Diz Michel Foucault:
“Antes os loucos levavam uma existência errante: eram tolerados com a condição de circularem perpetuamente. No século XVII, eles passam a ser encarcerados sistematicamente – não se suporta mais vê-los vagarem pelas ruas e pelos campos. Esse episódio costuma ser interpretado como o sinal da exclusão da loucura pela Razão ocidental. Os muros do hospício testemunham que a Razão afirma sua identidade a partir de uma rejeição, de uma exclusão da loucura. Esse fato também testemunha principalmente uma mudança de sensibilidade social muito importante em relação ao mundo da miséria.
Durante muito tempo o Cristianismo havia construído em torno da figura do louco, do pobre, do miserável errante, uma aura mística – esses personagens tinham uma dimensão crística. Quando as sociedades do séc. XVII trancafiam o mundo da miséria, é com base na dessacralização da pobreza, que perde sua dimensão mística e é tratada como um problema de ordem pública. Encarcera-se o mundo da miséria porque se suspeita que os vagabundos, mendigos e loucos sejam, sobretudo, preguiçosos. Na verdade, os hospitais gerais eram centros de trabalhos forçados. Não se explica a miséria por razões econômicas, mas por razões morais: o vício da preguiça.”
Abaixo, segue meu pensamento:
A sempre bem-vinda pobreza
Não sem razão, confesso-me incapaz de tolerar o viés ideológico explícito e a rasa demagogia, sempre embutidos nas teses do hoje incensado (pela esquerda) Foucault – personagem inevitavelmente presente nas citações e trabalhos realizados na grande maioria das universidades brasileiras.
Alega este senhor que “a dessacralização da pobreza retirou sua dimensão mística, passando a ser tratada como um problema de ordem pública”. No contexto da argumentação acima, a desonestidade intelectual impõe claramente seu viés ideológico, unindo convenientemente o louco – que então vagava errante – e o pobre, denotando que ambos passariam a ser encarcerados e submetidos a trabalhos forçados. E isso é mentira, vigarice intelectual.
É preciso, antes de mais nada, fazer a óbvia distinção entre os mendigos, os miseráveis, e os loucos propriamente ditos: pobres e miseráveis – salvo raras exceções – não são ameaças à integridade física de ninguém e, muito menos, ditam regras comportamentais ou estabelecem tendências de vida. Se houve a “retirada da dimensão crística” do pobre, alegada por Foucault, a mesma se deu pela própria esquerda, que o transformou em massa de manobra e instrumento político.
As provas do acerto de meu pensamento podem ser vistas claramente nas ruas de todas as grandes cidades do mundo, onde os pobres – e devemos incluir neste rol os “imigrantes” – servem como verdadeiras armas de choque visual contra os pagadores de impostos, a morarem nas ruas e construírem favelas sob o beneplácito demagógico de políticos progressistas. A intenção é imbuir-nos de culpa (por nossa vida “privilegiada”) e fazer com que paguemos cada vez mais impostos, para “salvar esta pobre gente da miséria e dar-lhes uma vida digna”. Obviamente, se seguirão a tais providências vasta cessão de “direitos” aos mesmos, e é sempre bom lembrar que, a cada direito concedido, diversas obrigações são impostas a terceiros.
O pobre, hoje, é politica e socialmente intocável. E sim, existe o vício da preguiça.
A mendicância é o outro extremo da loucura, pois o mesmo acaba por tornar-se um sociopata, incapaz de novamente adaptar-se às convenções do convívio social e à rotina de trabalho, sempre terminando por preferir voltar à antiga vida errante e isenta de quaisquer compromissos, responsabilidades ou obrigações.
A extinção do conceito de loucura
Em todo o pensamento de Foucault, exposto acima, permeia a grande armadilha aos nossos corações: clama contra a injusta sociedade, que “oprime” o pobre e – este é o embuste – inclui de modo sorrateiro, no rol dos desvalidos, o louco.
Existe hoje um conceito, imposto de cima para baixo – em outras palavras, sem quaisquer consultas ao habitante das cidades – da “não internação” de pacientes com problemas mentais. Verdadeira enxurrada de matérias demagógicas igualaram, aos nossos olhos cristãos ocidentais, loucos e pobres. Não bastasse isso, um verdadeiro “elogio da loucura” foi pesadamente imposto à sociedade, principalmente após os anos 60 e sua contracultura, no qual sutilmente dissolveu-se a verdadeira patologia psíquica com os delírios provocados pelas drogas.
Ídolos ensandecidos foram criados – quem se lembra de Allen Ginsberg? – e os mais estapafúrdios delírios foram apresentados em letras de músicas, temas e personagens de filmes, peças de teatro e, para piorar, tudo isso sendo vendido como se eles – os loucos – é que tivessem realmente a razão, diante deste nosso mundo insano. Um paradoxo que todos engoliram, inocentemente.
O juízo, a racionalidade e bom senso caíram em desgraça, classificados definitivamente como “coisas de velho” ou um vil “pensamento opressor”, e tal pecha perdura não apenas até os dias atuais como, para piorar, precisa sofrer a nova tendência da mescla entre a vulgaridade libidinosa e a mentalidade marginal dos guetos, como um tempero nesta inicial “loucura” liberta por delinquentes filosóficos, como Foucault.
Toda esta sucessão de mudanças foi planejada, verdadeira obra de engenharia social a apontar o caminho da humanidade para o alvo visado pela Escola de Frankfurt: a destruição de tudo, para que deste “nada” surja algo novo e melhor. Deste modo, vivemos hoje em um ambiente social onde – na prática – ocorreu a extinção do conceito de loucura, de doença mental e da reclusão destes doentes em clínicas de tratamento. Mais que isso: temos, hoje, a obrigação social de aceitá-los em nossas rotinas de vida, seguida da proibição de os entendermos como loucos, ou estaremos sujeitos à punições legais.
Os inevitáveis efeitos
Escrevi recentemente comentário em um artigo, no qual seu autor discorria sobre sua repulsa ao convívio humano (o qual, em parte, compartilho), alegando que o mesmo inevitavelmente “nos rebaixaria ao nível da mediocridade geral”. Assim, postei breve opinião onde compartilhava minha repulsa mas que, dado o teor filosófico do texto, considerava ser alguma convivência sempre necessária, bem como a “queda na mediocridade” não sendo obrigatória.
Fundamentei lembrando: onde estaria Sócrates, sem o convívio humano? Como sua “dialética” funcionaria? Para que haja uma dialética, é preciso um diálogo; e para que o mesmo exista, é preciso o convívio. Acrescentei que podemos nos espelhar nas virtudes alheias e, mesmo, nos prevenir e corrigirmo-nos ao constatar as idiossincrasias do próximo, tornando-nos pessoas melhores. E isto foi suficiente para que o vaidoso autor me banisse de sua página.
Onde desejo chegar com este argumento?
A obrigação que nos foi imposta – aceitar a loucura em nosso meio – não fará, de todos nós, um bando de alucinados mas, inevitavelmente, contaminará o meio em que vivemos e, pior, será amplamente adotada e louvada por significativa parte (medíocre) da sociedade – e sabemos que basta um covarde no meio dos bravos para que todos se acovardem também.
O convívio com idiotas pode, eventualmente, afetar os fracos tal como eu mesmo admiti em meu ensaio anterior, mas a proximidade – e inevitável interação – com loucos terminará por destruir regras, limites sociais e comportamentais do grupo. Tal fato, com o qual convivemos rotineiramente nos dias atuais, abriu caminho para a existência da presente e distópica sociedade que habitamos, sempre regida pela falta de razão e por doentio egoísmo hedonista.
Hoje circulamos entre mendigos sociopatas, adoradores da preguiça e inadaptáveis às rotinas de sustento próprio e dignidade, acompanhados por legião de loucos a gabarem-se de suas patologias e, mesmo, vendendo-as como sonho de consumo aos nossos olhos medíocres e sem emoções na vida.
Todos estes dois sinistros lados – mendicância e loucura – sustentam políticos e angariam votos, se tornando intocáveis (ou “insolúveis”, em visão mais realista), e nos condenando a entender como normais uma vida errante e miserável ou a opção de um indivíduo em declarar-se “gato”, “planta” ou “transgênero” (que é algo diferente do antigo “travesti”).
Os devaneios de Foucault – que jamais poderá ser considerado exemplo de sanidade por conta de seus hábitos sado-masoquistas – apenas advogam em causa própria e de sua ideologia, mas contaminaram poderosamente a sociedade graças à adulação marxista da academia, imposição da cultura de massa e (sempre ela) grande mídia.
Se a mendicância apenas nos ofende a dignidade, a loucura pode mesmo tirar-nos a vida – quem poderá prever o quê um esquizofrênico ou psicopata, em surto, poderá fazer? Já é passada a hora de voltarmos a chamar os loucos de loucos e, se incapazes de convívio social inofensivo, reabilitarmos a internação compulsória. Do mesmo modo, a loucura romantizada, vendida pela grande mídia, deve ser rejeitada e sequer considerada em suas razões – pois a insanidade não as tem e jamais servirão de espelho comportamental para os sãos.
E a pobreza, sempre alvo das demagogias, serve-nos de lembrança da natural e primordial condição de nascença, do ser humano: todos nascemos miseráveis; o que temos nos foi presenteado ou conquistado – quem se recusa a isto torna-se mero fantoche, nas mãos de políticos.
Ou foi espoliado por terceiros, mas então será outro assunto.
WALTER BIANCARDINE
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Walter Biancardine foi aluno de Olavo de Carvalho, é analista político, jornalista (Diário Cabofriense, Rede Lagos TV, Rádio Ondas Fm) e blogger; foi funcionário da OEA – Organização dos Estados Americanos.
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.
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