Cinco anos após o início da pandemia Covid-19, não faltam análises que personificam o vírus como vilão. De certa forma, é compreensível: O SARS-CoV-2 foi o catalisador e o assassino que provocou grande parte da destruição da pandemia. Mas pintar os líderes da saúde pública como espectadores inocentes e a Covid como o papão que pôs as pessoas doentes e encerrou a economia, destruiu empresas, fechou escolas, censurou o discurso, mascarou crianças e suspendeu direitos constitucionais e rituais sagrados é um revisionismo histórico radicalmente enganador.
Uma manchete recente do Washington Post afirmava que “a Covid encerrou escolas há cinco anos. Ansiedade, perda de aprendizagem e muito mais persistem”. Outra, da PBS Frontline, anunciava “um olhar para trás sobre como a pandemia Covid-19 perturbou o mundo”. Por seu lado, o insuportável David Wallace-Wells escreveu que “a Covid refez a América” no The New York Times. De acordo com Wallace-Wells, a pandemia “quebrou a fé na saúde pública”, “acorrentou os EUA com dívidas”, “marcou as crianças” e “transformou-nos em hiperindividualistas”.
A sério? Ninguém diria.
Quando os meios de comunicação social, os “especialistas” em saúde pública e os funcionários governamentais não estão a culpar a resposta “não científica” de Trump ou os dissidentes em relação às vacinas pelos problemas da pandemia, estão a culpar a Covid, como se o vírus fosse a única entidade com verdadeira capacidade de acção durante os anos da pandemia.
Este método transformista é também utilizado noutras áreas da actividade propagandista da imprensa corporativa. Por exemplo, é comum que sejam os automóveis ou os camiões a matar pessoas e não os terroristas islâmicos que conduzem esses veículos com intenção assassina.
Mas é claro que a Covid não ordenou confinamentos e ordens de permanência em casa. A Covid não impôs máscaras e vacinas. A Covid não fechou escolas. A Covid não transferiu, em escala recordista, a riqueza das massas para as elites. Foram os responsáveis políticos e os burocratas governamentais e os “peritos” e os “cientistas” e os “jornalistas” e os “magos” da tecnologia e os ‘senhores do universo’ de Wall Street que fizeram isso e, sim, eles realmente tinham agência como ninguém e, assim, alternativas à tirania.
Como Joe Nocera e Bethany McLean observaram no Intelligencee:
“Nunca houve qualquer ciência por trás dos confinamentos – nem um único estudo tinha sido realizado para medir sua eficácia a impedir uma pandemia”.
Em contraste, os autores citam 50 estudos realizados posteriormente que indicam que os confinamentos pouco fizeram para reduzir a mortalidade por Covid. Um exame das ordens de confinamento do Estado realizado por dois professores de Princeton não mostra uma correlação entre a duração da ordem de confinamento e as mortes por Covid. A abordagem sueca de não confinamento conduziu a uma taxa de mortalidade excessiva de 4,4% durante os anos de pico da pandemia, segundo os dados – a taxa nos Estados Unidos era mais do dobro desse número. Como observam Nocera e McLean,
“não é irracional concluir, com base nos dados disponíveis, que os confinamentos provocaram mais mortes nos EUA do que uma política semelhante à da Suécia teria provocado”.
Além disso, a decisão dos líderes ocidentais de colocar os povos em prisão domiciliária não foi apenas ineficaz e anti-constitucional; as ordens de “abrigo no local” tiveram consequências sociais e económicas devastadoras. Segundo uma reportagem do Boston Globe, os confinamentos
“aumentaram a pobreza e as disparidades de riqueza, estimularam um aumento dramático da ansiedade e da depressão nos adolescentes, contribuíram para um aumento das overdoses fatais e levaram a perdas de aprendizagem devastadoras nas crianças em idade escolar, que ainda não recuperaram, de acordo com estudos científicos. Na Primavera passada, o aluno americano médio estava meio ano atrasado em relação aos níveis anteriores à pandemia, tanto em matemática como em leitura.”
Apesar das consequências desastrosas dos confinamentos, é comum os meios de comunicação social lamentarem a diminuição da confiança dos americanos na “ciência” e nas orientações de saúde pública – como se o vírus em si fosse o responsável.
Mas a Covid não quebrou “a nossa fé na saúde pública”; foram os funcionários públicos que o fizeram. A Covid apenas os ajudou a fazê-lo, dando-lhes uma oportunidade de mostrar a sua vontade niilista de poder e megalomania narcisista. Poderiam ter respeitado e defendido as liberdades e princípios constitucionais dos seus países, mas fizeram o contrário. Para além de instituírem confinamentos por tempo indeterminado, os “especialistas” vinham mensalmente, semanalmente e, por vezes, diariamente com novas declarações vindas das sagradas alturas. Fazendo-se passar por Moisés no Monte Sinai, proclamaram os seus mandamentos em matéria de saúde, por mais disparatados que fossem.
Os funcionários governamentais fundiram as directrizes da Covid numa nova moralidade legalista. Aqueles que as seguiamou sinalizavam seguir as regras eram considerados “humanos” e dignos de louvores incontáveis. Mantinham as suas máscaras enquanto se dirigiam para a mesa do restaurante, evitavam “grandes” reuniões e eram vacinados – e depois reforçados, outra vez, e outra vez, e outra vez. Os líderes políticos e institucionais, juntamente com os meios de comunicação social, vilipendiaram todos os que não cumpriam os seus mandatos em constante mudança e, essencialmente, acusaram aqueles que se opunham às directrizes assassinas.
Isto enquanto eles próprios violavam em privado as regras que impunham às massas, e tomavam decisões obscenas, como as de alojar pacientes Covid em lares de terceira idade.
Sem capacidade de impor o distanciamento social, o abrigo no local e os requisitos de máscaras em todos os locais e em todas as alturas, os tiranos da Covid manipularam e intimidaram empresas, escolas e igrejas para que obrigassem os seus concidadãos a cumprir as regras. Os meios de comunicação social tradicionais alimentaram fielmente as chamas do medo e da histeria, ao mesmo tempo que perscrutavam o horizonte em busca de pequenas infracções à Covid, ansiosos por atacar e destruir a reputação daqueles que violavam a nova moralidade.
No que diz respeito à “ciência”, uma manchete do Wall Street Journal de Novembro do ano passado é representativo da narrativa dos media:
“Como a ciência perdeu a confiança dos americanos e rendeu as políticas de saúde aos cépticos.”
O subtítulo alerta para o facto de
“os funcionários temerem não ter influência suficiente na próxima crise”.
Até dá vontade de rir. Considerando o desastre total, isto não deveria ser uma surpresa. Mas o maior problema com este enquadramento é que a falta de confiança dos cidadãos comuns nos funcionários da saúde pública – ou mesmo nos cientistas – não é equivalente à falta de confiança na ciência propriamente dita. Os “especialistas” não são “a ciência”, ao contrário da afirmação infame e ridícula de Anthony Fauci.
“Ciência” pode referir-se a um corpo de conhecimento estabelecido, mas o ‘conhecimento’ que Fauci e os seus seguidores estavam a vender não se baseava num estudo sistemático da realidade física guiado por princípios científicos. Em vez disso, muitas vezes, limitavam-se a inventar dogmas sobre confinamentos, máscaras e vacinas que alegada mas falsamente impediam a transmissão do vírus. Apesar da fraude flagrante, os políticos e os burocratas tornaram-se celebridades instantâneas, aparecendo atrás de palanques e na televisão, sem máscaras e sem censura, porque tinham algo significativo a dizer: nada de casamentos, nada de funerais, nada de despedidas de entes queridos que em breve partiriam para sempre.
Os “especialistas” da Covid – sejam eles políticos, funcionários da saúde pública, cientistas ou líderes locais – não foram vítimas do vírus. Escolheram a tirania para-científica dos confinamentos, dos mandatos e das regras mesquinhas, ineficazes e legalistas, e não tinham de o fazer. São criminosos e é como criminosos que devem ser tratados.
AFONSO BELISÁRIO
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Oficial fuzileiro (RD) . Polemista . Português de Sagres
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.
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