Porque fez um retweet de um post crítico do governo canadiano, Jordan Peterson está a ser submetido a um processo de natureza totalitária que até este humilde redactor, que publica todos os dias sobre o fenómeno totalitário na esfera Ocidental, tem dificuldade em descrever. A Ordem de Psicólogos de Ontario exigiu que o professor de Toronto seja submetido a um processo de reeducação em comunicação de redes sociais. Como Peterson se negou a tal monstruosidade, vai agora ter que enfrentar um processo disciplinar que pode culminar com a suspensão da sua licença e a consequente interdição de exercer a profissão de psicólogo.

Portanto, aquele que é, sem exagero, uma das mais proeminentes figuras da web, com milhões e milhões de seguidores em várias redes sociais, tem que reaprender a comunicar… nas redes sociais. Caso contrário, o mais célebre psicólogo da actualidade pode perder a sua licença. Tudo isto por causa de um post que criticava o governo de Trudeau.

Mas, porque a reação do colectivo de Psicólogos a esse post foi apenas o culminar de um longo processo de perseguição, para fazer o retrato fiel desta tenebrosa rábula há que recapitular.

 

 

De acordo com Peterson, cerca de “uma dúzia de pessoas” queixaram-se à Ordem sobre comentários que ele tinha feito no Twitter e no podcast de Joe Rogan, alegando que essas declarações tinham causado “danos”. Porque as palavras e as opiniões (certas palavras e certas opiniões), hoje em dia, são lâminas que ferem fatalmente as flores de estufa de todo o mundo e há que proteger essas delicadas plantas da agressão de alguém pensar de forma diferente. Não porque essa classe vegetal esteja em vias de extinção, claro, pelo contrário, é uma espécie endémica muito bem sucedida no século XXI, mas porque sim. Porque são magníficos repercussores de propaganda e idiotas úteis à tirania regimental.

Em Março de 2022, o colectivo começou a investigar estas queixas. Depois, em Novembro, o colégio informou Peterson de que:

“Os comentários em questão parecem minar a confiança do público na profissão como um todo, e levantar questões sobre a sua capacidade de desempenhar as suas responsabilidades como psicólogo”.

Entre esses comentários, Peterson chamava, muito justificadamente, nomes feios a um spin doctor do Primeiro-Ministro Justin Trudeau; criticava, com acerto factual, os ambientalistas por promoverem políticas energéticas que vão levar a fome às crianças nos países em desenvolvimento; usava, com objectividade inquestionável, pronomes femininos em referência a Elliot Page, que nasceu Ellen, só que agora removeu os seios e tem uma pilinha postiça; e afirmava, carregado de razão, que um modelo obeso na capa da Sports Illustrated não era nada bonito de se ver.

Com uma excepção – um comentário que Peterson fez chamando “vingativo” a um antigo paciente, que não nomeou – as declarações públicas que despoletaram todo este caso são fragmentos políticos que nada têm a ver com a sua capacidade como psicólogo. No entanto, o Colégio exige que Peterson não só passe por um programa de reeducação, mas também que assine a seguinte declaração:

“Posso não ter sido profissional em declarações públicas e durante uma aparição no podcast de 25 de Janeiro de 2022”.

Ninguém que conheça o perfil de Peterson – presumivelmente incluindo os quadros superiores da Ordem de Psicólogos de Ontário – acredita seriamente que ele concordaria com tal exigência. Afinal este é o sujeito que entrou no palco das audiências globais quando em 2016 se recusou a usar pronomes neutros para definir preferências sexuais perante uma comissão do parlamento canadiano. E Peterson é agora suficientemente famoso e rico para não se preocupar com as consequências financeiras e profissionais da recusa à submissão que lhe é exigida.

 

 

A declaração da faculdade será assim, para além de uma vil vingança de invejosos e apparatchiks, uma mensagem dirigida não a Peterson, mas a outros potenciais dissidentes: ou cumprem o programa do regime, ou arriscam-se a perder o seu sustento.

Nisto, o colectivo de psicólogos de Ontário junta-se a uma lista crescente de outras instituições de carácter académico: a Universidade de Sussex forçou Kathleen Stock ao exílio por desafiar o conceito de identidade de género. O Colégio Estatal de Evergreen levou Bret Weinstein e a sua mulher Heather Heying à demissão, depois de se recusar a protegê-los da turba constituída por alunos woke que exercem agora o poder sobre o que pode ou não ser dito nessa escola.  O Estado de Portland fez o mesmo ao professor assistente de filosofia Peter Boghossian, depois de este se ter atrevido a questionar a politização descarada das bolsas de estudo. O MIT cancelou uma palestra que a geofísica da Universidade de Chicago, Dorian Abbot, se propôs a dar, citando uma op-ed que ele tinha escrito contra uma acção de discriminação positiva. A Universidade da Califórnia – Irvine despediu Aaron Kheriaty, professor de psiquiatria e o seu director de ética médica, por estes terem recusado a vacina Covid, por razões éticas. Princeton despediu Joshua Katz, logo após este professor ter escrito um ensaio criticando as políticas anti-racistas da instituição.

O próprio Jordan Peterson já teve problemas semelhantes, tendo sido, por exemplo, banido pelos censores de Cambridge, embora essa interdição tenha sido recentemente levantada.

E isto para não sermos exaustivos, porque a perseguição a académicos dissidentes é hoje a regra geral. E o padrão permanece o mesmo: instituições cuja missão é facilitar o discurso aberto tornaram-se máquinas repressoras do livre arbítrio, vivendo dos seus legados em rápida decadência enquanto se conformam aos caprichos da máfia regimental.

Mas há algo na história de Peterson que é mais arrepiante. A Ordem dos Psicólogos de Ontario não se limitou a condenar comentários que considera ofensivos e a tentar humilhar e castigar quem os teceu. Decidiu dar um passo mais ambicioso, sugerindo que Peterson sofre de algum problema clínico. Ao recomendar ao professor um terapeuta porque este ousou dizer o que pensava, a instituição fez da dissidência uma patologia. Transformou a discordância política numa doença.

Há uma longa história aqui – e Peterson está certamente ciente disso, visto que escreveu o prefácio para a nova edição Vintage Classics do Arquipélago Gulag, da autoria do dissidente soviético Aleksandr Solzhenitsyn. Durante a maior parte da sua existência, a União Soviética, entre outros regimes autoritários, usou o argumento da doença mental como motivo para marginalizar inúmeras vozes: aqueles que acreditavam na livre expressão, ou gostavam de arte abstracta, ou leram os romances errados, ou, pior ainda, partilharam esses romances com os seus amigos. Havia uma certa lógica nisto: quem era suficientemente insano para não seguir a linha do partido, estava real e clinicamente louco. Uma lógica repreensível, sim, mas não totalmente disparatada. Uma lógica que se aplica afinal nos dias que correm: Jordan Peterson deve precisar de ajuda de um psiquiatra se pensa que criticar Trudeau e divergoir das narrativas regimentais não lhe vai custar muito caro.

Quer Peterson seja ou não penalizado pela sua recusa em cumprir com as narrativas dos poderes instituídos, o dano já foi feito. O público já viu a podridão atrás da cortina. No seio do corpo dirigente da psicologia canadiana, uma “ciência” que procura imiscuir-se nos nossos pensamentos mais íntimos, a punição da opinião e do livre discurso prevalece agora.