No principio era o Atlântico e a promessa além do abismo.
Haverá depois a jangada portuguesa, a vela árabe e algum optimismo.
Haverá depois, misteriosa, a vontade de aventura
e aquela espécie de medo que faz da coragem droga dura.
Teremos um infante, dois reis e uma horda de marinheiros,
e depois teremos sábios, geógrafos e os indispensáveis banqueiros.
Haverá sangue, haverá glória sobre corsários vencidos
e um poeta que mergulha na tempestade por uns versos perdidos.
Haverá um Adamastor em cada esquina continental,
que será dobrada na ganância do próximo entreposto comercial.
Haverá negócios, tantos como pelejas d’improviso;
Haverá todo um cosmos que se abre na cartografia do paraíso.
Sobretudo será abundante a companhia d’alienígenas,
os que são estranhos de todas as maneiras, infiéis, índios, indígenas.
Haverá sexo de culturas, movimento erótico para a paz,
Haverá troca de fluídos e de destinos, em corretagem voraz.
Haverá novas palavras na cumplicidade genomática:
mais do que fazer pela vida e pela história, far-se-á a gramática;
um código do Império Efémero que evangelize o marajá
e eduque o escravo que Gama ofereceu ao califa de Judá.
Haverá zulus, samurais, sarracenos em conflito virulento,
entre o desespero da condição humana e o Novo Testamento.
Haverá diplomacia em Nagasaki, chicote em Bombaim
e canhões p’ra poder fazer filhos às mulheres deles, no fim.
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