Os buracos negros há muito que capturam a imaginação do público e são objecto da cultura popular. Nas últimas décadas são também uma obsessão da cosmologia estabelecida, que, como o Contra já documentou, encontrou uma solução metafísica para os problemas da física: os buracos negros resolvem tudo, criam tudo, destroem tudo. São o fim e o princípio de tudo, verdadeiros demiurgos do universo conhecido.

E é por isso que a maior parte dos leigos nem sequer se apercebe que estes objectos mais negros e densos do universo, que nem sequer deixam escapar a luz, constituem uma teoria e que, também ao contrário do que muitas vezes é noticiado na imprensa, não têm qualquer demonstração empírica, para além das ondas gravitacionais que, de qualquer forma, podem ser criadas por outros fenómenos cósmicos.

Consubstanciando as desconfianças sobre a existência real deste fenómeno no universo, Laura Mersini-Houghton, professora de física na Faculdade de Artes e Ciências da Universidade da Carolina do Norte – Chapel Hill, provou, matematicamente, que os buracos negros não podem existir. O trabalho de Mersini-Houghton não só obriga os cientistas a reimaginar o tecido do espaço-tempo, mas também a repensar as origens do universo.

A propósito do seu paper, a cosmóloga afirmou:

“Ainda não ultrapassei o choque. Há mais de 50 anos que estudamos este problema e esta solução dá-nos muito que pensar”.

A física estabelecida estipula que os buracos negros se formam quando ocorre uma singularidade: uma estrela colapsa sob a sua própria gravidade num único ponto do espaço (imagine-se a Terra comprimida numa bola do tamanho de um amendoim). Segundo a teoria, a singularidade é rodeada por uma membrana invisível, conhecida como horizonte de eventos, e se atravessarmos este horizonte nunca mais podemos voltar atrás. É o ponto em que a atracção gravitacional de um buraco negro é tão forte que nada lhe pode escapar.

Acontece que a natureza, por definição, não cria singularidades. E a razão pela qual os buracos negros são tão bizarros é o facto de colocarem em confronto duas teorias fundamentais do Universo. A teoria da gravidade de Einstein prevê a formação de buracos negros, mas uma lei fundamental da teoria quântica afirma que nenhuma unidade de informação pode desaparecer do cosmos. Os esforços para combinar estas duas teorias conduziram a um paradoxo matemático, que ficou conhecido como o paradoxo da perda de informação em buracos negros.

 

 

Em 1974, Stephen Hawking utilizou a mecânica quântica para demonstrar que os buracos negros emitem radiação. Desde então, os cientistas têm detectado impressões digitais no cosmos que são consistentes com esta radiação, identificando assim, indirectamente, uma lista cada vez maior de buracos negros do Universo.

Mas agora Mersini-Houghton descreve um cenário inteiramente novo. Tanto ela como Hawking concordam que, quando uma estrela colapsa sob a sua própria gravidade, produz radiação Hawking. No entanto, no seu disruptivo trabalho, Mersini-Houghton mostra que, ao emitir esta radiação, a estrela também perde massa. De tal forma que, ao encolher, deixa de ter a densidade necessária para se tornar num buraco negro.

Antes que um buraco negro se possa formar, a estrela moribunda entra num processo inflaccionário até que acaba por explodir. Nunca se forma uma singularidade, nem um horizonte de eventos. A mensagem a reter do seu trabalho é clara: não há buracos negros.

O trabalho, que foi submetido ao ArXiv, um repositório online de artigos de física, apresenta soluções numéricas exactas para este problema e foi feito em colaboração com Harald Peiffer, um especialista em relatividade numérica da Universidade de Toronto. Um artigo anterior de Mersini-Houghton foi publicado na revista Physics Letters B e apresenta soluções aproximadas para o problema.

A evidência experimental poderá um dia fornecer provas físicas da existência ou não de buracos negros no Universo. Mas, para já, Mersini-Houghton diz que a matemática é conclusiva.

Muitos físicos e astrónomos acreditam que o nosso universo teve origem numa singularidade que começou a expandir-se com o Big Bang. No entanto, se as singularidades não existem, os físicos têm de repensar as suas ideias sobre o Big Bang e se este alguma vez aconteceu. As recentes observações do James Webb Space Telescope têm também colocado em causa o modelo standard da cosmologia, a idade do universo e a eventualidade do Big Bang.

Mersini-Houghton conclui, algo pomposamente:

“Os físicos têm tentado fundir estas duas teorias – a teoria da gravidade de Einstein e a mecânica quântica – durante décadas, mas este cenário junta estas duas teorias, em harmonia. E isso é muito importante”.

É duvidoso que os cálculos da professora da Universidade da Carolina do Norte resolvam a incompatibilidade entre a física einsteiniana e a mecânica quântica. Mas colocam os buracos negros no plano em que devem estar: o da especulação teórica.