Nunca deixa de chocar o requinte hipócrita e pretensioso da imprensa corporativa ocidental. E é difícil conceber possível a ginástica mental que é necessária para que estes escribas vivam bem com eles próprios.
Reparem nestas pérolas de falsa virtude:
O Contra não alimenta qualquer tipo de simpatia por Erdogan, obviamente e pelo contrário, mas não me lembro da imprensa mainstream se mostrar analogamente preocupada com a democracia na Roménia, quando as eleições que iam ser ganhas por Georgescu foram canceladas; ou nos EUA, quando Joe Biden utilizou o Departamento de Justiça para perseguir implacavelmente Donald Trump com o claro intuído de o encarcerar; ou no Canadá, quando Trudeau congelou contas bancárias de opositores políticos; ou no Brasil, quando Bolsonaro e os seus apoiantes foram tratados pelo poder judicial e mediático como uma ameaça de terrorismo doméstico.
Não tenho ideia que o France24 seja crítico da autocracia da Comissão Europeia, eleita por ninguém; que o DW mostre preocupação face ao autoritarismo austríaco, que impediu o candidato populista que venceu as últimas legislativas de aceder ao poder executivo; ou que o The Guardian se mostre consternado com a repressão sobre a dissidência que o regime Starmer impôs brutalmente sobre os cidadãos britânicos, no Verão passado.
Ao contrário, as iniciativas de interdição do AfD na Alemanha, a perseguição judicial a Le Pen em França, a coligação governamental com terroristas condenados e fugidos da justiça, em Espanha, as geringonças de centro-esquerda e extrema-esquerda que invalidam mandatos eleitorais por todo o lado da Europa, são vistos, não como exercícios ameaçadores da democracia, mas como acções que pretendem salvá-la.
Da mesma forma, é pela democracia que se luta na Ucrânia, mesmo que o regime de Kiev tenha sido inventado pela CIA e que Zelensky não tenha sido sujeito ao escrutínio eleitoral nos últimos 6 anos.
Este registo assimétrico, que condena Erdogan por prender o seu mais notável opositor político, recusa denunciar a ilegitimidade democrática de poderosos grupos de interesse, corruptores de qualquer república que se preze, como o WWF e o grupo Bidldeberg, os senhores do universo de Wall Street, os trans-humanistas de Silicon Valley, os jogadores de críquete da City londrina e os tecnocratas de Bruxelas.
Mesmo os críticos da imprensa corporativa consideram geralmente que esta gritante dualidade de critérios resulta apenas de cegueira ou preconceito.
Não acredito nisso. Da mesma forma que não foi por autismo ou desvio subjectivo, mas por fanatismo militante, que trabalharam arduamente os propagandistas das tiranias do século XX, também os propagandistas de agora não laboram inconscientes do seu pecado. Sabem perfeitamente o que estão a fazer. E sabem perfeitamente por que raio é que fazem aquilo que fazem. São apparatchiks. Defendem o aparelho. Até às últimas consequências.
Daí o falecimento da ética no jornalismo. Daí a queda da virtude moral no Ocidente.
Paulo Hasse Paixão
Publisher . ContraCultura
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