Os palestinianos em Gaza estão lidar como podem com a ofensiva israelita, de uma escala sem precedentes, após o ataque mortal do Hamas no Sábado, com mais de 130.000 pessoas a fugirem das suas casas e a armazenarem mantimentos, enquanto bombardemanetos aéreos atingem o enclave, cuja densidade populacional é uma das maiores naquela região do globo, e onde já morreram 560 pessoas.

Entre a intensificação do cerco israelita, que cortou a água, os alimentos e a energia, as condições parecem piores do que em qualquer outro momento desde que os refugiados palestinianos se deslocaram para o local durante os combates de 1948, quando Israel foi fundado.

As mensagens telefónicas dos militares israelitas avisaram as pessoas para abandonarem algumas zonas, indicando um novo ataque terrestre que poderá eclipsar os anteriores ataques destrutivos nas densas cidades de betão que cresceram nos campos de tendas originais de Gaza.

É importante sublinhar que, de qualquer forma, as autoridades israelitas parecem mais preocupadas com a população palestiniana do que o Hamas, que não só ataca selvaticamente civis israelitas como usa, como modus operandi de combate, a sua própria população como escudo, e edifícios civis como barricadas.

“Para onde é que devemos ir?”, pergunta Mohammad Brais, de 55 anos. Tinha fugido da sua casa, perto de uma provável linha da frente, para se abrigar na sua loja – apenas para que esta fosse atingida por uma das centenas de ataques aéreos e de artilharia que já assolam Gaza.

O Hamas não construiu quaisquer abrigos para proteger os habitantes da faixa de Gaza da reacção israelita, previsivelmente violenta, ao seu ataque surpresa, que matou mais de 800 pessoas e arrastou mais de 100 para o cativeiro em Gaza.

O Hamas instalou-se no poder em 2006, nunca realizou eleições, e a administração que dirige manteve a região numa pobreza estrutural extrema, e a população, refém dos instintos totalitários dos líderes do movimento terrorista, na miséria que experimenta há décadas.

Entretanto, o Ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, avisou que o preço a pagar por Gaza “mudará a realidade durante gerações” e Israel impôs um bloqueio total com a proibição de importação de alimentos e combustível, como parte de uma batalha contra “animais humanos”.

No campo de refugiados de Jabalia, no norte de Gaza, homens treparam a um edifício em ruínas para retirar dos escombros o pequeno corpo de um bebé, transportando-o para o meio da multidão que se encontrava em baixo, entre os restos ainda em chamas dos edifícios bombardeados. Este ataque aéreo causou dezenas de mortos e feridos, segundo o Ministério da Saúde do território.

Quando as ambulâncias chegaram a um hospital, os trabalhadores correram para transportar as macas com os feridos. Lá dentro, um homem estava deitado sobre um corpo envolto numa mortalha, histérico de dor, batendo alternadamente no chão e abraçando o cadáver enquanto gritava.

Os tristemente icónico cortejos fúnebres percorreram as ruas de Gaza. Em Rafah, no sul, homens caminhavam atrás de um corpo transportado num esquife, com bandeiras palestinianas e do Hamas hasteadas atrás.

Para intensificar o ruído e o horror, circulam rumores na imprensa, não confirmados pela própria fonte, que o Hamas chacinou dezenas de recém-nascidos israelitas.

 

 

Alimentos e combustível.

Os 2,3 milhões de habitantes do enclave densamente povoado já suportaram repetidos períodos de guerra e ataques aéreos. Esperam que este seja pior.

“Não é preciso pensar muito. Israel sofreu a maior derrota da sua história, por isso podemos imaginar o que vai fazer”, disse um residente de Beit Hanoun, na fronteira nordeste de Gaza com Israel.

“Levei a minha família para a rua ao nascer do sol e dezenas de outras famílias fizeram o mesmo. Muitos de nós recebemos telefonemas e mensagens áudio de agentes de segurança israelitas a dizer-nos para sairmos porque eles vão actuar no local”, disse.

As famílias começaram a armazenar alimentos logo após o início do ataque de Sábado, mas temem que, apesar das garantias do Hamas, os fornecimentos venham a escassear.

Com Israel a cortar o fornecimento de eletricidade a Gaza, a iminente escassez de combustível significa que os geradores privados, bem como a própria central eléctrica do enclave, que ainda fornece cerca de quatro horas de energia por dia, terão dificuldade em funcionar.

A escassez de eletricidade significa que os residentes não podem recarregar os telemóveis, pelo que estão privados de notícias e de comunicar com as suas famílias, e não podem bombear água para os tanques nos telhados.

À noite, o enclave fica mergulhado na escuridão total, pontuada pelas explosões dos ataques aéreos.

Os funcionários do Ministério da Saúde de Gaza afirmaram que os hospitais deverão ficar sem combustível, necessário para alimentar o equipamento de salvamento, dentro de duas semanas. Cerca de 137.000 pessoas estão neste momento abrigadas em escolas e outras instalações da ONU.

Numa escola da Cidade de Gaza, Israa al-Qishawi, de 13 anos, apontou para o canto de uma sala de aula onde deita o seu colchão todas as noites, juntamente com outras 30 pessoas.

O medo leva-a a querer ir à casa de banho de vez em quando, disse, mas não há água.

“É nojento”, disse ela.

 

Bombardeamentos.

Os ataques aéreos israelitas danificaram e bloquearam ruas, dificultando o acesso das ambulâncias e dos veículos de socorro aos locais bombardeados, segundo os residentes e os médicos. A defesa civil disse que não conseguia lidar com tantos locais bombardeados e pediu a ajuda de equipas de salvamento estrangeiras para salvar os sobreviventes presos sob os escombros.

O residente de Beit Hanoun disse que o bombardeamento das ruas parecia ser uma preparação para outra ofensiva terrestre israelita, como as que ele viu entrar em Gaza a partir do telhado da sua casa em 2008 e 2014.

Mensagens telefónicas gravadas e mensagens nas redes sociais emitidas pelos militares israelitas a avisar os residentes para abandonarem algumas zonas de Gaza aumentaram os receios dos residentes. Apesar do perigo, o homem de 45 anos ficou, estranhamente, satisfeito com a incursão do Hamas em Israel, mas pediu anonimato por medo de represálias israelitas.

“Temos medo, mas estamos orgulhosos como nunca antes”, disse ele, acrescentando: “O Hamas destruiu batalhões inteiros do exército israelita. Esmagou-os como se fossem biscoitos”.

Mas nem todos pensam assim. De pé, à porta da sua loja em ruínas, perto de casas destruídas onde três famílias inteiras foram mortas, Brais disse à Reuters que só esperava o fim do ciclo interminável de destruição de Gaza.

“Já chega. Estamos fartos. Tenho 55 anos e passei esses anos a ir de uma guerra para outra. A minha casa foi destruída duas vezes. Desapareceu tudo”, disse, contemplando os destroços da sua loja.

Há gente inocente, na Faixa de Gaza.