O sujeito médio é um mistério para si mesmo. Anda por aí, de peito estufado, convencido de sua própria grandeza, sem jamais ter gastado um segundo para entender quem diabos é. Vive no piloto automático, refém dos próprios impulsos, sem sequer desconfiar de que sua personalidade é um emaranhado de clichês mal digeridos. Como diria Olavo de Carvalho, “a maioria das pessoas não tem uma personalidade própria, apenas um repertório de reações condicionadas”. E não é que o homem médio adora viver assim? Ele prefere a ilusão do espelho ao risco mortal da introspecção. Se ao menos suspeitasse do abismo que há dentro de si, talvez calçasse as sandálias da humildade.

Vivemos uma era de personagens vazios, de figurantes de si mesmos. Se antes havia uma luta pela autenticidade, hoje há uma corrida desenfreada para encaixar-se em padrões pasteurizados, vendidos como autenticidade de boutique. A histeria das redes sociais cria o fenômeno das identidades de superfície, nas quais cada um se molda àquilo que melhor atende seu desejo momentâneo de aceitação. O sujeito não se conhece, mas sabe muito bem qual máscara lhe rende mais curtidas e mais engajamento virtual. A tragédia, porém, não está no teatro em si, mas no fato de que os atores esqueceram que estão num palco.

O autoconhecimento exige coragem, e coragem, sabemos bem, é artigo em falta no mercado. Afinal, que homem moderno quer encarar a si mesmo de forma honesta, sem usar das variáveis justificativas ou as frases motivacionais de autoajuda? O olhar voltado para dentro revela não a glória, mas sobretudo a miséria. E encarar a própria miséria é indigesto. Exige uma força que poucos têm, e uma disposição para admitir fraquezas que ninguém mais quer assumir. Preferem, então, a anestesia das distrações, a embriaguez do entretenimento raso, o alívio fugaz das opiniões prontas.

O resultado dessa fuga é a completa infantilização do adulto médio. Ele não quer verdades duras, mas sim a suavidade reconfortante da mentira. Evita conflitos internos, repele a dúvida, refugia-se em bolhas ideológicas onde sua visão de mundo nunca será desafiada. E assim, vive na ilusão de que pensar é perigoso, quando, na verdade, perigoso mesmo é nunca ter pensado.

O sujeito, em sua fuga do próprio eu, torna-se um fantoche dos ventos ideológicos, um papagaio das narrativas dominantes. Não pensa, repete. Não age, reage. Acredita ser um indivíduo livre quando, na verdade, é apenas uma peça previsível no grande tabuleiro do senso comum. O dia em que resolver pensar, talvez descubra que nunca foi ele mesmo — apenas um eco de vozes alheias.

 

PAULO H. SANTOS
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Paulo H. Santos Paulo H. Santos é professor de filosofia, bacharel em Filosofia (UCP- Brasil), escritor, católico e colunista desde 2020. Escreve em português do Brasil.
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.