O Arquiduque Leopoldo Guillermo na Sua Galeria de Pintura em Bruxelas (detalhe) . David Teniers II . 1647-1651

 

“A arte já cultivou o belo. Agora cultiva o feio. Isto transformou a arte numa elaborada anedota, que já não tem piada nenhuma.”
Sir Roger Scruton

 

Quer a política esteja a jusante da cultura, quer a cultura esteja a jusante da política, estão, no entanto, no mesmo curso de água. Como tal, para que a filosofia política conservadora tenha algum tipo de vitalidade real, tem de ser geradora de e receptiva à cultura. Isto não significa que uma tal filosofia  tenha de ser generativa de e receptiva a todas as coisas que se apresentam como cultura; pode, e deve, criticar a anti-cultura – isto é, as coisas ostensivamente “artísticas” que de arte não têm objectivamente nada e que, na realidade, minam uma cultura. Afinal de contas, o aspecto estético da cultura não é nem mais nem menos do que obras que se constroem e respondem umas às outras sob a forma de uma conversa histórica com muitas vozes dirigidas para fins semelhantes. Rejeitar essa tradição é deixar de participar na cultura e, em vez disso, advogar a sua destruição e substituição por outra coisa qualquer.

Quando os conservadores abandonam o terreno da produção cultural – não criando nem defendendo obras de arte novas e esteticamente sólidas – cedem à esquerda os meios de formação do carácter individual que são mais influentes para a maioria das pessoas. Os jovens, em particular, são pressionados pelos educadores e pelos seus pares, mas a sua formação política é também moldada pelas suas experiências culturais. Quanto mais alinhada com a esquerda for a cultura com que eles e os seus pares se envolvem, maior será o efeito que terá na sua formação política, ética e estética. Em alguns casos, estes efeitos culturais podem ser contrariados por outras forças, mas é profundamente insensato ignorar o efeito significativo que a cultura tem na formação das visões do mundo da grande maioria das pessoas.

Actualmente, a Grã-Bretanha parece ser o centro filosófico dos movimentos que estão a ser dirigidos no sentido de promover uma estética conservadora. As obra crítica de Roger Scruton, em particular, foi retomada por uma jovem geração de académicos conservadores de uma forma que já está a gerar uma mudança real e significativa no seio da academia. Nos Estados Unidos, Russell Kirk foi essa voz para uma geração anterior, e o Kirk Center continua o seu bom trabalho. Desenvolvimentos recentes no ensino superior americano (como o sucesso do Teste de Aprendizagem Clássica e o movimento das escolas clássicas) sugerem que a cultura americana está ansiosa por aceitar intervenções que orientem a educação, pelo menos, para a busca do verdadeiro, do bom e do belo.

No entanto, para que uma estética conservadora possa ter efeitos vitais na nossa cultura em geral, não deve ser confinada apenas ao domínio da teoria académica ou tratada como mero objecto de estudo desapaixonado na sala de aula. Deve ser promovida no emaranhado do quotidiano em que as pessoas comuns participam e de onde retiram a maior parte da sua visão política do mundo. Isto é, não apenas em museus, igrejas e salas de concerto, mas também em eventos de entretenimento popular, como produtos televisivos de alta qualidade, filmes, podcasts, música, romances, poesia, artes visuais, banda desenhada, jogos de vídeo e tudo à volta.

É claro que existem divergências, mesmo entre os conservadores, quanto à substância dos princípios essenciais de uma estética conservadora. Tais divergências académicas são naturais e desejáveis. Desde que fundados na boa fé, ajudam a aguçar e a aperfeiçoar a nossa compreensão da expressão artísitca e faz avançar a causa das nossas melhores realizações. Tais desacordos não devem, contudo, tornar-se tão intratáveis que paralisem o avanço dos próprios princípios que pretendem clarificar. Uma vez que este texto procura encontrar os elementos fundacionais necessários para promover uma “estética conservadora”, deixamos a tarefa de definir formalmente os pormenores aos filósofos e, para efeitos desta discussão, oferecemos apenas esta definição geral do que uma estética conservadora deve implicar:

As obras baseadas numa estética conservadora participam na conversa cultural com respeito pelas obras aclamadas do passado; mostram uma compreensão das qualidades formais que sustentam essas obras; constroem e acrescentam algo a essa tradição; e têm como fim último a elevação da humanidade em direcção ao que é Verdadeiro, Bom e Belo.

Esta definição, por sua vez, sugere quatro princípios de acção que devem contribuir para a formação de uma visão cultural conservadora do mundo, e que passamos a enunciar.

 

Caravaggio . A Captura de Cristo . 1602 . Galeria Nacional da Irlanda

 

Preservação

Preservar a tradição das obras de arte fundamentais que orientaram a nossa visão do mundo para o Verdadeiro, o Bom e o Belo.

Se há pessoas que se identificam como conservadoras, então têm de ter algo que pretendem conservar. Alguns conservadores interpretam o conservadorismo no sentido político mais restrito, procurando apenas conservar um determinado sistema político ou um conjunto de princípios ideológicos. Mas isso é perder completamente o objetcivo da política, que não é existir por si só, mas antes procurar poder para proporcionar o bem comum, incluindo um quadro estável de valores no qual o florescimento humano possa ter lugar. Tal como demonstrado pela produção artística de milhares de anos, a estética é uma das variáveis mais importantes da história, através da qual os seres humanos procuram compreender e representar o mundo que os rodeia, enquanto procuram o Verdadeiro, o Bom e o Belo.

A expressão artística influenciou gerações sobre gerações de seres humanos muito antes até de existir aquilo a que chamamos História. Retratadas nas paredes das cavernas, transmitidas oralmente e riscadas nos pilares de templos e cidades as alegorias visuais ou líricas enquadravam a espiritualidade humana e a relação do homem com o seu meio. Algumas tornaram-se símbolos tribais ou epopeias nacionais, outras transformaram-se em mitos ou aproximaram pela figuração do divino, os deuses do homem, tornando-se objecto de crenças religiosas. Na antiguidade clássica ou pré-clássica nem sempre é fácil separar a literatura da religião. Na idade média, a arte iconográfica ortodoxa servia de ponte para a metafísica cristã. Em suma, o efeito da manifestação artística sobre as pessoas é imenso e indescritível. Este legado deve ser preservado, quer para compreender a sua influência cultural, quer para que a ligação com aqueles que, no passado, desempenharam um papel na criação da cultura do presente permaneça viva e vibrante. Além disso, as novas obras de arte devem participar num diálogo com as obras do passado. Constroem novas ligações numa teia de influências geradoras e de conceitos partilhados que são mais bem compreendidos quanto maior for a experiência com a amplitude de uma cultura. Por isso, as grandes realizações artísticas devem ser preservadas, caso contrário a história dessa cultura será ininteligível e a criação de uma nova – com obras que dialoguem com a tradição – será impossível. Além disso, os êxitos duramente alcançados por uma cultura em direcção ao Verdadeiro, ao Bom e ao Belo perder-se-ão, com um custo incalculável para a humanidade.

Consequentemente, a cultura deve dar prioridade, acima de tudo, à preservação das suas obras artísticas; e na medida do possível, todas as pessoas devem ter acesso livre e fácil a elas, e devem estar disponíveis em cópias qualificadas que possam ser possuídas e partilhadas por indivíduos, para assegurar a mais ampla distribuição possível.

 

Vénus de Willendorf . 28–25.000 aC

 

Compreensão

Compreender as propriedades formais que deram corpo às obras de arte fundamentais.

Não basta apenas preservar as realizações artísticas de uma cultura. As obras de Shakespeare não iluminariam vidas se não houvesse quem fosse capaz de as ler e compreender. Por conseguinte, o estudo das obras de suprema realização da nossa cultura deve ser uma prioridade que só perde para a própria preservação da cultura. Mais uma vez, a história mostra que o estudo de uma determinada obra de arte pode continuar a produzir benefícios estéticos e filosóficos centenas ou mesmo milhares de anos após a criação da obra original. As pessoas ainda lêem Shakespeare, ainda o adaptam de formas novas e vibrantes, e ainda encontram na sua obra não só a compreensão do passado, mas também aspectos novos e vitais para procurar o que é Verdadeiro, o que é Bom e o que é Belo na experiência humana do nosso momento presente.

Além disso, o empenhamento em compreender as obras do passado evita a arrogância de acreditar que o momento presente é superior e que o homem actual transcendeu as falhas e os defeitos intemporais inerentes à espécie. Compreender o pentâmetro iâmbico, a subtil interacção entre prosa e poesia, o arco narrativo, a estrutura do jogo cénico, as influências do verso italiano e do drama grego, e as inúmeras ligações com centenas de outras obras brilhantes, é começar a compreender a qualidade inigualável de Shakespeare, e evitar a ignorância absurda de estar convencido de que tal ofício é simplesmente mecânico. O mesmo acontece com todas as outras grandes obras da nossa cultura, em maior ou menor grau. Compreender o ofício e a forma de um empreendimento estético é começar a compreender a sua cultura, de uma forma que não pode ser alcançada por qualquer outro meio.

Por conseguinte, a educação deve dar prioridade à compreensão das grandes obras de realização cultural, com uma sofisticação adequada ao nível de ensino. Essa compreensão deve ser fomentada em toda a cultura, em vez de ser relegada para um contexto puramente académico ou especializado. Por último, os agentes da cultura devem considerar a compreensão dessas formas como o melhor meio para equacionar a sua própria história e tradições e, consequentemente, o seu próprio ser.

 

Maxfield Parrish . Daybreak . 1922

 

Criação

Criar novos trabalhos que estabeleçam um diálogo profícuo com as nossas obras de arte fundamentais.

Uma cultura que não é geradora está morta. Embora as grandes obras do passado devam ser preservadas e compreendidas, não devem ser reverenciadas como a última palavra no diálogo humano. Pelo contrário, são um convite ao envolvimento e à reacção no contexto da tradição cultural. Shakespeare responde a Chaucer, a Boccaccio, a Ovídio e a inúmeros outros génios num modo poético e dramático que se baseia na tradição, ao mesmo tempo que inova. Do mesmo modo, Milton responde a Shakespeare; Camões a Virgílio; Pessoa a Whitman, James Joyce a Homero e assim sucessivamente. Estudar cada uma destas obras é seguir o fio da tradição à medida que esta se desenvolve.

Não se trata de sugerir que os autores posteriores são necessariamente melhores na busca do Verdadeiro, do Bom e do Belo. Pelo contrário, trata-se de compreender que cada autor usa o passado em conjunto com o presente para criar algo que é ao mesmo tempo antigo e novo; baseado no que é actual, mas também com inovações que podem vir a revelar-se elas próprias intemporais. Por conseguinte, é um sinal da saúde de uma cultura e do sucesso dos seus esforços para preservar e compreender as suas realizações mais importantes o facto de continuar a produzir novas obras que são consistentes com as suas tradições culturais – quer esses novos esforços sejam imitativos, adaptativos ou novos, e quer sejam apresentados num modo tradicional ou através de um meio inteiramente novo.

Consequentemente, a cultura deve permitir e promover novos esforços criativos, quer dentro das suas formas tradicionais de expressão estética, quer construindo sobre elas. As práticas de memorização, imitação e adaptação devem fazer parte da educação normal a todos os níveis. E as produções culturais devem desenvolver-se de modo a permanecerem parte de todos os modos e meios de experiência cultural aos mais altos níveis de qualidade e produção.

 

Espaços Ocultos . José Manuel Ballester . 2012 . Trabalho sobre “As Meninas” de Diego Velázquez . 1656

 

Advocacia

Defender tanto as obras de arte recém-criadas como as obras de arte fundamentais.

A experiência moderna sugere que, num mundo cada vez mais globalizado e homogeneizado, a preservação cultural necessita de um certo grau de encorajamento e defesa, a fim de evitar a diluição ou o esquecimento. Isto é especialmente verdade à medida que a sociedade global se torna mais ampla, mas cada vez mais superficial, na sua apreensão do conhecimento cultural, prejudicando paradoxalmente a capacidade das pessoas de compreenderem as culturas com as quais interagem cada vez mais frequentemente. Por conseguinte, as instituições culturais devem defender tanto um empenhamento sério nas suas tradições, como novas obras que sejam coerentes com essas tradições, tal como acima referido. Caso contrário, a cultura arrisca-se a ser reduzida a uma caricatura simplista, na melhor das hipóteses, ou, na pior, à irrelevância e ao subsequente desaparecimento. Uma vez que os compromissos culturais mais significativos requerem frequentemente um grau invulgar de especialização e talento, a promoção é necessária para encorajar a participação daqueles que possuem um ou ambos. Além disso, a promoção ajuda a manter o perfil de obras vitais e fundamentais que, devido à sua familiaridade e carácter icónico, poderiam ser erradamente consideradas ultrapassadas ou banais.

Por conseguinte, os indivíduos e as instituições devem exercer a sua influência para defender a preservação, a compreensão e a criação de obras que participem na tradição cultural e que visem o Verdadeiro, o Bom e o Belo. Para tal, devem ser canalizados amplos recursos financeiros, tanto a nível académico como popular. Por último, devem ser envidados todos os esforços para dar visibilidade a estas obras, novas ou antigas, com o objectivo de encorajar uma participação vibrante e duradoura das massas na cultura.

 

Christina’s World . Andrew Wyeth . 1948

 

Conclusão

Obviamente, estes quatro princípios gerais de acção não são exaustivos no que diz respeito ao avanço de uma cultura verdadeiramente conservadora. Mas ao adoptar os princípios acima descritos, os conservadores podem começar a corrigir o actual desequilíbrio cultural com que se deparam as pessoas que vivem no Ocidente – um desequilíbrio que favorece uma anti-cultura hostil à tradição, sem paralelo na civilização ocidental. Ao fazê-lo, teremos dado um passo importante para revitalizar e preservar a nossa cultura comum, de modo a podermos transmiti-la à geração seguinte, tal como foi confiada à nossa. E assim, a tocha que iluminou o longo e sinuoso caminho em direção ao Verdadeiro, ao Bom e ao Belo não se extinguirá no nosso tempo. Pelo contrário, brilhará ainda mais até que novas mãos, num novo tempo, a tomem por sua vez.