A Reserva Federal anunciou na quarta-feira passada um corte nas taxas de juro há muito aguardado, baixando a taxa de referência em 0,5 pontos base em relação ao nível mais elevado em 23 anos, com o banco central a aliviar os custos dos empréstimos na sequência de alegados progressos na luta contra a inflacção.
O primeiro corte da taxa de juro da Fed desde Março de 2020 reduz a taxa de referência dos fundos federais para um intervalo de 4,75% a 5%.
As taxas de juros mantiveram-se num intervalo de 5,25% a 5,5% desde Julho de 2023, o nível mais alto desde 2001, enquanto o banco central monitorava os dados económicos em busca de sinais de que a inflacção estava tendendo para a sua meta de 2%.
A decisão surpreendeu os mercados, não pela redução das taxas de juro, mas pela escala – 0,5 pontos em vez dos esperados 0,25 – indicando que, apesar da inflacção ser ainda uma realidade, a fragilidade da economia americana representa neste momento uma preocupação maior.
Os últimos meses deram alguns sinais de progresso de que a inflacção está a aproximar-se do objectivo da Reserva Federal, embora os dados mais recentes mostrem que ainda não chegou lá. A subida de preços abrandou para 2,5% numa base anual em Agosto, contra 2,9% no mês anterior e muito abaixo do pico deste ciclo inflacionista, de 9,1% em Junho de 2022.
O presidente do Reserva Federal, Jerome Powell, disse numa conferência de imprensa após o anúncio da decisão que o banco central está focado em
“alcançar os nossos objectivos de mandato duplo de emprego máximo e preços estáveis para o benefício do povo americano. A nossa economia é globalmente forte e fez progressos significativos em direcção aos nossos objectivos nos últimos dois anos. Esta decisão reflecte a nossa confiança crescente de que, com uma recalibração adequada da nossa orientação política, a força do mercado de trabalho pode ser mantida num contexto de crescimento moderado e de inflacção a descer de forma sustentável para 2%.”
Há aqui tantas falsidades que é admirável que Powell tenha conseguido expressá-las com uma cara séria. Se a Reserva Federal perseguisse objectivos minimamente relacionados com o “emprego máximo”, o benefício do povo americano e a estabilização dos preços, a sua política monetária seria precisamente a inversa daquela que cumpriu nos últimos 20 a 30 anos. A economia americana é, neste momento, globalmente forte apenas porque continua a enriquecer os corretores de Wall Street e os accionistas do capitalismo corporativo, enquanto abastece de moeda o despesismo ensandecido do governo federal. Afora esses indicadores, o estado da economia é deplorável e a condição global do dólar nunca foi tão precária. Para além disso, é mais que questionável que a inflacção desça “de forma sustentável para 2%”, depois desta redução significativa das taxas de juro.
Acresce que a “força do mercado de trabalho” norte-americano foi recentemente desmentida pelo último relatório de emprego dos Estados Unidos, que mostrou a criação de novos postos de trabalho significativamente abaixo das expectativas, e o desemprego significativamente acima das expectativas.
E de todo em todo: se a economia americana se apresentasse de saúde, nenhum economista com dois neurónios a funcionar reduziria desta forma as taxas de juro. As taxas de juro sobem quando a economia respira saúde e descem quando a economia está doente. Num mundo normal.
Perguntado se está a colocar a carroça à frente dos bois, porque a inflacção ainda está acima dos seus alegados objectivos de estabilização, ou se, por outro lado, está a agir demasiado tarde para chegar cedo, porque uma recessão será agora inevitável, Powell respondeu de forma redondinha e insubstancial, como é seu costume:
“Eu diria que não achamos que estamos atrasados. Pensamos que isto é oportuno, mas penso que pode ser entendido como um sinal do nosso empenho em não ficar para trás”.
O presidente sublinhou que a Fed tomará acrescidas decisões sobre a evolução negativa das taxas de juro em tempo real, com base nos dados económicos, afirmando:
“Podemos ir mais depressa se for apropriado, podemos ir mais devagar se for apropriado, podemos fazer uma pausa se for apropriado. É isso que estamos a considerar. Não vejo nada na economia neste momento que sugira que a probabilidade de uma recessão seja elevada”.
O globalista-corporativista foi também questionado sobre as implicações da sua decisão, dado que faltam menos de dois meses para as eleições e já que ao baixar as taxas de juro em 0,5 pontos está nitidamente a dar sinais de que, ao contrário das narrativas regimentais, e economia americana não está de saúde. Powell voltou a ser evasivo, sugerindo que os decisores do Fed se concentram na melhor forma de “apoiar a economia em nome do povo americano” e observando que as acções do Fed se limitam a seguir, como um ligeiro atraso, as decisões políticas.
É precisamente o inverso que acontece: As decisões dos altos quadros da Fed, eleitos por ninguém, definem as políticas depois institucionalizadas no Capitólio e na Casa Branca. É importante voltar a sublinhar que o bem estar do povo americano é, histórica e actualmente, a última das prioridades da Reserva Federal Americana, que nem sequer é uma instituição pública, mas uma organização mafiosa detida por um sindicato de grandes bancos, que defende exclusivamente os interesses dos conglomerados financeiros, a quem os americanos confiam, num exemplo claro da sua esquizofrenia colectiva, a regulação da sua economia.
Powell já havia sinalizado que o banco central não planeava esperar que a inflacção atingisse 2% para reduzir as taxas de juro. Em Julho, explicou que “se esperarmos até que a inflacção desça para 2%, provavelmente já esperámos demasiado tempo, porque o controlo que estamos a fazer, ou o nível de controlo que temos, ainda está a ter efeitos que provavelmente levarão a inflacção para menos de 2%”.
A próxima reunião de política da Reserva Federal terá lugar de 6 a 7 de Novembro, logo após as eleições marcadas para o dia 5 desse mês, enquanto a última reunião do ano terá lugar de 17 a 18 de Dezembro.
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