Os suspeitos do costume.

Durante a semana passada, entre clamores indignados de que o resgate do SVB seria imoral (os depositantes foram salvos pela Reserva Federal), escapou à opinião pública que os eventos que derrubaram o banco de Silicon Valley e agora também o Signature, funcionaram realmente e acima de tudo como um reforço das contas e do poder dos grandes bancos.

 

Um dia depois de muitos dos mais pequenos bancos americanos quase terem caído em falência técnica pelo pânico endémico que levou os clientes a levantarem os seus depósitos lemos no Bloomberg que

“após o colapso de três bancos mais pequenos, os seus maiores homólogos estão a registar uma onda de depositantes receosos de que a crise se dissemine”.

O JPMorgan, o maior banco dos EUA, está prestes a tornar-se muito, muito maior: só este monstro recebeu milhares de milhões de dólares nos últimos dias, e o Bank of America, o Citigroup e o Wells Fargo & Co. também estão a somar um volume de novos depósitos muito superior ao habitual. Michael Imerman, professor assistente na Business School da Universidade da Califórnia Irvine, disse à Bloomberg:

“Os seis maiores bancos dos EUA são e têm sido demasiado grandes para falir, a crise financeira de há mais de 10 anos demonstrou isso mesmo. Portanto, é mais seguro confiar num nome que oferece maior grau de certeza”.

Outros bancos também estão a capitalizar sobre as misérias alheias. O Citizens Financial Group Inc. anunciou na segunda-feira que iria prolongar temporariamente o horário das agências porque:

“observámos nos últimos dias um interesse superior ao normal por parte de potenciais novos clientes”.

O JPMorgan, que será o maior beneficiário do fenómeno, encurtou o tempo de espera para a abertura de uma conta e está a acelerar a velocidade a que os novos clientes empresariais podem aceder aos fundos que garantem os salários no final de cada semana. O banco privado do Citigroup, que tem os ricos como público alvo, está a tentar abrir contas no prazo de um dia após a candidatura, quando o prazo protocolar era de uma a duas semanas.

 

Confirmando esta tendência, o Finantial Times escreve:

“Os grandes bancos dos EUA estão a ser inundados com novos depósitos à medida que os as instituições financeiras mais pequenas enfrentam a tempestade”,

Os pequenos depósitos bancários estão a ser drenados para os tubarões. De acordo com a peça do FT:

“O fracasso do Silicon Valley Bank resulta no que os executivos dizem ser o maior trânsito de depósitos em mais de uma década. O JPMorgan Chase, o Citigroup e outras grandes instituições financeiras estão a tentar acomodar clientes que querem movimentar depósitos rapidamente, tomando medidas extra para acelerar o processo normal de inscrição, de acordo com várias pessoas familiarizadas com o assunto”.

O plano de resgate revelado pela Reserva Federal foi assim insuficiente para estabilizar a confiança dos depositantes, e apesar de ter evitado a falência de um terceiro banco após a implosão do SVB e do Signature Bank, os depositantes ainda estavam a tentar transferir saldos para bancos tradicionalmente mais sólidos, bem como para fundos do mercado monetário. Este é especialmente o caso quando os saldos excedem o limiar de 250.000 dólares que é garantido pelos seguros federais.

Os executivos da banca dizem que estão a caminhar no fio da navalha ética, e que não querem explorar a desgraça alheia. O JPMorgan já afirmou que não devem ser feitas tentativas activas de roubar clientes a rivais mais pequenos, mas os factos não corroboram a retórica. O analista bancário da Wells Fargo, Mike Mayo, observou numa nota à imprensa que:

“Golias está a ganhar. O JPMorgan é o grande beneficiário destes tempos incertos”.

Nada disto deveria ser uma surpresa, e a verdadeira história por trás do colapso do SVB está precisamente no facto de que a JPMorgan estava a tentar convencer alguns dos mais importantes clientes do SVB a movimentarem os seus fundos muito antes do banco californiano colapsar. Sim, o maior banco comercial dos EUA estava a seduzir activamente os clientes de um dos seus concorrentes, sabendo que uma fuga de depósitos levaria quase certamente ao colapso de um banco que, cortesia da reserva fraccionada, tinha apenas dinheiro para satisfazer as exigências dos juros de depósito, mas não o suficiente para dar resposta à saída repentina de 42 mil milhões de dólares.

Podemos encarar as falências do Signature Bank e do Silicon Valley Bank como divertidas e merecidas consequências da sua incompetência e do seu espúrio aticivismo woke (o Signature chegou a fechar unilateralmente a conta de Donald Trump e o SVB entretinha-se com pronomes), mas que isso não nos impeça de ver para além da espuma das coisas. Na mundo da alta finança nada acontece por acaso, e a queda do SVB estava a ser planeada em Wall Street já há uns tempos largos.