A expressão “o lado certo da História”, que pressupõe tanto e prova tão pouco, é espúria, mas estamos sempre a ouvi-la a toda a hora porque está intimamente ligada ao historicismo neo-liberal e os globalistas não podem viver retoricamente sem ela.

O problema com a esse mal amanhado historicismo é que está longe de ser a única teoria da História disponível e não consegue explicar os tempos em que a História não percorreu uma trajectória linear ascendente de desenvolvimento tecnológico, por exemplo, e contribui geralmente para mostrar as falhas morais e as dissidências cognitivas do orador que está sempre com ‘o lado certo da História’ na boca.

A expressão é tão presunçosa e auto-congratulatória que só pode ser usada por alguém que está na verdade completamente equivocado sobre o percurso existencial dos homens e do seu significado último (se é que existe algum) e da sua direcção ontológica (caso se manifeste), mas tão completamente persuadido pela justiça da sua própria causa que qualquer erro de trajectória não passa de um breve desvio cósmico que em breve será corrigido porque tudo já foi decidido e porque assim declaram os neo-liberais e assim há-de ser porque afirmando-se ateus, estas luminárias são religiosas como ninguém e sabem, com a convicção determinista e dogmática de um fanático jihadista, que a questão já está respondida, a corrida já está vencida, o futuro já foi conquistado e os amanhãs vão cantar histericamente os grandes triunfos do progresso de sentido único, absoluto e incontornável.

Quanto às pessoas más, vão inevitavelmente falhar porque os próprios céus (seculares) o decretaram. A vitória é inevitável, mesmo perante todas as derrotas que possam acontecer (apocalipses temonucleares e pandemias zombie incluídas) porque há um objectivo para o universo, um objectivo para a História e um objectivo para tudo o que existe e esse objectivo é fazer com que as pessoas possam pagar a subscrição da Netlix, mastigar McDonald’s até ao vómito, passear com os filhos infantes nas manifestações do orgulho gay, desconfiar que os homens podem engravidar, aclamar entusiasticamente e receber passivamente 3 doses de terapias genéticas por ano, e viver o resto do tempo confortavelmente instalados nos seus casulos tecnológicos. Foi isto que ordenou o soviético (e secular) criador dos céus e da Terra, ou seja, eu, membro do clube de Davos ou de Bilderberg ou do Boemian Groove ou do Congresso americano ou da loja maçónica de Alguidares de Baixo, que decretei assim e a humanidade assim deve crer e assim deve fazer.

Estes elitistas da grande seita globalista apelam a uma espécie de padrão objectivo de moralidade, enquanto negam que tal coisa exista, chafurdando no relativismo pós-moderno do vale tudo e de uma sociedade sem Deus, nem lei nem ordem nem critérios que nos permitam saber o que é belo, o que é justo, o que é certo ou é errado ou até o que é afinal uma mulher e porque é que ela é diferente de um homem.

Em vez de aceitarem valores que historicamente funcionaram em favor da humanidade, os génios que acham que estão ‘do lado certo da História’ têm a presunção de acreditar
que já a perceberam perfeitamente, que sabem onde é que ela vai dar, que dominam a fórmula que sustenta a sua mecânica, e eis que por um incrível incrível golpe de sorte, essa mecânica se alinha com o que eles acreditam ser bom, verdadeiro e moral. Afinal, quais eram as probabilidades de eles terem nascido numa determinada altura, num determinado lugar, num tipo de civilização que estivesse do lado errado da História?

É impossível. Eles estão sobremaneira certos para poderem estar errados e é assim.

Há uma quantidade fenomenal de arrogância nesta frase, de tal forma que perfura o cérebro e fere a sensibilidade de qualquer pessoa sensata. Ouvimos a expressão constantemente, mas nunca nos conseguem explicar porque raio é que ‘o lado certo da História’ cometeu tantos erros e por que é que foram necessárias as chacinas dantescas e as ondas de destruição homérica para prosseguir neste rumo ideal e utópico. Todos os grandes genocidas, desde a época da Revolução Francesa em diante, afirmaram que estavam do ‘lado certo da História’ e milhões morreram de forma indescritível por causa disso. Pensando bem, o ‘lado certo da História’ tem matado mais gente que o lado errado e podemos começar a questionar a legitimidade de quem determinou que este lado estava certo e o outro lado estava errado. Na verdade não há literalmente limite para a quantidade de tormentos que podem ser infligidos à humanidade ao serviço de se ser tão justo, se continuarmos a dizer a nós próprios que, por definição, tudo o que fazemos é correcto e, portanto, todos os males que infligimos são de facto bens. Que, por acaso, até é a posição que os piores tiranos da História têm assumido. E estes tiranos modernos, não são diferentes dos antigos.

O que é que distingue exactamente um do outro lado, se ambos afirmam estar do lado certo da História enquanto se entretêm com genocídios? Se acreditarmos que a História tem um arco moral mas não acreditamos num Criador? Se teimarmos que a História é escrita pelos vencedores e que tem um arco moral: a ideia de que os bons da fita ganham sempre. Mas quais são as probabilidades de isso acontecer?

Se a direcção da História é inevitável porque os bons triunfam porque são mais fortes e por serem mais fortes são bons, então temos razão porque ganhámos e ganhámos porque temos razão e se a História é escrita por esses vencedores então isso não é diferente de dizer que a História é escrita pelos mais brutais dos seres humanos. E se Heisenberg, o chefe do programa nuclear nazi, tivesse batido Oppenheimer na corrida à bomba atómica? E se Nikita Khrushchev, em vez de ceder no braço de ferro dos mísseis de Cuba, estivesse tão esfomeado de guerra como parecem agora os líderes da NATO? Estariam nesse caso ‘do lado certo da História’ nazis e bolcheviques, celebrando sobre as cinzas do mundo a feliz conclusão do seu arco moral?

O que faz com que os apparatchiks do lado correcto da História vivam assim seguros da sua convicção moral, para além da sua capacidade de matar milhões de pessoas, é que estão no negócio de dar direitos ilimitados à Humanidade e que, portanto, o progresso do reconhecimento das identidades mais abstrusas e das aspirações mais idiotas valida e justifica a sua causa e, no imediato, pode parecer que é esse o caso, mas o que acontece quando se ultrapassam os limites que são necessários à saúde psicossocial dos povos e à sanidade dos indivíduos, limites esses que não podem ser facilmente reconstruidos?

Numa recente entrevista concedida a Tucker Carlson, Aleksandr Dugin fez esta previsão:

Assim, o sexo é algo opcional. E isso não foi apenas um desvio do liberalismo. Foram elementos necessários para a implementação e a vitória desta ideologia liberal. E o último passo que ainda não foi totalmente dado é a libertação da identidade humana. A humanidade é opcional. Vocês no Ocidente estão a escolher o sexo que querem, como querem. E o último passo neste processo de implementação do liberalismo significará precisamente a opção humana. Assim, podem escolher a vossa identidade individual de serem humanos ou de não serem humanos. Isso tem um nome: Transhumanismo, pós-humanismo. Singularidade. Inteligência artificial.

E este será então, o ‘lado certo da História’.

A negação moral de uma ordem anterior que estava aparentemente do lado errado da História é fácil de defender e fazer avançar porque cria nada, para além de destruição. ‘O lado certo da História’ exige a presença de uma força positiva compensadora, mas como os neo-liberais não conseguem construir coisa alguma a cláusula definitiva é esta: tudo o que fizerem que eu não goste, posso declarar que está no o lado errado da História e tudo o que for feito de acordo com os meus delírios útópicos e sonhos de poder está do lado certo da História e posso declarar estas coisas depois do facto, não tenho de construir um sistema de valores ou um quadro de referências em que o lado correcto tem que declarar antecipadamente o que é correcto e portanto, nunca poderei estar efectivamente errado. Este método traduz-se simplesmente num jogo viciado, em que as regras mudam constantemente em função dos meus interesses e do que eu gosto contra o que não gosto: cara ou coroa, eu ganho sempre e estou invariavelmente do ‘lado certo da História’.

Esta a filosofia de auto-indulgência, que vive sem um padrão objectivo para medir o certo e o errado, sem critérios definidos e conhecidos antes do acto e sem expectativas claras das consequências a posteriori, é uma patética tautologia, um desperdício de fôlego e tempo e uma forma de abdicar da responsabilidade moral pelas decisões que tomamos. Ninguém tem acesso privilegiado à história futura da Humanidade ou aos insondáveis desígnios de Deus ou, simplesmente, às mais profundas razões que motorizam o universo. Estes esquerdistas-globalistas, moralmente vis, intelectualmente preguiçosos, e arrogantes como monarcas míopes num reino de cegos, deviam ter vergonha. Deviam calar a pesporrência. Deviam simplesmente assumir a ingomínia sem nexo nem lado certo nenhum, para além da fome de poder, e seguir em frente e em silêncio, rumo ao inferno com que sonham acordados.