Conheço meus ciclos e tenho andado bastante cabisbaixo, nos últimos dias. Não vem ao caso as razões, ou mesmo se tenho justificativas para tal, mas creio ser o momento oportuno para fazer uma rápida análise do pensamento do filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788 – 1860). Um pessimista consola-se com outro, e isto talvez explique meu relacionamento de longa data com este senhor, sempre a socorrer-me nos vales da vida, apontando: “existe coisa pior”.

Tal empreitada veio-me à cabeça após ler uma aceitável e breve resenha de um senhor que não conheço, chamado Ednilson José dos Santos, que encontrei nas páginas do Facebook e expõe o pensamento do meu amigo alemão, companheiro de tantos abismos, a qual reproduzo abaixo. A minha análise virá logo depois.

“O pensamento de Arthur Schopenhauer sobre a relação entre inteligência e sofrimento está profundamente enraizado em sua filosofia pessimista, que ele desenvolveu em obras como ‘O Mundo como Vontade e Representação’ (1818). Ele acreditava que a vida é dominada por uma força cega e irracional, a ‘vontade’, que impulsiona todos os seres vivos a desejarem incessantemente, resultando em frustração e sofrimento.

No contexto da frase mencionada — ‘quanto mais claro é o conhecimento do homem, quanto mais inteligente ele é, mais sofrimento ele tem’ — Schopenhauer sugere que a consciência e a inteligência são uma espécie de maldição. Quanto mais uma pessoa entende a realidade, mais ela percebe as tragédias e absurdos da existência humana.

A visão de Schopenhauer sobre sofrimento e consciência

Ignorância como bênção: Pessoas com menos inteligência tendem a viver focadas em necessidades imediatas e prazeres simples, sem refletir profundamente sobre o sentido da vida ou sua falta. Para Schopenhauer, essa ignorância os protege de sofrer tanto quanto aqueles que analisam o mundo em profundidade.

O gênio como solitário: O ‘gênio’, ou a pessoa extremamente inteligente, sofre mais porque vê além das ilusões que sustentam a maior parte da humanidade. Ele percebe a transitoriedade da felicidade, a inevitabilidade da morte e a luta constante pela sobrevivência. Esse entendimento pode levá-lo a um estado de alienação ou melancolia.

A busca pela superação: Schopenhauer acreditava que o sofrimento do ser humano pode ser minimizado, mas não eliminado. Ele via a arte, especialmente a música, como um meio de transcender temporariamente a ‘vontade’ e alcançar um estado de contemplação pura, onde o sofrimento é momentaneamente suspenso.

Influências filosóficas e culturais

Schopenhauer foi influenciado pelo budismo, hinduísmo e o pensamento kantiano. Ele reconhecia semelhanças entre sua visão pessimista e o conceito budista de ‘dukka’ (sofrimento inerente à existência). Assim como o budismo prega o desapego para aliviar o sofrimento, Schopenhauer defendia que a negação da vontade de viver poderia libertar o indivíduo.

Impacto na cultura e na filosofia

A filosofia de Schopenhauer influenciou muitos pensadores e artistas, como Nietzsche (que inicialmente o admirava), Freud (em sua teoria do inconsciente), Wagner (em sua música) e escritores como Dostoiévski, Proust e Thomas Mann. Sua visão pessimista encontrou eco em movimentos como o existencialismo e o niilismo, que também exploram o sofrimento humano e o sentido da vida.

Reflexão contemporânea

Hoje, muitos veem a ideia de Schopenhauer como uma provocação para repensarmos nossa relação com o conhecimento. Embora o aumento da consciência possa trazer dor, ele também pode gerar empatia, criatividade e um desejo de transformar o mundo. Esse paradoxo é parte essencial da experiência humana.

Se quisermos sintetizar a essência dessa ideia, ela nos lembra que o sofrimento não é apenas um fardo, mas também um sinal de profundidade, sensibilidade e conexão com a complexidade do mundo.”

Conforme prometido, segue nas próximas linhas a minha tentativa de reanimar o espírito – como de hábito – amparado nas muletas de Schopenhauer e fazendo o contraponto necessário, com a devida dose de realismo, a amenizar o pessimismo de ambos: meu e de Schopenhauer.

 

 

Uma análise da relação entre inteligência e sofrimento em Schopenhauer, sob uma ótica realista

As relações entre a inteligência e o sofrimento, conforme Arthur Schopenhauer, é um tema que atravessa não só sua filosofia “pessimista” mas, também, diversas correntes do pensamento ocidental. Tentando emprestar uma visão não tão “apocalíptica” às ideias de Arthur, ouso supor que a questão pode se desdobrar em aspectos que vão além do pessimismo absoluto, sempre tentando compreender o verdadeiro papel do sofrimento e da inteligência na construção da ordem social e da (vá lá) grandeza humana.

 

A inteligência: condenação ou vocação?

Eu diria de pronto: condenação. Schopenhauer, fazendo coro, afirmava que “quanto mais claro é o conhecimento do homem, quanto mais inteligente ele é, mais sofrimento ele tem”. Essa ideia, embora eu compartilhe e seja coerente com sua visão de mundo, pode ser vista sob uma ótica mais realista e, até, conservadora. Uma profunda percepção da realidade sempre irá gerar desafios e, inevitavelmente, sofrimento, perplexidade, decepção e dor, mas também pode conferir ao indivíduo – se ele assim o desejar – a capacidade de influenciar e transformar sua própria vida e a conjuntura da sociedade – vide a fantástica obra de Olavo de Carvalho, o verdadeiro criador do que hoje chamamos “direita conservadora” no Brasil.

Edmund Burke, um dos principais teóricos do conservadorismo, defendia que a ordem e a tradição eram fundamentais para evitar o caos e a desorientação que o excesso de racionalismo poderia trazer. Nesse sentido, a inteligência não precisa necessariamente ser um peso, mas sim um instrumento para construção e manutenção de uma ordem social justa. O sofrimento inerente ao conhecimento não seria necessariamente uma condenação, mas um caminho para a verdadeira compreensão da vida e do dever moral.

 

O papel da tradição e da religião, atenuando o sofrimento

Posso reconhecer que o sofrimento é um fator da condição humana, mas – ainda que um tanto quanto relutante, dada minha pouca fé – divirjo de Schopenhauer quando suponho que o mesmo pode ser atenuado não apenas pela arte ou pela negação da vontade, mas também pela religião, pela cultura e pela vida comunitária. O cristianismo, por exemplo, nos oferece uma perspectiva na qual o sofrimento é compreendido como um elemento de crescimento espiritual e redenção, ao contrário da resignação pessimista schopenhaueriana.

Russell Kirk, outro expoente do pensamento conservador, fazia coro à Burke ao enfatizar que a civilização se sustenta em valores perenes que oferecem sentido à vida, reduzindo o desespero existencial que a hiperracionalização pode gerar. Dessa forma, a inteligência, quando orientada por princípios morais e religiosos, pode ser uma bênção e não uma maldição.

 

 

A solidão do gênio e a responsabilidade da elite intelectual

Schopenhauer sugere que o gênio, por enxergar a transitoriedade da felicidade e a luta incessante da vida, é condenado à solidão e à melancolia – e apresso-me a esclarecer que este não é meu caso: não sou gênio, apenas atravesso vales e escalo picos, embora a melancolia e a solidão sejam idênticas.

Embora essa visão tenha, a meu ver, total fundamento, alguém mais otimista poderá dizer que há, nela, um excesso causador do imobilismo. Devemos reconhecer que as elites intelectuais têm uma responsabilidade na orientação moral e cultural da sociedade, e o sofrimento decorrente do conhecimento profundo da realidade não deve levar à alienação, mas à ação.

Aqui é o momento de citar Alexis de Tocqueville, que via na aristocracia intelectual e moral um elemento essencial para a preservação da liberdade e da ordem. Para ele, a inteligência não era uma prisão, mas um chamado ao dever. Assim, ao invés de se resignar ao sofrimento, o gênio pode e deve influenciar positivamente sua sociedade, respeitando as tradições e contribuindo para a manutenção dos valores que sustentam a civilização – e este é o momento em que saio de cena, deixando tal trabalho para outros, bem mais e melhor qualificados que eu.

 

A realidade do sofrimento: aceitação, não vitimismo

Qualquer pensamento realista pode reconhecer que o sofrimento é inerente à vida, mas não o absolutiza como faz Schopenhauer. O homem não é apenas uma vítima da “vontade cega”; ele tem livre-arbítrio e capacidade de agir. Roger Scruton, um dos maiores intelectuais conservadores contemporâneos e que será objeto de maiores estudos em meu próximo livro, sobre a beleza, argumentava que a verdadeira grandeza do homem está em sua capacidade de encontrar algum significado maior em tudo, mesmo diante do sofrimento.

Por outro lado, o pensamento estóico – filosofia que muito me apraz mas, ao que parece, transformou-se atualmente em “auto-ajuda” – representado por Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio, defende que o sofrimento é uma oportunidade para o aperfeiçoamento moral. Para os estóicos, não é o sofrimento em si que importa, mas a maneira como o indivíduo responde a ele. A dor e as adversidades devem ser enfrentadas com serenidade e autodisciplina, pois fazem parte da ordem natural do mundo e do desenvolvimento da virtude. Enquanto Schopenhauer enfatiza a resignação, os estóicos ensinam a cultivar a resiliência e a dignidade diante das dificuldades.

Portanto, uma visão verdadeiramente realista rejeita tanto o otimismo ingênuo quanto o pessimismo paralisante. A inteligência traz desafios, sim, mas também a possibilidade de construir, preservar e transmitir um legado que dê sentido à existência humana.

 

Conclusão

A visão de Schopenhauer sobre a relação entre inteligência e sofrimento, embora brilhante em sua análise da condição humana, pode ser considerada excessivamente pessimista. Sob uma ótica mais sã que a minha neste momento (não estou em meus melhores dias), compreenderemos que o sofrimento existe, mas ele pode ser ordenado e atenuado pela maneira como reagimos ao mesmo e, também, pela tradição, religião, pelo compromisso moral e responsabilidade das elites intelectuais.

Ao fim e ao cabo, a inteligência está longe de ser uma maldição, antes é uma vocação que, quando bem orientada, permite que a humanidade não apenas suporte a dor da existência, mas também a transcenda, edificando uma civilização digna e ordenada.

Mas confesso descrer de todo o exposto acima quando estou na fila do caixa bancário e vejo, sem nenhuma esperança, como coça a cabeça aquele senhor pagando suas contas, bem à minha frente.

Tento me reanimar pensando que em algum momento, ainda naquele dia, ele terminará.

Cumprida a promessa que fiz, a análise está feita. Espero que gostem.

 

 

WALTER BIANCARDINE
__________
Walter Biancardine foi aluno de Olavo de Carvalho, é analista político, jornalista (Diário Cabofriense, Rede Lagos TV, Rádio Ondas Fm) e blogger; foi funcionário da OEA – Organização dos Estados Americanos.