A guerra na Ucrânia é agora considerada como um conflito de desgaste, travada em termos que favorecem cada vez mais a posição de Moscovo. É verdade que Kiev tem oferecido resistência feroz, considerando o poder desproprocionado do inimigo, mas essa ferocidade, que deriva mais do fanatismo e do desespero e até da crueldade do regime Zelensky do que da razão militar, apresenta agora o seu pesado saldo: A Ucrânia está a ficar sem homens para recrutar.
Em termos gerais, a contraofensiva não produziu ganhos territoriais significativos e está agora limitada à aldeia de Robotyne, que tem valor estratégico porque pode abrir um caminho para o mar de Azov e romper a ponte terrestre que liga a Rússia à Crimeia. Mas mesmo que as forças ucranianas tomem esta pequena localidade (circulam notícias de que já conquistou metade do seu perímetro), terão depois que progredir seis quilómetros até chegarem às principais linhas de defesa russas. Considerando a capacidade de fogo destas fortificações e o que aconteceu nos últimos meses sempre que os ucranianos se lançaram contra elas, seis quilómetros é uma Odisseia. Ou uma Ilíada, se quisermos projectar a carnificina desse avanço militar.
Mais a mais, o aparelho militar do regime Zelensky não tem apenas por missão, já de si homérica, de contrariar as barragens de artilharia e os campos de mina dos russos. Kiev luta também contra o tempo. Ao contrário dos Russos, historicamente peritos em controlar o fluxo de areia na ampulheta da guerra, os ucranianos têm que ultrapassar as formidáveis defesas inimigas antes que as chuvas de Outono incapacitem a sua mobilidade no terreno.
O verão tem sido húmido, e os meses de Outono trazem ciclicamente chuvas fortes que transformam o solo numa lama espessa à medida que viaturas de transporte, blindados e artilharia atravessam o campo de batalha. A circunstância irá muito provavelmente travar avanços rápidos ou significativos, imobilizando os exércitos e dando tempo aos russos para reagruparem, reforçarem as trincheiras e os campos minados e recarregarem as baterias de artilharia que tornaram a reconquista do território perdido tão difícil e sangrenta.
Mas o principal problema de Zelensky e do seu estado maior terá que ser o demográfico. Desde que a guerra começou, cerca de 6 milhões de ucranianos abandonaram a sua pátria, procurando na Europa Ocidental um refúgio de paz e prosperidade para as suas famílias. E enquanto as forças armadas russas começaram a guerra com uma disponibilidade de cerca de 1 milhão de efectivos, dois milhões de reservistas e uns bons dez milhões em idade de recrutamento (que Putin estendeu dos 18 aos 31 anos), as forças armadas ucranianas contam com cerca de 200.000 efectivos, sensivelmente o mesmo número na reserva, e podem recorrer talvez a mais 1,5 milhões de homens em idade de combate.
É um cálculo brutal, mas fácil: Kiev está a ficar sem homens. Fontes norte-americanas calcularam que as suas forças armadas perderam cerca de 70.000 mortos em combate, com outros 100.000 feridos. Apesar das forças russas também terem sofrido equivalente número de baixas, o rácio favorece claramente Moscovo, uma vez que a paridade em sacrifício de tropas vai inevitavelmente exaurir primeiro a Ucrânia.
Ainda por cima, conhecedores da chacina na frente de batalha, os recrutas não estão agora a aparecer em número suficiente para manter as necessidades militares de Kiev: aqueles melhor preparados e mais decididos ao combate alistaram-se há anos. O mais recente slogan de recrutamento do exército ucraniano é “não há problema em ter medo”. Não podemos acusar, neste caso específico, os publicistas de Zelensky de estarem a iludir o seu povo. Mas a mensagem não é lá muito encorajadora.
Por muitas dificuldades que o Kremlin enfrente nas suas acções de recrutamento, a verdade é que o grupo-alvo é imenso. A Ucrânia simplesmente não consegue igualar esses milhões de potenciais soldados, que, ao contrário de dinheiro e equipamento, o Ocidente não pode fornecer. Pelo menos por enquanto. E vale a pena rezar para evitar esse dantesco cenário.
Assim sendo, a vitória russa pode estar finalmente à vista, à medida que o clima transforme o teatro de operações num inferno lamacento, que os recursos humanos ucranianos se esgotem, e que a ajuda ocidental comece a vacilar, face à evidente fragilidade dos seus projectos oníricos de vitória contra uma nação que não é propriamente conhecida por perder guerras. Se Kiev não conseguir romper com as posições russas agora, antes das estação das chuvas, pode nunca mais ser capaz de o fazer.
A não ser, claro, que a NATO decida provocar a terceira guerra mundial. Nesse caso, os russos poderão perder a contenda, sim. Mas é mais que certo que ninguém a irá ganhar.
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