Joe Biden autorizou pela primeira vez a Ucrânia a atacar alvos no interior da Rússia com mísseis de longo alcance fornecidos pelos EUA. A ideia é complicar ainda mais os esforços de paz da administração Trump.

 

Numa importante mudança de política a poucas semanas de deixar o cargo, o Presidente dos EUA autorizou a utilização de mísseis ATACMS na região de Kursk. A decisão de Biden suscitará expectativas de que ele também abandone a sua oposição à utilização de mísseis Storm Shadow de fabrico britânico na Rússia.

Donald Trump, o Presidente Eleito, prometeu reduzir o apoio à Ucrânia e disse que vai pressionar Kiev a negociar a paz com Moscovo. David Sacks, um aliado próximo de Elon Musk e doador da campanha de Trump, criticou a decisão como anti-democrática, escrevendo no X:

“O Presidente Trump ganhou um mandato claro para acabar com a guerra na Ucrânia. Então o que é que Biden faz nos seus últimos dois meses de mandato? Aumenta massivamente a escalada.”

Donald Trump Jr. disse ontem à noite:

“O Complexo Industrial Militar parece querer garantir que a Terceira Guerra Mundial comece antes que o meu pai tenha a oportunidade de criar paz e salvar vidas”.

Funcionários da Casa Branca disseram ao The New York Times que Biden mudou de ideias depois de a Coreia do Norte ter enviado tropas para apoiar a invasão da Ucrânia por Vladimir Putin. Não há no entanto e até ao momento, quaisquer evidências de que tropas norte-coreanas tenham participado em combates na frente ucraniana.

A decisão surge depois de Volodymyr Zelensky ter passado meses a insistir com a Grã-Bretanha, os EUA e a França para que o autorizassem a utilizar mísseis de longo alcance em solo russo.

No seu discurso de domingo, Zelensky afirmou:

“Hoje, muitos meios de comunicação social dizem que recebemos autorização para tomar medidas adequadas. Mas os ataques não são feitos com palavras. Essas coisas não são anunciadas”.

Keir Starmer tem defendido junto dos aliados da NATO que os ucranianos possam usar mísseis Storm Shadow, assim como Emmanuel Macron, o líder francês. Mas Biden, que tem direito de veto porque o sistema de mira dos mísseis é fornecido pelos EUA, tem resistido até agora à pressão para dar o seu consentimento.

Vladimir Dzhabarov, primeiro vice-chefe do comité de assuntos internacionais da Câmara Alta russa, disse que a decisão de Washington de deixar Kiev atacar profundamente a Rússia poderia levar à “Terceira Guerra Mundial”. E o Kremlin já tinha afirmado que esta decisão libertaria os russos para atingirem os interesses do bloco ocidental em qualquer lugar do mundo.

A Ucrânia capturou várias povoações na região fronteiriça de Kursk numa ofensiva surpresa em Agosto, que está agora a defender dos contra-ataques russos. Os mísseis norte-americanos seriam inicialmente utilizados para defender essas posições ucranianas na região, segundo o New York Times.

Biden terá também sido influenciado por avisos de que as forças ucranianas não conseguiriam resistir sem apoio aéreo adicional. Kiev pediu a utilização de mísseis de longo alcance para poder atingir as linhas de abastecimento e os centros de comando russos, bem como as bases aéreas utilizadas para lançar jactos que atacam as suas tropas.

Anteriormente, a Casa Branca tinha autorizado a Ucrânia a disparar projécteis Himars fornecidos pelos EUA, que têm um alcance de 50 milhas, sobre a fronteira, mas impedido a utilização dos mísseis ATACMS, com alcance de mais de 300 quilómetros, por receio de uma intensificação das tensões entre a Rússia e o bloco ocidental.

A decisão de Biden surge apenas dois meses antes da tomada de posse de Donald Trump, que obteve uma vitória esmagadora nas eleições americanas e prometeu durante a campanha garantir o fim da guerra nos primeiros dias do seu mandato.

Trump afirmou anteriormente que a Ucrânia deveria ter feito concessões a Putin em vez de lutar contra a invasão, lançada em Fevereiro de 2022.

A Ucrânia espera utilizar o território que detém dentro de Kursk como moeda de troca em qualquer acordo de paz com a Rússia. No entanto, analistas próximos do Kremlin afirmaram que Putin não iniciará negociações até que as tropas ucranianas tenham sido expulsas do território russo.

A decisão de Biden poderá desbloquear também a utilização de mísseis britânicos Storm Shadow pelos ucranianos e pressionar a Alemanha a desistir da sua oposição ao fornecimento à Ucrânia dos mísseis de longo alcance Taurus, que Zelensky tem pedido repetidamente.

É discutível se esta decisão da administração Biden terá um impacto decisivo no desenlace da guerra na Ucrânia, mas parece factual que irá dificultar significativamente o processo de paz que Donald Trump tem em mente, na medida em que poderá prolongar a ofensiva russa na região de Kursk tomada pelos ucranianos.

Alexander Mercouris comenta a decisão de Biden e analisa esse potencial de perturbação da agenda do Presidente Eleito.