O ContraCultura é uma publicação de inspiração cristã e reconhece por isso que alimentar o ódio por outros seres humanos é condenável, por princípio moral.
Sabemos porém que até Jesus Cristo abria excepções, já que é nítido nos Evangelhos que não morria de amores por fariseus, agiotas, vendilhões do templo, escribas do establihsment e outros crápulas que infestavam a sociedade semita e gentia do seu tempo e do seu espaço.
O Contra abre assim, também, uma excepção para fazer a apologia do ódio, sem bem que restrito a um grupo muito específico de indivíduos. Mas vamos por partes.
Um dos vectores fundamentais da retórica contemporânea dos poderes instituídos é a condenação do ódio. Para além da ironia de que esta obliteração de um sentimento que é, em certo sentido, imanente na condição humana, provém da lógica ateia e niilista das elites – que na verdade odeiam toda a gente que não obedeça aos seus mandatos profanos – o espírito da cruzada é falacioso e contraditório, porque a ideia de combater o “discurso de ódio” só fomenta mais ódio, impedindo que sentimentos funestos se libertem pela expressão oral ou escrita, antes de ganharem a dimensão dramática da violência física; e porque o ódio só pode ser na verdade atenuado pela tolerância, pela interpretação dialéctica do outro, pelo exercício da razão e pelo debate público e não pela censura, pela repressão e pelo encarceramento dos dissidentes que teimam em detestar este ou aquele indivíduo, este ou aquele grupo de pessoas.
Proibir o ódio é tão estúpido como proibir o amor. São duas faces da mesma moeda.
O ódio, aliás, não acontece por acaso. Como a má língua é um instrumento de homeostase social e de escrutínio grupal que permite eleger os mais capazes e dignos para funções de responsabilidade e liderança no contexto comunitário, também o ódio pode ser interpretado como um meio de purgar a sociedade de certos elementos aberrantes, por um lado, e construir novas soluções de organização civilizacional, por outro. O ódio a nazis permitiu mobilizar meio mundo contra a ameaça nacional-socialista. O ódio ao parlamento britânico e à sua voracidade fiscal, sem contraponto de representação democrática, deu origem aos Estados Unidos da América. O ódio ao império colonial permitiu que um subcontinente que nunca tinha conseguido levantar algo parecido com uma nação construísse dois poderosos países: A Índia e o Paquistão. O ódio a agiotas levou à sua institucionalização, através da regulamentação da actividade bancária. O ódio àqueles que transaccionavam a salvação da alma como uma mercadoria, originou a Reforma protestante. Os exemplos históricos são inúmeros.
A própria ideia do estado-nação tem por trás a constatação que seria necessário separar as pessoas que milenarmente se odiavam, procurando cristalizar em áreas geográficas determinadas e organizadas em função de uma autoridade central aqueles que se entendiam, defendendo-os daqueles com os quais estava historicamente provado que não se entendiam.
Foi o ódio entre povos, culturas e credos que motorizou muitas dos grandes movimentos históricos, alguns deles tenebrosos, é verdade, outros nem por isso. É possível argumentar que o ódio ao comunismo levou o homem à lua, por exemplo.
Curiosamente, até as elites globalistas acreditam que há um ódio bom: é recomendável que se odeiem os ignorantes que votam Chega, que votam Trump, que votam AfD. É compreensível que os ‘negacionistas’ do apocalipse climático sejam desprezados e que os não vacinados sejam tratados como uma sub-espécie, no limite entre o Sapiens e o Neanderthal.
O ódio ao homem branco, seja na África do Sul, seja na redacção da BBC, também é bom e justo. E os apparatchiks do New York Times concordariam comigo quando escrevo que foi o ódio ao apartheid que resultou na África do Sul contemporânea, embora discordássemos seguramente sobre as virtudes do actual regime que é tão ou mais racista que o anterior. Porque no NYT há um racismo que é aceitável e um racismo que não é aceitável, dependendo da cor da pele de quem é racista e de quem é vítima de racismo.
Vem toda esta conversa precisamente a propósito da imprensa e da recente notícia que os contribuintes portugueses, à semelhança do que já acontece por todo o Ocidente, vão pagar 15 milhões de euros para salvar os títulos da comunicação social que, por incompetência, preconceito, niilismo, desamor à verdade dos factos, activismo espúrio e compadrio corporativo, estão em falência técnica.
Estado corporativo, puro e duro: Como já ninguém consome a propaganda, têm que ser os contribuintes a subsidiar os parasitas e os apparatchiks do regime. Até metem nojo. https://t.co/sX3C8UTULr
— ContraCultura (@Conta_do_Contra) March 20, 2024
Como já ninguém que tenha um neurónio a funcionar consegue suportar a propaganda regimental, o uníssono ideológico, o vazio de ideias, o servilismo, o conformismo, a
ausência de curiosidade e coragem e o insuportável moralismo de algibeira da imprensa que temos, há que subsidiar a mediocridade, para ‘salvar a democracia’.
Este argumento não pode ser mais revoltante, já que se há um vector que está de facto a condenar a democracia é a imprensa corporativa e a sua acção em favor da agenda totalitária que tem vindo a dominar a vida política no Ocidente.
Em vez de reflectirem sobre a medíocre qualidade do seu trabalho, ao invés de equacionarem um regresso aos valores que fizeram da sua profissão um nobre ofício e ao contrário de se confrontarem com as suas próprias misérias, os jornalistas optaram pela solução fácil, imediatista e francamente desonrosa do subsídio público, profundamente perverso e visceralmente aberrante.
Já tendo capitulado em função dos interesses do grande capital, foram agora despromovidos oficialmente (porque já o eram oficiosamente) a criaditos do Terreiro do Paço.
Num mundo normal, esta gente ficaria envergonhada dessa condição robótica de meros escribas do establishment (como os tais que Cristo desdenhava); num mundo normal seriam gratos ao contribuinte que lhes vai pagar os ordenados, mas como vivemos num mundo ao contrário, vão apenas cumprir ainda mais intensamente, se possível, o papel infame que lhes destinam os intérpretes do poder político e económico, que na sua limitada perspectiva lhes garantem a sobrevivência.
A consolação é que não podem estar mais equivocados, porque a sua actividade de cinzas é insustentável. Não há holdings mafiosas, não há bilionários manhosos, não há governos corruptos que consigam pagar o prejuízo material e imaterial da imprensa corporativa. É só uma questão de tempo para que caia na rua, em definitivo.
Mas convenhamos: é impossível não odiar jornalistas. Mais: é difícil odiá-los tanto como eles merecem.
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