Elon Musk tem uma estranha obsessão pela letra cruzada, e mudou a famosa marca do Twitter para ‘X’ da noite para o dia. Há quem sugira que esta acção de rebrand se irá tornar num estudo de caso sobre como afundar uma marca com altos índices de notoriedade.
Mas há uma lógica por trás do que Musk está a fazer, e ele tem exposto as suas intenções desde o início da aquisição do Twitter. Por exemplo, um relatório de Outubro de 2022 da Fortune observou que Musk tem “uma queda pela letra ‘X’”, observando que um dos seus filhos responde por esse apelido; a sua empresa de foguetões chama-se SpaceX e a companhia que usou para comprar o Twitter… Holdings X. O plano, como observou a Fortune, sempre foi o de renomear o Twitter como X e, em seguida, transformar o site numa aplicação multifuncional, de carácter universal, semelhante ao WeChat chinês.
Nas palavras de Musk:
“Nos próximos meses, adicionaremos comunicações abrangentes e a capacidade de conduzir todo o seu mundo financeiro.O nome Twitter não faz sentido neste contexto.”
Mas há uma série de razões pelas quais é sensato duvidar que essa transformação funcione. Por um lado, os internautas chineses têm um perfil de utilizadores diferente das pessoas de outras partes do mundo. Até algumas décadas atrás, a China era um país extremamente pobre e a maioria dos nativos não tinha acesso à internet. Por isso, os chineses pularam directamente do zero para os smartphones, já que nunca tiveram um computador de secretária. Assim, em essência, todo o ambiente web chinês é amigável para o celular, enquanto em outras regiões do globoo, especialmente nos países ocidentais, muitas pessoas usam ainda desktops e laptops.
Há também a questão de saber se o mundo em geral e os ocidentais em particular, principalmente os americanos, aceitariam uma aplicação de carácter globalista. A desconfiança pública sobre as Big Tech continua em alta, já que empresas como a Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp), e a Alphabet (Google, Youtube) continuam a produzir escândalos públicos envolvendo acesso e comércio de dados pessoais e conluio com o governo federal dos EUA. É duvidoso que as pessoas aceitem uma única aplicação que aceda a todos os seus dados, para depois serem usados só Deus sabe como. O Ocidente não tem uma cultura que aceite tal conformidade, justificada ou não.
A X também não é a única plataforma tecnológica americana a ter a ideia de imitar conceitos válidos no Oriente. A Meta já copia recursos de aplicações chinesas há anos. Os “marketplaces” do Facebook e do Instagram foram obtidos directamente de concorrentes asiáticos, e ambos emularam ideias e formatos do seu concorrente chinês mais directo, o TikTok, como os vídeos curtos, na vertical, implementados agora no Youtube. Dado o facto de que a China é, apropriadamente, acusada de roubo de propriedade intelectual, e que os CEOs das tecnológicas dos EUA apoiam essa narrativa para obter ganhos oportunistas, a circunstância de Silicon Valley estar agora também a copiar o que fazem os chineses não deixa de ser irónica.
Há também algumas preocupações práticas imediatas sobre esta acção de rebranding. Depois de assumir o controle da empresa, Musk reconheceu que financeiramente as coisas não estava a correr bem, sugerindo até que poderia enfrentar a falência num futuro próximo. Neste contexto, implementou o Twitter Blue, um serviço de verificação para pessoas dispostas a pagar 8 dólares por mês, e limitou a quantidade de tweets publicados e visualizados por utilizadores que usam gratuitamente o serviço. Esta decisão, apoiada por uma filosofia que reduzia os abomináveis níveis de censura da anterior gestão da plataforma, tinha uma lógica sólida e recolheu milhões de subscritores. Mas também por causa da alteração das políticas relacionadas com a liberdade de expressão, que desagradou ao grande capitalismo corporativo, a empresa perdeu metade das suas receitas publicitárias desde que Musk a adquiriu. E assim sendo, é pertinente questionar a decisão de alterar a nomenclatura e o logo de uma marca que vive ainda num ambiente de incerteza.
As pessoas conhecem o Twitter mas não conhecem o X. Vão continuar a usá-lo? Se o falhanço do lançamento nos EUA do concorrente directo Threads serve de referência, a resposta é sim. Mas o rebranding apenas adiciona atrito e reduz a visibilidade de uma aplicação já bem estabelecida. Para se ter uma noção de como o Twitter está ligado até à gíria das redes sociais, o verbo ‘twittar’ está no dicionário de muitas línguas do mundo. Agora ficamos com “xitar” ou algo do género que será irreconhecível e impronunciável.
Uma das características definidoras de Musk, além de propensão para o X, é a sua imagem de génio progressista que empurra a humanidade para a frente. Os seus negócios porém podem ser excessivamente progressistas, como a abjecta Neuralink, irremediavelmente condenados ao fracasso, pelo menos a curto e médio prazo, como o projecto das viagens a Marte da Space X, ou simplesmente fraudulentos, como é o caso da Tesla, que vende carros eléctricos para tranquilizar consciências ambientalistas, embora o impacto do seu fabrico no ambiente seja praticamente o mesmo dos automóveis a combustão interna.
Ainda assim, ninguém duvida da sua capacidade de fazer dinheiro, criar tendências e levantar os projectos em que acredita. E nesse sentido, Musk pode acabar por ser tão bem sucedido com esta excentricidade como tem sido com outras.
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