O governo de Kier Starmer tem um plano para anular os resultados do referendo que conduziu à saída do Reino Unido da União Europeia. Mas vai levar tempo. E pensar a longo prazo não é um forte da classe política.

Os eurófilos de esquerda do Reino Unido já estão a elaborar estratégias para essa reunião. Falam em usar este primeiro mandato para culpar o Brexit por todos os males da Grã-Bretanha, preparando o público para o que está para vir, e depois usar um segundo mandato para iniciar o processo de reintegração.

Oficialmente, a política do Partido Trabalhista é não tentar reverter o Brexit, nem tentar regressar ao mercado único ou à união aduaneira. No entanto, Sir Keir Starmer tem tendência para mudar de opinião quando se trata das suas posições políticas, pelo que seria insensato assumir que nunca mudará de opinião, especialmente se o considerar conveniente.

Afinal de contas, trata-se de um homem que fez campanha pelo Remain. E há uma revisão do acordo de saída agendado para 2025.

Os eurocépticos viram muitos sinais de aviso no discurso da Rachel Reeves nos EUA, em 2023. Reeves – a actual Chanceler do Tesouro, que, tal como Sir Keir, votou Remain em 2016 – disse à sua audiência que os trabalhistas iriam utilizar a revisão de 2025 para

“facilitar o comércio com a Europa e reconstruir os laços com os nossos vizinhos mais próximos”.

Apesar de se encontrar em Washington DC, Reeves estava a falar da necessidade dos trabalhistas olharem para Bruxelas como o principal parceiro comercial do Reino Unido no futuro. Talvez ela já estivesse a assumir que Donald Trump resida na Casa Branca em 2025, circunstância que, a acontecer, levará os trabalhistas a virar as costas à América de certeza absoluta.

A sua linguagem sobre o Brexit foi igualmente instrutiva, afirmando que o Governo conservador tinha supervisionado o Brexit

“sem um plano, introduzindo uma incerteza generalizada na nossa vida económica,”

A apparatchikk falou também das

“barreiras ao comércio que foram erguidas através do caótico acordo sobre o Brexit”.

Alguns Brexiteersvdesconfiaram logo nesse momento que a Fase 1 da conspiração Rejoiner já tinha começado: culpar tudo pelo Brexit e falar de laços mais estreitos com a UE.

Greg Hands, presidente do Partido Conservador, está entre os que temem que os trabalhistas tentem desfazer o Brexit:

“Sabemos onde Sir Keir Starmer quer chegar. Há menos de três anos, ele estava a comprometer os trabalhistas com um segundo referendo. A linguagem que Rachel Reeves utilizou foi possivelmente concebida para obter o apoio dos líderes empresariais que se opunham ao Brexit, e há um risco muito forte em tudo isto”.

Hands suspeita que a ideia de uma união aduaneira com a UE será a primeira a ser promovida, em parte porque uma das votações mais significativas do Parlamento sobre o acordo do Brexit, em Abril de 2019, foi a moção de Ken Clarke propondo um acordo de união aduaneira, ficando apenas a quatro votos de derrotar o Governo.

“Muitos indícios apontam para o facto de os trabalhistas quererem manter uma união aduaneira com a UE. Em várias ocasiões, foram muito específicos quanto a não estarem no mercado único, mas menos específicos quanto a uma união aduaneira, porque a Turquia demonstrou que é possível ter uma união aduaneira parcial sem ter liberdade de circulação, embora, obviamente, a Turquia não tenha voz activa na política da UE. Não é impossível que Starmer encontre formas de facilitar a migração, através de mais intercâmbios de estudantes, mais trabalhadores qualificados da UE e, quando dermos por isso, estaremos mais perto de voltar ao mundo da livre circulação”.

Hands, que fez esta análise em 2023, adivinhou o que se passou no fim de Agosto deste ano, quando, como o ContraCultura noticiou, o governo trabalhista anunciou o início do processo de reversão do Brexit com um acordo para restaurar parcialmente o chamado regime de livre circulação de migrantes, com os cidadãos da União Europeia (UE) com menos de 30 anos a tornarem-se livres de trabalhar, estudar e fazer voluntariado no Reino Unido durante um período que se estende a três anos.

A migração líquida atingiu um recorde de 606.000 almas em 2022, impulsionada em grande parte por cidadãos de países terceiros, o que foi aproveitado pelos Remainers como prova de que a liberdade de circulação no contexto da UE nunca foi o problema primeiro.

 

 

Os trabalhistas já têm um manual para utilizar um primeiro mandato como plataforma de lançamento das bases de uma reforma radical num segundo mandato. O segundo mandato de Tony Blair foi dominado pela reforma dos serviços públicos e pela introdução de créditos fiscais (bem como pelas guerras no Afeganistão e no Iraque), depois de ter utilizado o primeiro mandato para obter apoio para as políticas e para angariar o dinheiro necessário para as implementar, aumentando os impostos.

Curiosamente, mal Starmer chegou ao poder, Blair recomendou a Keir Starmer a mesma receita, utilizando um relatório do seu instituto para convencer o actual primeiro-ministro a sobrecarregar os contribuintes britânicos com mais 50 biliões de libras.

Anand Menon, professor de Política Europeia no King’s College de Londres e director da iniciativa independente UK in a Changing Europe, afirmou a este propósito:

“Não creio que haja qualquer hipótese de os trabalhistas falarem em aderir de novo à UE neste mandato, mas é certamente concebível que haja um debate no seio do Partido e imagino que, no primeiro congresso dos trabalhistas após as eleições, haja pessoas a tentar colocar a UE na ordem do dia”.

Keir Starmer quer alargar o sufrágio eleitoral aos jovens a partir dos 16 anos e aos 3,4 milhões de cidadãos da UE estabelecidos no Reino Unido, o que Hands descreveu assertivamente como

“uma tentativa de manipular o eleitorado para arrastar o Reino Unido de volta para a UE, de forma furtiva”.

Nadhim Zahawi, que ocupou vários cargos ministeriais durante o mandato dos primeiros-ministros Theresa May, Boris Johnson, Liz Truss e Rishi Sunak, de 2018 a 2023, descreveu a intenção de Starmer como

“o início de uma estratégia para preparar a nação no sentido de inverter o Brexit”.

Ao alargar o eleitorado para segmentos que simpatizam com a ideia de um regresso à UE, o líder trabalhista teria justificação para assumir o compromisso de realizar um novo referendo sobre o assunto, no segundo mandato.

Aqueles que ajudaram a negociar o acordo do Brexit, ou mais formalmente o Acordo de Comércio e Cooperação (ACC), referem-se aos “passos de bebé” dos trabalhistas no sentido de voltarem a aderir. Uma fonte envolvida na elaboração do acordo disse:

“Não excluíram nada que envolva o alinhamento dinâmico ou a aceitação das decisões do Tribunal de Justiça Europeu”.

Os eurófilos argumentam que o alinhamento dinâmico [manter as mesmas normas regulamentares para bens e serviços] ajudará a resolver os controlos comerciais entre a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte, e que a fase seguinte será suavizar os controlos entre a UE e o Reino Unido. No fim do processo será fácil argumentar assim:

“Já que estamos a aceitar as suas regras e normas, mais vale juntarmo-nos a eles”.

Jacob Rees-Mogg, ex-ministro para as oportunidades do Brexit, acredita que a oposição dos trabalhistas ao Retained EU Law Bill, que visa eliminar as leis que resultaram da adesão do Reino Unido à UE, se deve ao facto de Starmer querer “fazer sombra” à UE, o que significaria que não teria “de introduzir novas leis, o que seria muito mais difícil do que fazer as coisas discretamente”.

Isso ajudaria, naturalmente, a manter as suas opções em aberto, caso estivesse decidido a pedir a readmissão.

Os trabalhistas já começaram a falar sobre os pormenores de como poderão tentar alterar o acordo do Brexit quando este for renegociado em Dezembro de 2025. David Lammy, o secretário dos Negócios Estrangeiros, afirmou que os trabalhistas vão tentar chegar a um acordo sobre as normas alimentares e agrícolas.

Os partidários do Brexit argumentam que os trabalhistas estão a ser ingénuos se pensam que essas mudanças não terão custos. Uma fonte envolvida nas negociações iniciais do Brexit advertiu:

“Não vão conseguir tudo o que querem e tudo o que quiserem terá um custo. As pessoas na UE já estão a falar sobre o facto de os trabalhistas quererem escolher a dedo, como permitir a livre circulação de artistas criativos para que possam ir em digressão, mas os 27 Estados-Membros querem que os búlgaros e os romenos possam vir para cá para trabalhar sazonalmente. Os ganhos que os trabalhistas querem obter serão mais difíceis do que pensam”.

Se Keir Starmer não conseguir satisfazer os eurófilos, estes já deixaram claro que irão prosseguir a sua agenda com outra pessoa. A antiga líder trabalhista Rosie Duffield afirmou no passado que os deputados trabalhistas acabariam por “tentar mudar a liderança” do partido para apoiar a reintegração, embora aceitando que primeiro teriam de “deixar a poeira assentar” sobre o Brexit. A deputada sugeriu que, quando isso acontecer, poderá haver um líder diferente. Outros pretendem explorar a sua fraqueza.

Mike Galsworthy, o novo presidente do Movimento Europeu do Reino Unido (fundado em 1949 por Winston Churchill), é um membro do Partido Trabalhista que se descreve como o “líder de facto da campanha de reintegração no Reino Unido” e afirma:

“Starmer será conduzido pelo nariz, em vez de liderar. Vai estar sob uma enorme pressão do público e das empresas para estreitar os laços com a Europa e terá de resistir a essa pressão ou ceder-lhe. É difícil prever o que fará, porque é um homem mais pragmático do que de princípios. É tranquilizadoramente inconsistente nas suas palavras.”

Galsworthy subscreve a opinião de que não haverá referendo no primeiro mandato trabalhista, mas que este será utilizado para tornar o Reino Unido “pronto para a adesão” antes de um eventual referendo, caso os trabalhistas ganhem um segundo mandato.

Se os trabalhistas decidirem explorar a possibilidade de aderir à UE, têm primeiro de chegar a um acordo interno sobre o que pretendem. Como todos os britânicos sabem bem, depois de anos de negociações sobre o Brexit que entorpeceram o cérebro, há sempre tantas opiniões sobre o que representa o melhor tipo de relação com a Europa como há pessoas numa sala.

A nomenclatura do poder teria que se familiarizar novamente com os acordos ao estilo suíço, os países Shengen, os modelos canadianos, a Euratom, a Europol, o Horizon, os passaportes, as regras de origem, a EFTA, o GATT, o IEM, o CETA, os MDE e o resto.

Alguns defendem um acordo ao estilo da Noruega, insistindo que oferece o melhor de dois mundos ao permitir o acesso ao mercado único sem adesão plena.

E se os trabalhistas acabarem por decidir fazer uma “reversão” total, a UE poderá insistir em substituir a libra esterlina pelo euro. Poucas pessoas de ambos os lados do Canal da Mancha acreditam que Bruxelas alguma vez permitiria que a Grã-Bretanha voltasse a aderir exactamente nas mesmas condições que tinha antes de sair, o que significa que o seu excepcionalismo orçamental e as suas opções de não participação na moeda única e no acordo de Schengen poderiam ser perdidos. Isto seria difícil de vender, mesmo para os eleitores que votaram Remain em 2016.

Rodrigo Ballester, antigo membro do gabinete da Comissão Europeia e actual director do Centro de Estudos Europeus do Mathias Corvinus Collegium, em Budapeste, discorda. Os Estados-membros e a Comissão Europeia estenderiam o tapete vermelho ao Reino Unido se os trabalhistas pedissem para voltar, sobretudo porque têm uma simpatia natural pela esquerda.

“Se os trabalhistas disserem ‘cometemos um erro, queremos voltar para a mamã e para o papá’, Bruxelas será muito receptiva e penso que a adesão poderia ser acelerada para um processo de três ou quatro anos. A maior parte da legislação britânica já está em conformidade com a da UE, e penso que é perfeitamente possível que a Grã-Bretanha tenha direito a não participar no Euro e talvez no espaço Schengen. Não creio que seja uma situação de ‘pegar ou largar’”.

Os adeptos do rejoin baseiam-se fortemente nas sondagens de opinião que mostram que até 60% das pessoas dizem agora que o Brexit foi uma má ideia, com uma maioria em algumas sondagens a dizer que, se fosse realizado outro referendo agora, votariam Remain.

 

 

Mas isso não é o mesmo que querer outro referendo. Menos de 10% das pessoas consideram o Brexit uma questão importante, de acordo com as sondagens da Ipsos, e os investigadores acreditam que, se a economia melhorar, é menos provável que os eleitores considerem o Brexit um fracasso.

Também não sabemos hoje como será a UE daqui a 10 anos. A Ucrânia, a quem foi concedido o estatuto de candidato à adesão à União no ano passado, poderá ser um membro de pleno direito nessa altura. Entre os outros candidatos à adesão contam-se a Turquia, a Sérvia, a Albânia, o Montenegro, a Moldávia e a Bósnia-Herzegovina, que provavelmente serão um sorvedouro de recursos da União.

Os eurófilos também gostam de falar sobre o imperativo demográfico de um regresso à UE. De acordo com o YouGov, 75% dos jovens entre os 18 e os 24 anos votaram Remain no referendo de 2016. E, quando forem eles a geração que vai governar o país, vão querer impor a sua vontade, ou é o que diz o argumento.

Mas daqui a 10 anos, quando o debate sobre o Brexit se desvanecer da memória e surgir uma nova geração sem memória dos programas Erasmus ou da livre circulação, será que a adesão à UE será a sua principal prioridade, ou estarão mais preocupados com as alterações climáticas, com a ideologia de género, com o desemprego causado pelas tecnologias de inteligência artificial, com a III Guerra Mundial ou com outro qualquer apocalipse inventado ou real que possa surgir entretanto?

Também não há garantias de que a UE permita a reintegração do Reino Unido. Para alguns Estados-membros, a Grã-Bretanha será tão bem-vinda como ketchup num croissant, até porque esse regresso poderia dar ao Reino Unido a possibilidade de vetar os projectos de estimação de Bruxelas.

A Grã-Bretanha é o único país que alguma vez saiu da UE e alguns em Bruxelas já manifestaram a preocupação de que, se voltasse a entrar, poderia mudar de ideias novamente.

Depois, há a questão do referendo. Tendo sido um defensor de um segundo referendo da primeira vez, Keir Starmer teria certamente de prometer ao público britânico uma votação popular não só sobre a reintegração, mas também sobre o acordo final.

A experiência passada mostra que, mesmo que 60% das pessoas afirmem estar descontentes com o Brexit, isso não se traduzirá necessariamente em 60% de votos a favor da adesão. Antes do referendo de 2016, mais de dois terços das sondagens previam que a Grã-Bretanha votaria no Remain e as casas de apostas ofereciam probabilidades de 1/4 para um voto no Remain, o que significa que davam ao Leave apenas 20% de hipóteses.

Será que Keir Starmer arriscaria toda a sua carreira numa tal incerteza? Igualmente relevante é a questão de saber se ele, ou qualquer outra pessoa do Partido Trabalhista, teria a resistência necessária para levar a luta até ao fim. A adesão à UE não é um processo que se faz de um dia para o outro. Seriam necessários anos para chegar à fase de realização de um referendo e vários outros anos para que o Reino Unido fosse aceite, caso solicitasse a adesão ao abrigo do artigo 49º do Tratado da União Europeia.

Como afirma o Professor Anand Menon:

“Se dissermos ‘vamos voltar a aderir’, estamos a falar de um projecto de 10 anos, no mínimo. Mas os nossos governos têm demonstrado que não são muito bons a pensar para além da próxima sexta-feira.”