“A política gnóstica é autodestrutiva na medida em que o seu desrespeito pela estrutura da realidade leva a uma guerra contínua.”
Eric Voegelin
A insistência em tentar reestruturar a realidade de acordo com idealismos expressa uma incongruência fundamental e uma imaturidade na compreensão das complexidades do mundo real. É inegável que esse costume é fadado ao fracasso, pois a natureza segue suas próprias leis e a realidade é regida por suas próprias regras. Portanto, é crucial que nos alinhemos com a realidade como ela é, em vez de tentar moldá-la de acordo com nossos caprichos.
A incompatibilidade das ideologias decorre precisamente de sua natureza idealista, que frequentemente entra em conflito com as realidades e leis do mundo. Essa incoerência transforma a sociedade em uma estrutura frágil, destinada a ruir sob seu próprio peso. Aqueles que compreendem verdadeiramente as estruturas da realidade são compelidos a aceitá-las, pois qualquer tentativa de negá-las seria uma negação de sua própria inteligência e uma guerra contra a razão natural. A honestidade exige que abandonemos os idealismos e ideologias, abraçando a realidade tal como ela se apresenta.
É importante reconhecer que a verdade não é um ponto de chegada imóvel, mas sim um caminho contínuo de busca a ser percorrido. Ainda que consigamos chegar a certas verdades, isso não será suficiente, sempre haverá mais a ser compreendido. Isso demanda sacrifício e coragem. Qualquer luta entre dois caminhos irá apresentar com prontidão essa demanda.
Eric Voegelin, (renomado cientista político e filósofo alemão) ressalta a importância da narrativa na formação de nossa visão de mundo. Ele argumenta que, apesar de nossos esforços para manter uma objetividade imparcial, inevitavelmente nos envolvemos em narrativas que moldam nossa compreensão da realidade. Voegelin alerta para os perigos das narrativas que buscam diluir a essência humana em pretextos histórico-filosóficos, destacando os impactos negativos na concepção de responsabilidade, moral e história.
Profético em sua análise, Voegelin compreendia os perigos das ideologias e seus efeitos nocivos. Nos tempos atuais, testemunhamos como as ideologias políticas polarizam o mundo, consolidando falsas bases sob bandeiras de representatividade. Isso resulta na diluição da realidade objetiva e na ascensão da subjetividade, relativismo e indiferença em relação ao objetivo.
Essa jornada rumo a uma compreensão mais profunda da realidade requer uma disposição constante para questionar, bem como para considerar novas perspectivas e informações que desafiam nossas visões de mundo estabelecidas. E isso significa sair da zona de conforto e enfrentar as reações adversas as suas opiniões impopulares.
Obscurecer a verdade e distorcer a realidade em nome de uma visão preconcebida do mundo é a substância de qualquer ideologia. E isso é justamente o objetivo de toda e qualquer política identitária. Ao invés de promover a compreensão mútua e a cooperação para superar os problemas reais, elas alimentam o conflito e a desconfiança, criando um ambiente propício para a manipulação e a exploração das massas. Nesse cenário, a busca pela verdade e pela responsabilidade individual se torna ainda mais crucial. Devemos resistir à tentação de nos deixarmos levar por narrativas simplistas e redutoras, e criar consciência de que mudar através do coletivo é mais uma das narrativas empregadas pelos ideólogos.
Não há mudança no coletivo que não passe por muito trabalho no âmbito individual.
Somente através do compromisso com a honestidade intelectual podemos esperar construir alguma coisa que seja verdadeira e harmoniosa dentro da nossa vida particular. É necessário crescer para reconhecer que a verdadeira grandeza reside na capacidade de aceitar e absorver as adversidades, experiências e perspectivas que enriquecem a maturidade.
PAULO H. SANTOS
____________________
Paulo H. Santos é professor particular de filosofia, bacharel em filosofia (UCP – Brasil) e licenciado em História (UNESA – Brasil). Católico. Escreve em português do Brasil
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.
Relacionados
11 Jan 25
Memento mori:
Sobre a morte e como devemos encará-la.
Vivemos excessivamente aterrorizados pela nossa condição de mortais, no Ocidente contemporâneo. Mas nem sempre foi assim. Convém regressar atrás e perceber como é que os antigos encaravam a morte, para tirarmos uma melhor experiência da vida.
22 Nov 24
A Visão
A Visão tem Idades que não percorrem uma linha cronológica, que coexistem num ponto comum e num grau variável de desenvolvimento e de expressão. Um breve ensaio de Bruno Santos.
5 Out 24
Diógenes Laércio e o elo sagrado entre a filosofia e a religião.
Como os gregos antigos, também os cristãos modernos não devem separar a religião da filosofia, porque o campo divino é racional e a consciência moral provém da sabedoria.
18 Set 24
O Eclipse da Razão,
de Max Horkheimer
Contrariando o iluminismo, o empirismo, o marxismo e qualquer tentativa de economia intelectual, Horkheimer desconstrói e dessacraliza dogmas caros à filosofia, à sociologia e à ciência política do Século XX. Um livro escrito noutro contexto histórico, para ler agora.
7 Set 24
Ética e Educação
A missão principal do professor, que é tanto ética como política, é a de ajudar os seus estudantes a fazer opções conscientes no umbral do “jardim dos caminhos que se bifurcam”. Um ensaio de Bruno Santos.
30 Ago 24
Ser moral é uma escolha.
Paulo H. Santos conclui que a recusa da moral cristã no Ocidente, é também a decisão de restringir a experiência da realidade histórica. Como testemunhamos nos tempos que correm, o preço a pagar por essa recusa e por essa decisão é excessivamente alto.