Alexandre, o Grande (356 – 323 a.C.), é um dos líderes militares e políticos mais extraordinários da História. Tornou-se monarca do reino grego marginal da Macedónia em 336 a.C., com apenas 20 anos de idade, e antes da sua morte impôs o domínio macedónio à Grécia, ao Médio Oriente e ao Egipto, destruiu o poderoso Império Persa e conduziu um exército até ao actual Afeganistão e à fronteira com a Índia, criando em pouco mais de uma década um império que se estendia do Mediterrâneo ao Índico.

 

 

Em Ópis, uma cidade da Babilónia (localizada no actual Iraque), enfrentou um motim das suas tropas macedónias, por um lado exaustas e exigindo regressar a casa, por outro irritadas por parecer que Alexandre dava preferência aos seus novos súbditos asiáticos e adoptava muitos dos seus costumes. Alexandre tratou impiedosamente os líderes do motim, antes de fazer um discurso ao seu exército no qual repreendeu as tropas pela sua deslealdade. Trata-se da mais célebre arenga militar da história.

O discurso, tal como chegou até nós, foi sem dúvida escrito por Arriano e não por Alexandre. As suas palavras exactas são agora impossíveis de determinar. Mas Arriano teve acesso a relatos de testemunhas oculares que agora se perderam (principalmente Ptolomeu e Nearchus), e os historiadores modernos concordam que o discurso foi um acontecimento histórico real e que Arriano dá, na sua Anábase de Alexandre, uma boa representação do seu provável conteúdo.

A Anábase de Alexandre foi composta por Arriano de Nicomédia no século II d.C., provavelmente durante o reinado de Adriano. A obra, que sobrevive completa em sete livros, é uma história da saga alexandrina, especificamente focada na sua conquista do Império Persa entre 336 e 323 a.C. Tanto o título incomum “Anabasis” (que significa literalmente “uma jornada para o interior a partir do mar”) quanto a estrutura de sete livros da obra reflectem a emulação de Arriano (em estrutura, estilo e conteúdo) do historiador grego Xenofonte, cuja própria Anábase também em sete livros, narra a campanha anterior de Ciro, o Jovem, no interior da Pérsia, em 401 a.C. e a célebre odisseia do Exército dos Dez Mil.

A cena – tal como aparece em Arriano – é um momento brilhantemente redigido, de grande dramatismo, emoção e poder retórico, em que Alexandre começa por salientar a sua dívida para com o pai Filipe, antes de se lançar numa tirada em que enumera os seus próprios feitos espantosos e qualidades de liderança, insinuando que na mesma medida lhe devem os seus súbditos um legado glorioso, ao qual devem ser fiéis.

O discurso que vou proferir não tem por objectivo controlar o vosso regresso a casa, pois, no que me diz respeito, podeis partir para onde quiserdes; mas porque desejo que saibais que tipo de homens éreis inicialmente e como vos transformastes desde que entrastes ao nosso serviço. Em primeiro lugar, como é razoável, começarei o meu discurso pelo meu pai Filipe. Pois ele encontrou-vos vagabundos e desprovidos de meios, a maior parte de vós vestidos com peles, alimentando algumas ovelhas nas encostas das montanhas, para cuja protecção tivestes de lutar com pouco sucesso contra Ilírios, Tribálios e os trácios fronteiriços. Em vez das peles, deu-vos capas para usardes e, das montanhas, conduziu-vos para as planícies e tornou-vos capazes de combater os bárbaros vizinhos, de modo que já não éreis obrigados a preservar-vos confiando mais nas fortalezas inacessíveis do que na vossa própria coragem. Fez de vós colonos de cidades, que adornou com leis e costumes úteis; e, de escravos e súbditos, fez de vós governantes dos próprios bárbaros, pelos quais vós próprios, bem como os vossos bens, estavam anteriormente sujeitos a ser saqueados e devastados. Também juntou a maior parte da Trácia à Macedónia e, apoderando-se dos lugares mais convenientemente situados na costa marítima, espalhou a abundância do comércio pela terra e tornou o trabalho nas minas um emprego seguro; fez-vos governar os tessalianos, de quem antes tínheis um medo mortal; e, ao humilhar a nação dos Fócios, tornou a avenida para a Grécia ampla e fácil para vós, em vez de estreita e difícil. Humilhou de tal modo os atenienses e os tebanos, que estavam sempre à espreita para atacar a Macedónia, – eu também lhe prestei a minha ajuda pessoal na campanha – que, em vez de pagarem tributo aos primeiros e de serem vassalos dos segundos, esses Estados, por sua vez, garantem a sua segurança com a nossa ajuda. Penetrou no Peloponeso e, depois de regular os seus assuntos, foi publicamente declarado comandante-chefe de todo o resto da Grécia na expedição contra os persas, acrescentando esta glória não mais a si próprio do que à comunidade dos macedónios. Estas foram as vantagens que te foram concedidas pelo meu pai Filipe; grandes, na verdade, se consideradas em si mesmas, mas pequenas se comparadas com as que obtivestes de mim. Pois, apesar de ter herdado do meu pai apenas algumas taças de ouro e prata, e de não haver sequer sessenta talentos no tesouro, e apesar de me encontrar com uma dívida de 500 talentos de Filipe, e de ter sido obrigado a pedir emprestados 800 talentos para além destes, parti do país que não vos podia sustentar decentemente, e abri-vos imediatamente a passagem do Helesponto, apesar de, nessa altura, os persas deterem a soberania do mar. Depois de ter dominado os vice-reis de Dario com a minha cavalaria, acrescentei ao vosso império toda a Jónia, toda a Eólis, a Frígia e a Lídia, e tomei Mileto por cerco. Todos os outros lugares ganhei por rendição voluntária, e concedi-vos o privilégio de vos apropriardes das riquezas que neles se encontravam. As riquezas do Egipto e de Cirene, que adquiri sem travar uma batalha, chegaram até vós. A Coele-Síria, a Palestina e a Mesopotâmia são propriedade vossa. A Babilónia, Bactra e Susa são vossas. As riquezas dos lídios, os tesouros dos persas e as riquezas dos indianos são vossas, assim como o Mar Exterior. Vós sois vice-reis, vós sois generais, vós sois capitães. O que é que eu tenho reservado para mim, depois de todos estes trabalhos, a não ser este manto de púrpura e este diadema? Não me apropriei de nada, nem ninguém pode apontar os meus tesouros, a não ser estes vossos bens ou as coisas que guardo em vosso nome. Individualmente, no entanto, não tenho qualquer motivo para os guardar, uma vez que me alimento da mesma comida que vós e durmo a mesma quantidade de horas. Não creio que a minha alimentação seja tão boa como a dos que entre vós vivem luxuosamente; e sei que muitas vezes me levanto de noite para velar por vós, para que possais dormir.