Foi um dos momentos mais bizarros e reveladores das eleições para o Parlamento Europeu. No final da noite desse domingo, quando a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou com entusiasmo que o seu Partido Popular Europeu (PPE) tinha “ganho” as eleições e que o “centro está a aguentar-se” na política europeia, começou o seu discurso de vitória declarando que, antes de mais, queria “agradecer aos eleitores”.

Foi bizarro, porque ninguém tinha votado em von der Leyen. Nem um único dos milhões de eleitores europeus que foram às urnas colocou a sua cruz ao lado do seu nome. O que não é surpreendente, uma vez que a “Presidente da Europa” nem sequer estava a concorrer às eleições. Nem a estas, nem a nenhumas, claro.

Embora a Comissão Europeia seja o órgão que dá início a toda a legislação da União Europeia, o seu presidente não tem qualquer legitimidade democrática ou responsabilidade perante os eleitores. A insuportável Ursula foi nomeada em 2019 por uma maioria qualificada no Conselho Europeu – composto pelos chefes de governo dos Estados-Membros – e depois formalmente (mas por pouco) apoiada pelos membros do Parlamento Europeu. Se ela for bem sucedida na sua campanha para ser “reeleita” Presidente desta vez, como tudo indica, os povos da Europa que ela aspira a governar não terão, mais uma vez, uma palavra directa a dizer sobre o assunto.

O seu absurdo discurso foi também revelador. Porque confirmou o fosso cada vez maior entre a realidade do mundo vista da “bolha” de Bruxelas, ocupada por von der Leyen e pelas elites da UE, e a perspectiva de milhões de europeus.

Tecnicamente, von der Leyen está correcta ao dizer que o centro se aguentou à bronca das eleições europeias de 2024. O grupo PPE, composto maioritariamente por partidos globalistas neoliberais mascarados de conservadores, continuou a ser, de facto, o maior grupo no parlamento. O PPE deverá provavelmente conseguir reunir uma maioria na assembleia, juntamente com os seus aliados de esquerda e verdes – apesar de estes grupos terem sido os maiores perdedores nestas eleições.

Mas fora da bolha de Bruxelas, para além da aparência de business-as-usual no mundo fechado dos comissários, dos eurocratas e das comissões parlamentares, e por detrás das manchetes dos media, as eleições confirmaram que um vento de mudança está a soprar em toda a Europa.

Os partidos populistas e conservadores nacionalistas, que se opõem à crescente centralização do poder em Bruxelas, foram os maiores vencedores. Os triunfos do Rassemblement National de Marine Le Pen em França, dos Fratelli d’Italia de Giorgia Meloni em Itália e do Fidesz de Viktor Orban na Hungria, bem como os êxitos da Alternative für Deutschland na Alemanha, do Partij voor de Vrijheid nos Países Baixos e da Freiheitliche Partei Österreichs na Áustria, para citar apenas alguns, foram significativos.

É claro que estas eleições europeias, realizadas em 27 Estados-Membros ao longo de quatro dias, tiveram importantes nuances nacionais. Mas o fio condutor comum a muitas delas foi a rejeição popular das ortodoxias impostas pelas elites da UE, desde o punitivo Pacto Ecológico, que massacra os agricultores, até às suas políticas de migração em massa, desastrosas e destruidoras das nações e das suas sociedades.

As recentes contrariedades nas legislativas inglesas e francesas, que não são assunto deste texto e a cuja análise o Contra não se escusará, mais à frente, só comprovam que, na verdade, estamos a assistir à erupção pública de uma divisão profunda entre duas Europas.

Há a que se centra nas cidadelas elitistas de Bruxelas, de Paris, ou de Frankfurt, onde os comissários europeus, os líderes globalistas, os administradores das grandes coorporações, os banqueiros e os juízes emitem as suas regras e éditos. E depois há a verdadeira Europa, onde milhões de europeus têm de lidar com as consequências das terríveis decisões dos poderes instituídos.

Esta divisão cada vez mais clara garante que o populismo não vai desaparecer tão cedo. Não há nada de superficial ou de curto prazo nesta revolta popular. Independentemente dos esforços recorrentes que estão a ser empreendidos para a esconder, anular ou interditar.

Os resultados eleitorais e as respectivas reacções revelaram, sem dúvida, essas duas Europas em conflito latente. Esta é uma divisão que vai ao cerne da democracia e dos seus dois elementos, demos e kratos.

Podemos ver a Europa oficial do kratos – poder ou controlo – onde os presunçosos burocratas de Bruxelas celebram o facto de terem “ganho” mais cinco anos de poder e esquecem imediatamente o eleitorado. A política reduz-se ao sórdido espetáculo de von der Leyen e de outros tecnocratas elitistas a lutarem à porta fechada para costurarem acordos que os mantenham no poder, sem qualquer consideração pelo que as pessoas possam ter votado.

Fora da sua bolha está a verdadeira Europa do demos – o povo – onde milhões de eleitores mostraram a sua oposição à austeridade verde e à migração em massa, e o seu apoio à soberania nacional e à democracia. Estão fartos de um sistema de controlo centralizado que dita que “mais Europa” e, portanto, menos democracia local, é a resposta para tudo.

Não é de admirar que, em lugares como a Alemanha, tenham sido os mais afastados do centro do poder da UE – as classes trabalhadoras e os jovens – que apoiaram fortemente a revolta populista.

Apesar das suas celebrações que soam a complacência, as elites da UE sabem que estão a braços com uma guerra civil latente. As suas estridentes tentativas pós-eleitorais de classificar a “extrema-direita” como neofascista, que tem de ser cancelada, censurada e banida, são ilustrações rigorosas dessa consciência. E as campanhas cada vez mais histéricas para fazer da “desinformação” apoiada pela Rússia o bode expiatório dos seus reveses eleitorais (Tradução: “Não culpem a oligarquia de Bruxelas, culpem os eleitores estúpidos e infantis por terem sido enganados pelas flautas populistas de Putin!) é outro sintoma desse pânico. É de esperar que os seus ataques à democracia e à liberdade de expressão se agravem.

Esta é agora uma divisão fundamental sobre o futuro do continente. É por isso que não há espaço para tentar chegar a um compromisso com o “meio termo” em Bruxelas. Não há meio termo.

É altura de escolher o lado certo da barricada e passar à ofensiva. Sem considerar a rendição.