“Cardoso não procede de ninguém, nem mesmo de Deus. Criou um mundo totalmente novo. A natureza, os seres vivos, animais ou criaturas humanas, flora e fauna, tudo saiu do seu cérebro de lírico alucinado.”
Louis Vauxcelles
1912, Paris. Amadeu de Souza-Cardoso tem 25 anos e apresenta-se à comunidade artística da cidade luz com um assombroso conjunto de 20 bonecos que deixam os críticos completamente siderados. Os “XX Dessins” constituem um virtuoso ensaio gráfico a tinta-da-china e aguarela, que evoca vastos imaginários das tradições ocidental, oriental e africana; de D. Quixote às Mil e Uma Noites. A obra é simplesmente sublime.
A colecção de ilustrações constitui o primeiro grande momento de afirmação internacional do artista português e será posteriormente reproduzida numa edição de 530 exemplares.
O futuro de Amadeo teria sido, por vontade da família, a arquitectura, cujos estudos chegou a iniciar em Lisboa, na Escola de Belas Artes. Todavia, desmotivado com as vivências na capital, decidiu ir para Paris, onde, durante alguns meses, frequentou, no Boulevard Raspait, os ateliês preparatórios para a inscrição naquela disciplina. Porém, depois de um período de alguma incerteza, desinteressou-se pelo curso de arquitectura e passou a dedicar-se à caricatura.
E é assim que, em 1909, o jovem artista estava já inscrito na Academia Viti, onde foi aluno do pintor espanhol Anglada Camarasa. 1909 é, de resto, um ano decisivo na sua vida, ano em que, segundo alguns críticos, nasce definitivamente para a pintura. Conhece outro Amadeo, italiano de nascimento, que viria a ser seu grande amigo e pintor extraordinário: Amadeo Modigliani. Em 1910, passa três meses em Bruxelas, onde é seduzido pela pintura dos primitivos flamengos.
Os anos seguintes são tempos de intenso trabalho e de pesquisa permanente. Expõe no XXVII Salon des Indépendents e no seu ateliê, com Modigliani. Em 1913 expõe na primeira mostra de arte moderna dos EUA, que se realizou em Chicago e Boston, depois de, no ano anterior, ter publicado os XX Dessins e desenhado e ilustrado o manuscrito de La Legend de Saint Julien L’Hospitalier e de estar presente no XXVIII Salon des Independents e no X Salon d’Automne.
Os XX Dessins integram aquilo que Amadeo considerava ser o seu domínio: a paisagem natural, mas também a cultural. E foi sobre ela que exerceu uma acção transformadora no que poderia ser um conjunto de signos conservadores e imutáveis: montanhas e objectos quotidianos, elementos da etnologia popular e referências eruditas, azenhas familiares e castelos imaginados, tempestades e sonhos eróticos, interiores domésticos e cenas de cavalaria.
Estes variados elementos, Amadeo representou-os segundo soluções estilísticas marcadas pelo hibridismo cubista, futurista, órfico e expressionista que percorre a sua obra, numa síntese multipolar que rompe o naturalismo com novas movimentos, cenografias e percepções subjectivas, num caleidoscópio de ficções delirantes.
Cardoso recorre a estilizações prodigiosas, alongamentos, estiramentos, contorções, maneirismos, imagens de divindades patagónicas, polinésias, mexicanas, astecas. Os seus personagens são exageradamente longos, com minúsculas cabeças ovais. O efeito é inesperado, sufocante, superiormente decorativo, como certas velhas tapeçarias medievais. Arte bárbara e ao mesmo tempo refinada, antiga e modernista, digamos que de um bizantinismo excessivo, mas ainda assim magnético e poderoso.
Os “XX Dessins”, para além de iniciáticos, são perpétuos. Ensinam-nos que a arte transcende a materialidade da vida.
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