Esta é uma rubrica muito pessoal, que introduz a banda sonora de uma vida. Não há grandes regras a não ser a de seguir uma sequência cronológica, escolher não mais que um disco por banda ou autor e inserir não mais que um videoclipe por álbum, para que a coisa mantenha um tom adequadamente telegráfico.
Come’n Get It – Whitesnake
A cada um a sua justa parte de Kitsch. E a minha legítima quota é esta: Come an’ Get It, dos Whitesnake. Gosto tanto deste disco. É carne da minha carne e é super piroso (reparem bem na anti-estética redundante desta capa). Em vinil ensinou-me a dar corda à aparelhagem, para que o Coverdale se ouvisse no fim da rua. Em CD Rom perpetuou-se esplendidamente pela minha imaturidade de adolescente de 30 anos e em mpeg tranquilizou-me as dores reumáticas – não estava enganado em 1981, como não estou enganado agora: Come’n Get It é uma colecção de malhas do outro mundo. Cruzando Soul, Folk e Hard Rock, músicos gigantes como Jon Lord, Micky Moody e Ian Paice conseguem dar ao trágico-patético trovadorismo de David Coverdale um palco sonoro digno de qualquer majestade lírica. E se nunca ouviram um tema deste álbum (os Whitesnake posteriores são mais famosos, mas falsos como o raio), oiçam, por gentileza, a superior e autêntica cantiga que coloco em baixo. E depois digam de vossa justa razão.
4 – Foreigner
1981. Os Foreigner, que já eram grandes nos mercados anglo-saxónicos, editam um círculo de policloreto que vai fazer explodir os amplificadores de todos os adolescentes em todos os cantos do universo. 4 é um disco icónico por muitas razões: inclui o mais célebre solo de sax da história universal da cultura pop (em “Urgent”), é tremendamente lamechas enquanto debita electricidade como se fossemos todos ficar sem luz amanhã de manhã (em “Break It Up”), faz o elogio de si mesmo sem parecer gorduroso de vaidades (em “Juke Box Hero”), glorifica a mulher fatal como só Lauren Bacall conseguira até aí fazer (em “Woman in Black”), enquanto preenche todas as caixinhas da checklist que dá acesso ao Olimpo do Rock. Se este disco não fizesse parte da minha lista, a minha lista seria um brutal exercício de injustiça epistemológica.
High ‘n’ Dry – Def Leppard
Advertência: Desculpa, estimada audiente, mas este disco aqui é só para homens de barba rija e, além disso, é preciso não o confundir com os que se lhe seguiram, porque, com o estrelato, os Def Leppard perderam autenticidade e virtude, transformando-se numa banda de plástico, formatada para grandes audiências. Esta sinfonia de arame farpado, porém, é nua e crua e rude e impenitente como deve ser o rock, está cheia de riffs durinhos que só são possíveis de criar numa garagem mal cheirosa de Sheffield e transpira rebeldia em todas as estrias do vinil.
Grandiloquente e mal criado, High ‘n’ Dry não está preocupado com o que a tua namorada possa pensar: é a definição de um produto genuíno, francamente desalinhado entre o Heavy Metal e o Hard Rock, símbolo talvez máximo de uma estridente e extinta forma de fazer boa música. A banda sonora perfeita para um mergulho no concreto betão de uma piscina desidratada.
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