entre a prática e a doutrina católicas, o que enfraquecerá a Igreja de Pedro e acelerará o declínio do Ocidente. O Sínodo sobre a sinodalidade faz parte desta disjunção; é esse o seu objectivo. Pode não se importar com a doutrina católica, mas se se importa com a civilização ocidental, vai querer prestar atenção a este sínodo. Diz respeito a todos nós.