Os Estados Unidos da América possuem um sistema eleitoral único no mundo: o Colégio Eleitoral, o qual foi concebido, nas palavras de Thomas Jefferson, para evitar a tirania da maioria. Sim, amigo leitor. Os Founding Fathers (pais fundadores da América) temiam a ditadura da maioria, a tirania dos 50,01%.
Ben Franklin, um dos pais fundadores dos Estados Unidos, certa vez definiu a democracia como “dois lobos e um cordeiro decidindo o jantar”. Thomas Jefferson, também um dos Founding Fathers, ecoou essa preocupação ao afirmar que “democracia não é nada mais que a ditadura da multidão, onde 51% das pessoas podem retirar os direitos das 49% restantes”.
Da perspectiva dos fundadores da América, surgiu o Colégio Eleitoral, um mecanismo que equilibra a questão do volume de votos versus distribuição territorial, ao definir a vitória por unidade federativa independentemente do volume total de votos. Assim, para evitar a ditadura da maioria, o sistema eleitoral americano estabelece que não importa se a vitória no estado foi esmagadora ou apertada; o vencedor leva a totalidade dos delegados eleitorais. Esses delegados variam de estado para estado, de acordo com um cálculo que combina território e população.
Por exemplo, em 2016, muitos analistas alegaram injustiça ao constatar que Hillary Clinton obteve mais votos totais que Donald Trump, mas conquistou menos delegados eleitorais, perdendo assim a eleição. Isso ilustra que o Colégio Eleitoral é um mecanismo destinado a impedir que pequenas regiões com grandes concentrações populacionais, como Califórnia, Washington, Nova York e Boston, decidam sempre os rumos políticos do país, evitando a tirania da maioria.
Explicado o contexto histórico e funcional do Colégio Eleitoral, que tal voltarmos atenção ao sistema eleitoral brasileiro? Esse sistema tem sido alvo de críticas por ser indecifrável para aqueles fora do círculo político-partidário. Além disso, ele parece exemplificar o que o filósofo espanhol Ortega y Gasset descreveu em seu livro “A Rebelião das Massas” como hiperdemocracia—um estado onde a multidão se torna visível e ocupa os espaços preferenciais da sociedade, deixando de haver um protagonista claro e transformando-se apenas em um coro homogêneo.
Para Gasset, o problema está na composição dessa massa. Ele descreveu o “homem-massa” como alguém superficial, desprovido de um sentido histórico e facilmente influenciado por disciplinas irracionais. Poderíamos traçar um paralelo grosseiro com o personagem Lineu Silva, nosso “Homer Simpson” brasileiro. Esse homem-massa, segundo Gasset, é uma figura idêntica de um extremo ao outro da Europa, contribuindo para uma vida monótona e asfixiante no continente. Ele é alguém esvaziado de sua própria história, sem raízes num passado significativo, e por isso mesmo, dócil a todas as influências irracionais.
Essa preocupação com a qualidade do eleitorado e a estrutura do sistema eleitoral não é nova. Aristóteles, em sua obra “Ética a Nicômaco”, já alertava para o perigo de um governo conduzido por uma maioria incapaz de considerar o bem-estar de todos os seus membros, classificando-o como um governo distorcido, tirânico e ineficaz. Muito antes da era cristã, filósofos gregos já destacavam a importância da filosofia (entendida como formação crítica, e não como mero diploma acadêmico, conforme sempre ressaltou o professor Olavo de Carvalho) como meio para a libertação do homem.
À luz dessas reflexões, é urgente que o Brasil retome o debate sobre seu sistema de escolha de governantes. A necessidade de uma revisão aprofundada surge não apenas para garantir maior transparência e auditabilidade do processo eleitoral – algo que atualmente é restrito àqueles dentro das esferas político-partidárias – mas também para assegurar que o sistema represente verdadeiramente a diversidade e os interesses de toda a nação, evitando a concentração de poder.
A revisão do sistema eleitoral brasileiro não deve ser vista como uma mera questão técnica, mas sim como uma oportunidade para redefinir as bases da nossa democracia, garantindo que ela seja equilibrada, justa e representativa. O momento atual é propício para discutir e implementar mudanças que possam prevenir cenários de polarização extrema e promover uma governança mais inclusiva e eficiente.
Se quisermos evitar que se repitam os tumultuosos eventos eleitorais do passado, precisamos cultivar um debate sério e profundo sobre como nosso sistema democrático pode evoluir. Somente assim poderemos preservar a essência da vida política.
No mapa abaixo, para exemplificar, são representados os estados americanos (azul) que têm população menor que o Condado de Los Angeles. Entende-se então o brilhantismo do sistema concebido pelos pais fundadores da América.
MARCOS PAULO CANDELORO
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Marcos Paulo Candeloro é graduado em História (USP – Brasil), pós-graduado em Ciências Políticas (Columbia University – EUA) e especialista em Gestão Pública Inovativa (UFSCAR – Brasil). Aluno do professor Olavo de Carvalho desde 2011. É professor, jornalista e analista político. Escreve em português do Brasil.
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.
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