Para surpresa de toda a gente, o governo da Síria caiu: Bashar al-Assad demitiu-se e fugiu do país e o seu exército debandou para o Iraque. Os acontecimentos desenrolaram-se rapidamente ontem, com os rebeldes a tomarem o controlo total de Damasco sem grande resistência, depois de nas últimas semanas terem capturado as cidades de Aleppo, Hama e Homs.

 

 

Milhares de pessoas saíram para as ruas e começaram a destruir estátuas e símbolos do antigo líder, que se pensa ter escapado para Abu Dhabi.

 

 

As forças rebeldes sírias são lideradas por Abu Mohammed al-Jolani, antigo comandante da Al-Qaeda e actual líder do grupo extremista sunita Hayat Tahrir al-Sham (HTS), classificado como organização terrorista pela maioria dos governos do mundo. Há relatos de que as prisões estão a ser esvaziadas pelos rebeldes.

 

 

É claro que na Síria se jogou uma dimensão do conflito entre a Rússia e o Ocidente, com os rebeldes jihadistas a serem apoiados pela CIA e pelo Pentágono. Neste contexto, o Kremlin, que apoiava militar e politicamente o regime de al-Assad, sofreu uma significativa e embaraçosa derrota geo-estratégica. E é agora mais que certo que o país do Médio Oriente se vai tornar num califado islâmico.

Também o Irão, que tem interesses económicos e mantém milícias militares na Síria, somou ontem um revés na sua esfera de influência regional.

A Turquia, um país fundamental neste xadrez, e no qual os russos confiavam para salvaguardar o regime de al-Assad, deixou cair o seu apoio, muito provavelmente em troca de promessas do Ocidente de que será o país através do qual o petróleo sírio chegará à Europa. Como o Contra já documentou em Julho deste ano, a Europa tem mantido uma política dual em relação à Síria, condenando a guerra civil e recebendo refugiados aos milhões, enquanto alimenta a guerra civil no terreno, de forma a promover uma mudança de regime que oriente as exportações do petróleo sírio para o velho continente, substituindo assim o crude russo por mais ouro negro proveniente do Médio Oriente.

Um claro vencedor deste desenlace é Israel, que já está a ocupar territórios na Síria e que, face a um regime de terroristas islâmicos terá mais razões para justificar o seu comportamento beligerante na região.

É também importante sublinhar que o Estado profundo dos EUA, que apoiou a insurreição jihadista, será muito provavelmente, a curto ou médio prazo, uma força tendente a fazer a guerra aos radicais islâmicos que agoram tomaram o poder no país. O paradoxo é apenas aparente. Esta é a lógica do complexo militar e industrial americano: criar contextos que alimentem o perpétuo estado de guerra no Médio Oriente.

 


 

Donald Trump pronuncia-se. E não acerta uma.

O Presidente Eleito dos EUA, Donald Trump, emitiu uma declaração sobre os acontecimento na Síria e a guerra na Ucrânia, onde lemos:

“Assad desapareceu. Ele fugiu do seu país. O seu protector, a Rússia, Rússia, Rússia, liderada por Vladimir Putin, já não estava interessada em protegê-lo. Não havia razão para a Rússia estar lá em primeiro lugar. Eles perderam todo o interesse na Síria por causa da Ucrânia, onde cerca de 600.000 soldados russos jazem feridos ou mortos, numa guerra que nunca deveria ter começado e que poderá continuar para sempre. A Rússia e o Irão estão num estado enfraquecido neste momento, um por causa da Ucrânia e de uma má economia, o outro por causa de Israel e do seu sucesso na luta. Da mesma forma, Zelenskyy e a Ucrânia gostariam de fazer um acordo e parar com a loucura. Perderam ridiculamente 400.000 soldados e muitos mais civis. Deveria haver um cessar-fogo imediato e as negociações deveriam começar. Demasiadas vidas estão a ser desperdiçadas desnecessariamente, demasiadas famílias destruídas e, se isto continuar, pode transformar-se em algo muito maior e muito pior. Eu conheço bem Vladimir. Este é o momento de ele agir. A China pode ajudar. O mundo está à espera!”

Esta declaração tem vários equívocos e só reforça a ideia, já anunciada pelo Contra, de que Trump será incapaz de promover a paz tanto na Ucrânia como no Médio Oriente. A Rússia não experiencia neste momento uma “má economia”, muito pelo contrário, nem está num “estado enfraquecido”, tendo conseguido nos últimos meses avanços significativos na frente ucraniana, tanto como na frente diplomática, com importantes sucessos, de que a aliança com a China e a solidificação do BRICS são exemplos claros. A referência a Zelensky como um líder predisposto a “fazer um acordo” é excessivamente estúpida para merecer grandes comentários. O comediante ucraniano apenas reconheceu, até agora, que sem o apoio ocidental não poderá recuperar a Crimeia. E afirmou que nunca entregará o Donbass por meios pacíficos. E estas admissões não constituem de todo qualquer tipo de plataforma negocial que leve o Kremlin à mesa das negociações.

A afirmação de que Israel tem tido “sucesso na sua luta” também é própria de quem está a observar a situação com lentes foscas. O regime de Benjamin Netanyahu está em guerra com o Hamas em Gaza, com o Hezbolah no Líbano, com o Irão e, a partir de agora, muito provavelmente, com o califado sírio (apesar da Mossad ter apoiado a inssurreição). Muito dificilmente poderá sair vencedor em todas estas frentes sem massiva ajuda ocidental.

 

 

Trump tinha anteriormente apelado à administração Biden para não se envolver na guerra civil síria. Numa outra publicação no Truth Social, Trump escreveu:

“Os combatentes da oposição na Síria, num movimento sem precedentes, tomaram totalmente várias cidades, numa ofensiva altamente coordenada, e agora estão nos arredores de Damasco, preparando-se obviamente para dar um grande passo para derrubar Assad. A Rússia, por estar tão envolvida na Ucrânia, e com a perda de mais de 600 mil soldados, parece incapaz de parar esta marcha literalmente através da Síria, um país que protegeu durante anos. Foi aqui que o antigo Presidente Obama se recusou a honrar o seu compromisso de proteger a LINHA VERMELHA NA AREIA, e o inferno rebentou, com a Rússia a intervir. Mas agora eles estão, como possivelmente o próprio Assad, a ser forçados a sair, e isso pode ser realmente a melhor coisa que lhes pode acontecer. Nunca houve grandes benefícios para a Rússia na Síria, para além de fazer Obama parecer muito estúpido. Em todo o caso, a Síria é uma confusão, mas não é nossa amiga, e OS ESTADOS UNIDOS NÃO DEVEM TER NADA A VER COM ISSO. ESTA NÃO É A NOSSA LUTA. DEIXEM QUE SE DESENROLE. NÃO SE ENVOLVAM!”

Estas palavras pecam por tardias, como é agora bem evidente.

 

 

Entretanto, os imigrantes sírios na Europa, vieram para a rua festejar o triunfo da organização terrorista no seu país. Num mundo normal, agora que já têm no poder os seus líderes extremistas, agora que já não serão perseguidos pelo regime al-Assad, estes ‘refugiados’ deveriam ser conduzidos pelos estados europeus à sua proveniência. Escusado será dizer que nada disso irá acontecer.