Os advogados de Hunter Biden estão a jogar uma espécie de roleta russa com o Departamento de Justiça, ameaçando obrigar o Presidente Joe Biden a testemunhar em qualquer julgamento criminal contra o seu filho, se as duas partes não chegarem a um acordo favorável para Hunter sobre os múltiplos crimes de que é acusado.

Numa carta de 32 páginas escrita pelo advogado de Hunter Biden, Chris Clark, no Outono passado, é admitido que existem provas suficientes para acusar Hunter de ilegalidades e que

“O Presidente Biden seria assim, inquestionavelmente, uma testemunha de facto para a defesa em qualquer julgamento criminal”.

Essa carta, juntamente com mais de 300 páginas de e-mails e documentos não divulgados anteriormente, trocados entre a equipa de defesa de Hunter Biden e os procuradores, lança uma nova luz sobre as negociações difíceis que quase produziram um amplo acordo judicial. Esse acordo teria resolvido as questões legais mais prementes de Hunter – a compra da arma sob falso testemunho e o facto de não ter pago impostos durante vários anos – e também poderia ajudá-lo a proteger-se de futuras acções judiciais por parte de um Departamento de Justiça eventualmente liderado pelos republicanos. Mas, como o ContaCultura já documentou, esse acordo caiu à última da hora, em plena audiência do tribunal.

Os documentos mostram como o entendimento inicial fracassou – uma reviravolta repentina que ocorreu depois dos republicanos o criticarem veementemente e do juiz levantar sobre o acordo questões constitucionais. Esse colapso renovou a perspectiva de que Hunter Biden irá a julgamento enquanto o seu pai se prepara para a candidatura à reeleição em 2024.

De acordo com Clark, colocar Joe Biden a depor pela defesa e contra o seu próprio Departamento de Justiça (DOJ) criaria um caos político e constitucional com consequências difíceis de prever. Na carta, que foi divulgada pelo Politico juntamente com vários outros documentos lemos:

“Este é um caso que não justifica nem o espetáculo de um Presidente em funções a testemunhar num julgamento criminal nem a potencial crise constitucional daí resultante”.

Na primavera de 2022, a equipa jurídica de Hunter Biden estava já no caminho da politização declarada do processo – usando uma apresentação em PowerPoint que invocava o fantasma iminente de Trump logo no slide de abertura. A mensagem era clara, sem bem que de validade muito duvidosa: a perseguição incessante de Trump a Hunter faz com que qualquer acusação contra o jovem Biden parecesse uma cedência à pressão política, prejudicando assim a integridade do Departamento de Justiça.

É claro que Hunter se colocou no centro das atenções, dada a sua vida debochada e sua a predisposição para receber dezenas de milhões de dólares da Ucrânia, da China e da Rússia em troca de nenhum benefício identificável, para além do acesso ao seu pai. O Contra tem todas essas negociatas bem documentadas e não vale a pena voltar agora a elas.

Embora as preocupações iniciais se consubstanciassem nas acusações de tráfico de influências e lavagem de dinheiro, o caso real, bastante modesto considerando os indícios de mil e uma actividades criminosas, girava em torno de pagamentos de impostos atrasados de 2014 a 2019. Os advogados de Hunter, usando de algum desplante, argumentaram que acusar Hunter de crimes fiscais faria com que o DOJ parecesse ter capitulado ao apelo de Trump para uma investigação.

Avançando para o final de 2022, descobrimos que Hunter também poderia enfrentar acusações relativas ao posse ilegal de armas, rastreadas até 2018, quando ele estava profundamente viciado em cocaína e crack (tudo indica que ainda está) e mentiu sobre a circunstância na aquisição de um revólver, o que constitui um crime federal nos EUA. À medida que as coisas se agravavam, os advogados de Hunter procuraram reuniões com os mais altos escalões do DOJ. Não se tratavam de meras conversas exploratórias, mas de manobras cuidadosamente concebidas para encurralar o Departamento de Justiça numa posição em que tinha de tomar uma decisão: ou sofria um golpe na reputação por ser “politicamente influenciado” ou enfrentava acusações de dar “tratamento preferencial” ao filho do Presidente.

Na Primavera de 2023, o DOJ estava à procura de uma estratégia de saída e parecia aberto a um acordo que salvasse a face de todos os envolvidos – especialmente do próprio Departamento. O acordo proposto nem sequer exigia uma confissão de culpa de Hunter, mas tinha ainda assim uma lista de requisitos.

Desde o Outono de 2022 até à Primavera de 2023, Clark procurou reunir-se com quadros importantes do Departamento de Justiça – quase sem sucesso. Em vários e-mails, pediu para se encontrar com o chefe da Divisão Criminal, o chefe da Divisão Tributária, o Gabinete de Assessoria Jurídica, o Gabinete do Procurador-Geral, a Procuradora-Geral Adjunta e o próprio Procurador-Geral. Em Fevereiro de 2023, a equipa de Clark insistiu e contactou vários funcionários de topo do DOJ, que foram passando o seu pedido para outros gabinetes.

As tentativas de Clark deram finalmente fruto, quando enviou um e-mail exasperado ao vice-procurador-geral adjunto Bradley Weinsheimer, afirmando que tinha pedido repetidamente ao governo que lhe dissesse a quem poderia recorrer se o seu cliente fosse acusado.

“Por favor, informe se seria a pessoa adequada para ouvir o recurso do nosso cliente, no caso da Procuradoria-Geral dos EUA decidir acusar o Sr. Biden”.

Weinsheimer cedeu, reunindo-se com Clark e o procurador Weiss a 26 de Abril. Embora não seja claro o que aconteceu durante a reunião, o Wall Street Journal informou que um supervisor do IRS estava preparado para testemunhar que havia pressão política interna para atrasar e bloquear a investigação. Ao contrário dos advogados de Biden, que argumentaram que o seu cliente estava a ser tratado com demasiada severidade devido à política, o supervisor do IRS estava preparado para testemunhar que Hunter estava a receber “tratamento preferencial”.

 

 

Em Maio, surgiu um acordo em que Hunter admitia ter declarado impostos com atraso em 2017 e 2018, que possuía uma arma enquanto consumia drogas e que iria pagar os impostos em atraso e que se comprometia a nunca mais possuir uma arma. Se Hunter cumprisse estes acordos básicos até janeiro de 2025, o Departamento de Justiça prometeria não o processar por nada do que tinha sido investigado até então. No acordo agora anulado lia-se:

“O Departamento de Justiça concorda em não processar criminalmente Robert Hunter Biden e as empresas afiliadas (nomeadamente: Owasco P.C.; Owasco LLC; e Skaneateles LLC): (a) por quaisquer crimes federais decorrentes da conduta genericamente descrita na Declaração de Factos anexa; ou (b) por quaisquer outros crimes federais relacionados com assuntos investigados pelos Estados Unidos”.

Depois, o investigador do IRS Gary Shapley testemunhou no Congresso que o DOJ tinha “atrasado” a investigação.

Dias mais tarde, os procuradores do Departamento de Justiça deixaram claro aos advogados de Hunter que o acordo teria de ser alterado e que o acusado teria de se declarar culpado de acusações fiscais, de acordo com duas pessoas familiarizadas com as conversações, às quais foi concedido o anonimato para partilharem pormenores sensíveis.

A equipa de Hunter Biden acedeu à nova exigência, concordando que ele se declararia culpado de duas acusações de contravenção por não pagar intencionalmente os seus impostos, mas não se declararia culpado da acusação de porte de arma; em vez disso, essa questão seria resolvida por meio de um acordo pré-julgamento que poderia resultar na retirada das acusações depois de alguns anos.

Na noite de 2 de Junho, Clark enviou um e-mail à procuradoria advertindo que a imunidade era um pressuposto vital e exigindo que fosse formalmente garantido que os EUA não processariam Hunter Biden por “quaisquer crimes federais decorrentes da conduta genericamente descrita” nos dois documentos constituintes do acordo. Clark acrescentou que

“Esta linguagem ou o seu equivalente funcional é muito importante para nós”.

Lendo nas entrelinhas – o acordo protegeria Hunter de uma possível administração Trump, ou de outro republicano que pudesse ganhar as presidenciais de 2024. A formalização que Clark exigia teria amplas consequências:

“Os Estados Unidos concordam em não processar Biden criminalmente, fora dos termos deste Acordo, por quaisquer crimes federais abrangidos pela Declaração de Factos anexa e pela Declaração de Factos anexa ao Memorando de Acordo apresentado neste mesmo dia. Este acordo não oferece qualquer proteção contra processos judiciais por qualquer conduta futura de Biden ou de qualquer das suas empresas associadas”.

Mas depois do juiz ter feito várias objecções à constitucionalidade do acordo numa audiência em Julho, a concórdia, forma e informal, caiu com estrondo na praça pública. O procurador que supervisiona a investigação foi entretanto nomeado conselheiro especial, e diz que o caso vai a julgamento.

Na quinta-feira, a juíza deu luz verde a uma moção dos procuradores para retirar as acusações fiscais, para que possam ser apresentadas noutro local. Aprovou também o pedido de Clark para deixar a equipa jurídica de Biden porque este pode ser chamado como testemunha num potencial julgamento de Hunter.

A grande questão permanece: Poderá Joe Biden vir a ser testemunha da defesa do seu filho, quando do lado da acusação estará o seu próprio e muy fiel Departamento de Justiça?