Esta é uma rubrica muito pessoal, que introduz a banda sonora de uma vida. Não há grandes regras a não ser a de seguir uma sequência cronológica, escolher não mais que um disco por banda ou autor e inserir não mais que um videoclipe por álbum, para que a coisa mantenha um tom adequadamente telegráfico.

 

Breakfast in America – Supertramp

“Take a look at my girlfriend, she’s the only one I got
Not much of a girlfriend, I’ve never seem to get a lot”

Ao facto de estar com dificuldades em avançar nos anos 80, acresce um regresso a 1979. Mas tem que ser. O primeiro concerto da minha vida é o da digressão deste disco imortal, no Dramático de Cascais. Era tão novinho que mesmo o meu melhor amigo, que era dois anos mais velho do que eu, teve que levar a irmã para tomar conta da gente.
Como acontece com todos os casos anteriores, este disco sou eu e vice-versa. A quantidade de horas de felicidade que os Supertramp me ofereceram, no correr da vida, com esta obra de arte pop, não tem contabilidade possível. Enquanto em discos de que já falei e noutros que mencionarei a seguir, estes são os anos iniciais da celebração romântica que infectou a pop da década de 80, Rick Davies e Roger Hodgson propõem um registo mais cínico e existencialista, que é um um dedo indicador a rodar sobre uma ferida aberta. Como um estranho e anacrónico pequeno-almoço com Sartre, num café da Broadway, “Breakfast In America” é um triunfo artístico porque nos faz cantar no duche, sim, mas sobretudo porque nos faz pensar na vida. E no seu peso insustentável.
Uma refeição para os anais.

 

Approved By The Motors – The Motors

1978. Estes rapazinhos aqui com um ar excessivamente limpinho para serem estrelas rock do seu tempo lançam uma anacrónica e absolutamente fabulástica rodela de vinil, que está tão perto da perfeição melódica e é tão certinha e faz tanto sentido nos tímpanos que é quase impossível pensar que foi gravado na época estridente e apunkalhada em que foi gravado.
Canções como “Forget About You” e “Airport” são excessivamente belas para compaginarem com aquilo que os Ramones, os Clash, os B-52” ou os Tubes faziam na altura. São hinos com asas de cera, frágeis mas épicos, como se Ícaro de repente assumisse uma carreira na indústria musical do século XX.
Há qualquer coisa nos acordes vibrantes deste disco que apela aos nossos melhores instintos. Há qualquer fenómeno harmónico neste breves e despretensiosos temas que é de uma pureza, de uma crueldade sem malícia, de uma fé na música, que é simplesmente enternecedor. Que nos eleva para além dos ridículos e das incertezas. Que nos transporta para o aeroporto da nostalgia.

 

 

A Flock of SeagullsA Flock of Seagulls

O filme de ficção científica que nunca realizei tem esta banda sonora. 38 anos depois de ter sido gravado, o sacana do disco ainda soa muito à frente: é uma decadente-futurista e visionária discoteca do século quarenta e dois com, convenhamos, a capa mais feia que alguma vez escondeu uma rodela de vinil. Mas também com uma malha que deve estar entre as minhas 20 mais amadas de sempre: “Spage Age Love Song”. A letra, que disputa com alguns temas dos Ramones o título do minimalismo absoluto, é preguiçosa à brava. A progressão melódica, também. Mas o riff é incrível e há coisas que não se explicam nem requerem aprovação académica e uma dessas coisas é esta música.
A Flock of Seagulls. A banda que vai contigo para Marte.

 

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