Nicolau carrega o fuzil com atenção meticulosa. Trovão, que jaz no trilho gelado e resfolega, com a lentidão dos condenados, lamentos antigos, traz o peso de todos os brinquedos da história universal naquela fractura exposta, exuberante, que serve de sangue o gelo sequioso.
O silêncio ártico, teimoso e barulhento e entretido com o ruído do destino, interrompe-se finalmente para que se oiça apenas no mundo o silvo metálico do zagalote, que se acomoda na interminável dialéctica entre o gatilho e o canhão.
Homem e rena fazem colidir o olhar incendiado num quântico momento de eternidade. Não mais correrão juntos as milhas astronáuticas. Não mais farão partilha do conforto das estalagens. Não mais, a velocidade cúmplice. Não mais, a lendária lealdade. Nicolau não sabe chorar e Trovão não quer demorar o adeus: chegou o momento de devolver ao universo os átomos que tomou emprestados, e é tudo.
Homem e rena procuram no céu a estrela que guarda o selo da sua amizade, mas a lua, desmesuradamente insuflada, cega o céu nocturno.
Bang.
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