Para desespero e total decepção dos meus poucos leitores, começo este artigo com uma ignomínia atroz: desde jovem admiro Weber. Ansiava por ele, ambicionava mesmo conseguir ter recursos suficientes para adquirir um par dos mesmos e colocá-los em meu carro – um belo e musculoso par de carburadores Weber 40, que me dariam mais uns 20 a 30 por cento de potência em meu combalido carro de estudante. Sim, reconheço, foi um trocadilho infame.
Somente anos mais tarde – devidamente ajuizado pelas pancadas da vida e determinado a sair da total e claustrofóbica escuridão da ignorância – é que tive a oportunidade de começar a rondar a obra deste distinto senhor, um pioneiro da sociologia, esquecendo-me das arruaças automobilísticas da juventude.
Na verdade, até hoje tenho um preconceito – leia-se “experiência de vida” – contra a sociologia e os sociólogos, eternamente um clube fechado de esquerdistas terminais, imunes a quaisquer tipos de terapia e sem possibilidade de evolução favorável do quadro clínico. Assim, vencendo a repugnância que tais assuntos inevitavelmente me despertam, pus-me a ler algumas de suas obras e – sempre fui assim – encontrei coisas boas e outras que, não posso evitar, deveria discordar ou discutir.
Um desses acasos da vida presenteou-me com a lembrança do texto abaixo, publicado alhures por alguém, o qual reproduzo para que o leitor – o qual conto com sua força de vontade – possa ler minhas análises, ao final do mesmo. Vamos a ele.
Max Weber (1864–1920) foi um sociólogo, economista e filósofo alemão, considerado um dos fundadores da sociologia moderna. Ele teve uma grande influência no estudo da sociedade, da economia e da política, desenvolvendo conceitos que ainda são amplamente debatidos.
Principais ideias de Max Weber:
1° Ação Social: Weber definiu a sociologia como o estudo da ação social, ou seja, das ações humanas que têm significado dentro de um contexto social. Ele classificou as ações sociais em quatro tipos:
– Ação racional com relação a fins (baseada em objetivos específicos).
– Ação racional com relação a valores (guiada por princípios morais ou éticos).
– Ação afetiva (motivada por emoções).
– Ação tradicional (determinada por costumes ou hábitos).
2° Racionalização e Burocracia: Weber analisou como a sociedade moderna se organizava através da racionalização, levando ao desenvolvimento da burocracia. Para ele, a burocracia era a forma mais eficiente de administração, baseada em regras, hierarquia e impess0alidade, mas também poderia levar à “jaula de ferro” da racionalidade excessiva.
3° Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo: Em sua obra mais famosa, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber argumentou que a ética do trabalho protestante (especialmente do calvinismo) incentivou o desenvolvimento do capitalismo moderno, pois enfatizava o trabalho árduo, a disciplina e a acumulação de riquezas como sinais de bênção divina.
4° Dominação e Tipos de Autoridade: Weber identificou três tipos principais de dominação (autoridade):
– Autoridade tradicional: Baseada nos costumes e na tradição (ex.: monarquias). – Autoridade carismática: Baseada no carisma de um líder (ex.: líderes revolucionários).
– Autoridade legal-racional: Baseada em regras e leis impessoais (ex.: Estados modernos).
Max Weber ajudou a moldar o pensamento sociológico e contribuiu para o entendimento das sociedades modernas. Seu trabalho influencia áreas como administração, ciência política, economia e filosofia.
A influência de Max Weber no pensamento sociológico é inegável, sendo ele uma das principais cabeças na análise das sociedades modernas. No entanto, uma abordagem um pouco mais conservadora e comedida pode – e deve – contestar algumas de suas premissas centrais, sobretudo quanto à excessiva racionalização da sociedade, o limitado papel da tradição que ele a lança e à interpretação errônea do capitalismo. Utilizando a própria obra de Weber como base, é possível apontar algumas limitações e incoerências em sua abordagem a qual, neste momento, ponho-me a fazê-la com muito gosto.
A questão da ação social e a subestimação da tradição
Weber definiu a sociologia como o estudo da “ação social”, classificando-a como racional em relação a fins, valores, ao afetivo e tradicional. Contudo, seu enquadramento da “ação tradicional” como algo quase mecânico – esqueçam os carburadores, por favor –, desprovido de racionalidade consciente, revela um viés verdadeiramente iluminista, que subestima a profundidade da tradição na constituição da ordem social. Filósofos conservadores como Edmund Burke e Michael Oakeshott (o conhecem?) argumentam que a tradição não é mera repetição de hábitos, mas sim um repositório de sabedoria entre as gerações, refletindo a experiência acumulada das civilizações.
A própria obra de Weber nos obriga a considerar como “curioso” o fato dele reconhecer o papel da tradição na autoridade (autoridade tradicional) mas, ao mesmo tempo, rebaixando-a à uma forma “menos evoluída” de estruturação social. Isso, obviamente, é um paradoxo: por um lado, Weber valoriza o papel da tradição no passado; por outro, sua própria abordagem sugere uma transição inevitável para as (suas) formas racionais de organização. O conservadorismo ao contrário – para não arrogar-me a pretensão de dizer “eu” – reconhece a tradição não como um estágio primeiro e transitório, mas como um elemento essencial para a estabilidade e continuidade da sociedade.
A “jaula de ferro” da racionalização e o abandono do espírito comunitário
Weber descreveu a burocracia – sim, este inferno que vivemos hoje – como a forma mais eficiente de administração na modernidade, mas também alertou para os perigos da “jaula de ferro” da racionalidade excessiva, pois ele próprio provavelmente saberia onde tudo poderia desembocar. No entanto, sua análise falha ao não reconhecer que essa “racionalização” pode ser fruto de uma visão progressista, esquerdista mesmo, que busca dissolver os laços orgânicos da sociedade em prol de um modelo mecanicista de gestão impessoal, (consulte “jurisfação”, teoria explicada pelo jurista brasileiro Miguel Reale) – que tal “O Poderoso Estado”?
A tradição conservadora, bem lembrando a palavra e representada por autores como T.S. Eliot e Russell Kirk, mostra que a vida social não pode ser reduzida a cálculos utilitários, pragmáticos, pois isso ignora os valores morais, religiosos e culturais que dão algum sentido à nossa miserável existência humana.
Se, como Weber sugere, a burocracia se tornou a forma predominante de organização social, hoje sabemos ser desnecessário questionar se esse fenômeno é de fato um avanço ou se representa uma verdadeira decadência, na medida em que substitui a autoridade natural e os laços comunitários por um sistema impessoal e desumanizante. Qualquer mentalidade de bom senso e razoavelmente conservadora proporá que as relações sociais devam ser baseadas na identidade histórica e nos valores compartilhados, e não nessa “racionalidade” abstrata, que muitas vezes desconsidera a realidade concreta da natureza humana.
A errônea interpretação do capitalismo e a religião
Em “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, Weber argumenta que a ética do trabalho protestante, especialmente calvinista, incentivou o desenvolvimento do capitalismo moderno. Embora essa tese tenha sido amplamente discutida e influente, ela também apresenta limitações ao negligenciar o papel do catolicismo medieval na formação das bases econômicas da Europa, bem como seu cuidadoso “esquecimento” que este mesmo “cisma” da Igreja preparou o terreno para calamidades como a Revolução Francesa, o Iluminismo e outros males.
Historiadores como Christopher Dawson e economistas como Joseph Schumpeter apontam que o desenvolvimento do capitalismo, na verdade, antecede o protestantismo e que a visão weberiana é apenas uma superestimação da influência de um aspecto específico da religião, em detrimento de um panorama mais amplo. É o óbvio que muitos se recusam a reconhecer.
Ademais, um olhar preventivamente conservador para o capitalismo reconhece que, enquanto a livre iniciativa e a propriedade privada são essenciais para a prosperidade, o sistema econômico deve sempre estar ancorado em valores morais, que preservem a coesão social e a dignidade humana. Weber, ao enfatizar a “racionalização” do capitalismo, parece sugerir que esse sistema é inevitavelmente destituído de influências morais e culturais profundas, tornando-o quase um “pai adotivo” do liberalismo – o qual, em minha ótica, jamais foi ideologia e resume-se a um pensamento econômico. A verdade é que o capitalismo deve ser moderado por princípios transcendentais, que garantam sua harmonia com a ordem natural e social, ou tudo será pura e sangrenta selvageria.
Ao fim da história
Max Weber forneceu algumas contribuições valiosas para a compreensão da sociedade moderna, mas seu pensamento sempre deve ser questionado por uma abordagem conservadora, que valoriza a tradição, a organicidade das instituições e os fundamentos morais da ordem social. Sua tendência a enxergar a racionalização como um processo inevitável o leva a desconsiderar a importância da história e da cultura na estruturação da vida social.
Ao recuperarmos as críticas conservadoras a respeito da burocracia, da moralidade econômica e do papel da tradição, sempre teremos uma leitura mais equilibrada e crítica de sua obra.
É Weber em seu devido e justo tamanho.
WALTER BIANCARDINE
___________
Walter Biancardine foi aluno de Olavo de Carvalho, é analista político, jornalista (Diário Cabofriense, Rede Lagos TV, Rádio Ondas Fm) e blogger; foi funcionário da OEA – Organização dos Estados Americanos.
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.
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