Dois terços dos cidadãos norte-americanos acreditam que o ‘sonho americano’ é inatingível. Esta é uma acusação contundente a um sistema que se está a desmoronar a cada dia que passa. Há 20, 30 anos parecia que quase toda a gente nos EUA fazia parte da classe média. Nessa altura, as pessoas, equivocadas ou não, davam por adquirido que, se trabalhassem afincadamente, podiam ter uma casa bonita, uma família saudável, um par de automóveis e uma reforma confortável. Mas agora esse tipo de estilo de vida está fora do alcance da maior parte da população. De facto, uma nova sondagem do Wall Street Journal/NORC descobriu que apenas um terço dos americanos pensa que o ‘sonho americano’ ainda está vivo.
Um inquérito realizado em 2012 a 2.501 pessoas pelo Public Religion Research Institute revelou que mais de metade dos inquiridos acreditava que o ‘sonho americano’ ainda era válido, mas agora apenas um terço pensa o mesmo, segundo uma sondagem do WSJ/NORC, realizada junto de 1.502 adultos. O estudo também revelou um fosso cada vez maior entre os objectivos económicos das pessoas e o que elas pensam que é realmente possível alcançar – uma tendência que foi consistente em todas as linhas de género e partidárias, mas que é especialmente comum entre as gerações mais jovens.
Estes números são mais uma prova de que a classe média está a morrer, nos EUA.
O declínio da fé no ‘sonho americano’ coincide com a queda na percentagem de americanos que acreditam que casa própria e segurança financeira são alcançáveis, segundo a sondagem. Apenas 10% dos inquiridos na sondagem do WSJ acreditam que ser proprietário do seu domicílio é “fácil ou algo fácil”, apesar de 89% dos inquiridos considerarem a propriedade como “essencial ou importante para a sua visão do futuro”.
Vale a pena parar para pensar no que vai na cabeça dos restantes 11%.
O mesmo se aplica à segurança financeira, com apenas 9% dos inquiridos a afirmarem que alcançar a segurança financeira é “fácil ou algo fácil”, apesar de 96% acreditarem que é “essencial ou importante”, segundo o WSJ.
Actualmente, é difícil encontrar um assunto sobre o qual cerca de 90% dos americanos concordem, mas, no que respeita a esta questão, existe um consenso esmagador.
Toda a gente consegue ver que a habitação se tornou incrivelmente inacessível. De facto, acabámos de saber que os preços das casas acabaram de estabelecer um novo recorde histórico. Mesmo quando as taxas de juro das hipotecas estavam a subir, os preços das casas atingiram o nível mais elevado de sempre no Índice Nacional de Preços das Casas nos EUA S&P CoreLogic Case-Shiller.
Numa média de três meses terminada em Junho, os preços a nível nacional eram 5,4% mais elevados do que em Junho de 2023, de acordo com os dados divulgados na terça-feira.
No geral, os preços das casas nos EUA aumentaram mais de 1.000% desde 1974. Aqueles que compraram casa na década de 1970 estão hoje a somar grandes lucros, mas os que estão actualmente a tentar comprar casa encontram obstáculos difíceis de ultrapassar.
Para além da pressão sobre a oferta exercida pela imigração, um dos problemas fundamentais da habitação, no Ocidente e não apenas nos Estados Unidos, é que milhões de casas estão a ser compradas como investimentos, pelos senhores do universo de Wall Street. Ironicamente, estes investimentos estão, em grande parte dos casos, a ser feitos com o dinheiro das reformas da classe média, ou seja: com os rendimentos dos pais, impossibilita-se a propriedade aos filhos.
Convenhamos, é uma estratégia genial, se o teu herói é Darth Vader.
Até o parque imobiliário menos cotado é alvo da ganância dos gestores de fundos. Os investidores imobiliários compraram 26,1% das casas de baixo preço vendidas nos EUA no quarto trimestre. É a percentagem mais elevada de que há registo e está acima dos 24% do ano anterior.
Estas aquisições em escala inaudita têm dois efeitos inflaccionários: reduzem a oferta e, ao comprarem cegamente e sem pressão de ganhos imediatos (os fundos de reforma projectam lucros a longo prazo), muitas vezes acima do preço de mercado, sem negociação com quem vende, elevam os preços médios por metro quadrado.
A classe média está a ser sistematicamente erradicada e as pessoas cruzam os braços e deixam que isso aconteça. Actualmente, um grande número de americanos vive na indigência, enquanto o governo federal gasta triliões de dólares em ajudas a países como o Afeganistão, a Ucrânia e Israel.
Ao longo de toda a história dos EUA, a maior parte dos jovens podia partir do princípio de que se sairia melhor do que os seus pais. Mas isso começou a mudar há várias décadas. De acordo com Nathaniel Hendren, professor de economia do MIT, e Raj Chetty, economista da Universidade de Harvard, “apenas cerca de metade das crianças em 1980 acabaram por ser mais ricas do que os seus pais”. Em 1940, este número era de cerca de 90%.
Uma análise da GoBankingRates determinou que o ‘sonho americano’ custa agora mais de 150.000 dólares por ano para uma família de quatro pessoas, mas esse valor varia muito consoante o local onde se vive. No Havai, é necessário um rendimento anual de 260.734 dólares para uma família de quatro pessoas viver o ‘sonho americano’. No Mississippi, é necessário um rendimento anual de 109.516 dólares para uma família com o mesmo número de membros. É claro que ganhar mais de 100.000 dólares por ano está fora do alcance da maior parte das pessoas, nesta altura do campeonato.
As gerações anteriores entregaram aos americanos contemporâneos as chaves da maior máquina económica que o mundo alguma vez viu, mas estes permitiram que os seus líderes a destruíssem, que desvalorizassem a moeda, que fizessem explodir a dívida soberana. A certo passo, as elites pensaram que podiam desafiar as leis da economia, e a plebe acreditou nesse mito.
Os resultados estão à vista. Nos EUA, como na Europa.
Na vertente económica, como na política, como na cultural, como na científica, vamos deixar aos nossos filhos um mundo muito pior do que os nossos pais nos legaram. E isto não é dizer pouco.
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