Tendo a educação se tornado unicamente propagação ideológica e movimento político, muitos conceitos históricos necessários foram perdidos. Grande parte da história política e filosófica foi omitida, queimada ou desintegrada do acesso popular para que paulatinamente fosse remodelada segundo o design woke. Dentro desse amplo projeto de arquitetar uma nova história, a exclusão de um termo político e filosófico foi excepcional: Aristocracia.
Este termo já não significa muito mais do que “desigualdade” ou “privilégio de nobres” ou qualquer outra coisa que explicite a ideia de ser uma ameaça à democracia e a igualdade tão almejada pela sociedade. Fato é que esse desejo de igualdade é fruto de um pensamento falso, que presume que ser igual é realmente um desejo de todos, enquanto paralelamente incita e propaga os ideais de aceitação indistinta de diferenças.
A democracia está chafurdada neste pensamento igualitário onde a igualdade significa mediocridade. Entendendo isso fica claro que o desejo de uma linha horizontal social não está fundado em justiça ou na pretensão de estabilizar e dignificar as condições de vida das pessoas, mas está maquiavelicamente envolvida em controle social e na usurpação da própria dignidade do valor humano.
O conceito de Aristocracia, originalmente solidificado na filosofia grega, compreende que é natural do processo humano a desigualdade em funções, vocações e capacidades. Isso não significa relativizar o valor e a dignidade humana, mas supõe uma hierarquia natural, social e espiritual. É a afirmação lógica de que poucos, como em uma pirâmide, estão no topo, e progressivamente a maioria se encontre nivelada por baixo. Esse fator, conhecido pelos gregos, pode ser averiguado em diferentes instâncias, das mais relevantes as mais simples e cotidianas.
Os valores de uma aristocracia verdadeira começam na formação do indivíduo, educando-o desde a tenra idade segundo as inclinações dos seus talentos e do despertar da sua vocação. Compreendendo que a realidade não faz parte desse ciclo animalesco de evitar a dor e buscar o prazer, formando também o seu imaginário e os seus valores morais, buscando domar-se e tornar-se capaz de conduzir a si mesmo, em primeiro lugar, e posteriormente sua família e as instituições necessárias que lhe forem conquistadas.
Se é fato que essa formação aristocrata se dá no âmbito pessoal, ela é necessariamente uma justa contraposição desse igualitarismo usurpador que toma conta da sociedade através de discursos podados proferidos por filósofos, políticos e ativistas. A mediocridade anda em bando, porque ela se retroalimenta, ela se sustenta e mantém, justamente, um padrão horizontal onde ninguém pode superar e ser mais do que um simples igual, acorrentado em vícios, acostumado com pouco, satisfeito com as migalhas da realidade como um animal adestrado em seu rebanho, sem uso da razão e consequentemente sem o uso da própria liberdade, que foi comprada a preço baixo.
A aristocracia, em contraposição, anda sozinha, solitária num caminho onde buscar a excelência é sinônimo de extremismo, radicalidade. Na contramão das pautas ideológicas, na contramão da própria concupiscência, da própria maldade interior, reconstruindo e edificando as bases sólidas de uma sociedade, enfrentando grandes dificuldades na missão de desbravar a própria existência e a realidade ao seu redor.
PAULO H. SANTOS
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Paulo H. Santos é professor particular de filosofia, bacharel em filosofia (UCP – Brasil) e formado em História (UNESA – Brasil). Católico. Escreve em português do Brasil
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.
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