“Remember, democracy never lasts long. It soon wastes, exhausts, and murders itself. There never was a democracy yet that did not commit suicide.”
John Adams

 

Há muitas maneiras de tentar aniquilar a democracia. As maneiras antigas têm sido geralmente contrariadas pelo sangue dos povos e pela sabedoria dos fundadores dos regimes ocidentais que, nos séculos XVII e XVII, em Inglaterra, na América e em França, estabeleceram os cânones que iriam funcionar esplendidamente até ao fim do Século XX. As maneiras modernas, infelizmente, nunca foram sonhadas ou previstas por esses sábios. E os povos ocidentais da actualidade não estão interessados em derramar uma gota que seja do seu plasma vital para defenderem o mais nobre legado da ciência política, na curta história da humanidade.

Para sermos justos, seria impossível que Hobbes antecipasse o niilismo ideológico da BBC, o decaimento marxista de Oxford ou a esquizofrenia totalitária de Justin Trudeau; que Jefferson conseguisse prever os golpes baixos do actual Departamento de Estado americano, os truques sujos de Silicon Valley e a vilania da CNN, que Locke considerasse possível a uma organização satânica como o World Economic Forum a infiltração decisiva nos corredores do poder e que Montesquieu pudesse imaginar que a futura república francesa fosse partilhada com milhões de muçulmanos que subscreveriam uma boa parte dos preceitos regimentais do Ancient Régime.

Ainda assim, para destruir essas ideias constituintes do ideal democrático e humanista do Ocidente, foi preciso fazer batota, porque os legisladores do iluminismo sabiam bem o que estavam a edificar e contra que forças históricas batalhavam e o princípio áureo de “um governo da lei em vez de um governo dos homens”, é difícil de contrariar se respeitarmos as regras do jogo. Este texto, bipartido, destina-se precisamente a enunciar alguns desses métodos trafulhas, esses preceitos bandidos que levaram à falência, nos últimos 10 a 20 anos, a boa, previdente e duradoura filosofia política desses pais fundadores.

 

Caso de estudo #01
Jurisprudência da destruição: do Supremo Tribunal Americano à politização dos órgãos judiciais.

O Supremo Tribunal dos Estados Unidos é, para todos os efeitos, um tribunal constitucional, com poderes para alterar radicalmente a leitura jurídica do documento fundamental da federação. É por isso de importância transcendente que o colectivo de juízes que o compõem seja ideologicamente equilibrado. Assim sendo e segundo a Constituição norte-americana, os Juízes são nomeados pelo Presidente e confirmados ou rejeitados pelo Senado, de forma a que exista um constante exercício de compromisso entre os poderes instituídos. Mais a mais, um juiz que seja confirmado para o Supremo fica por lá até que se queira reformar ou que morra, pelo que as oportunidades de nomear novos magistrados não abundam e a hipótese de criar maiorias ideológicas de carácter absoluto neste colectivo, são, em teoria e na práctica, muito reduzidas.

Acontece porém que, nos últimos anos, tem sido nítido um fenómeno de ilusionismo que rompe completamente com a lógica constitucional: os juízes nomeados pelos republicanos por terem um perfil de jurisprudência conservador, chegam ao Supremo e começam a actuar como liberais.

Nos últimos 30 anos, os republicanos colocaram 6 juízes no Supremo. Destes, apenas um, Clarence Thomas (por acaso o primeiro desta sequência de três décadas, confirmado em 1991) tem votado consistentemente como um conservador em áreas tão diversas como o aborto (contra), a posse de armas (a favor), a livre iniciativa económica (a favor), os monopólios (contra), a liberdade de expressão (a favor), o serviço público de saúde (contra) e etc.

Todos os outros, com especial destaque para os 3 juízes que Donald Trump conseguiu confirmar, têm traído da forma mais escandalosa possível as expectativas criadas aquando da sua nomeação, votando quase invariavelmente com os juízes democratas nas questões fundamentais que dividem hoje a América e os americanos. O  caso do acordão sobre o Obama Care é um exemplo típico desta situação. A revogação da validade jurídica do célebre Roe v. Wade é a excepção, embora neste caso a unanimidade dos juízes conservadores se deva à falência técnica do precedente (que contextualizava o aborto como um serviço de saúde universal num país que não consagra constitucionalmente a universalidade dos serviços de saúde), do que ao impulso ideológico.

Ora, o espírito constitucional que preside à formação do Supremo Tribunal americano não tem obviamente em linha de conta este abstruso comportamento dos magistrados, que manifestam um perfil conservador durante toda a carreira, só para o traírem quando chegam ao seu topo. Assim, é impossível manter a integridade do primeiro órgão judicial da nação. E sem essa integridade, todo o sistema político americano fica seriamente ameaçado.

Para piorar as coisas, os democratas, que neste momento habitam a Casa Branca e dominam uma das câmaras do Congresso, querem aproveitar para colocar mais quatro juízes no Supremo, mesmo sem que nenhum dos que lá está se reforme ou morra. Escusado será dizer que esta iniciativa (“Packing the Court”) é completamente inconstitucional, apesar de ser organicamente possível, pelo que a radicalização ideológica do primeiro tribunal americano está hoje completamente no horizonte de possibilidades.

Mas a deterioração do regular funcionamento das instituições judiciais em democracia e no quadro dos estados de direito, que é vertiginosa nos Estados Unidas da actualidade, não fica por aqui. No ano passado, o Congresso americano mandou prender inimigos políticos, substituindo-se aos tribunais: foi juiz, júri e carrasco, com desplante totalitário e a ajuda do State Department e do FBI. Tal e qual como se faz numa ditadura asiática ou sul americana.

Mais: o aparelho judicial e o FBI parecem agora totalmente controlados por democratas (e alguns republicanos que deviam na verdade estar registados como democratas), que não têm qualquer problema em usar estas instituições para perseguir os seus adversários e absolver os seus camaradas. A dualidade de critérios é tão assustadora como é draconiana a vontade de exercer repressão política.

Enquanto dezenas de cidadãos que invadiram o Capitólio a 6 de janeiro permanecem, mais dois anos depois do facto, encarcerados, sem acusação formalizada (alguns foram brutalizados e espancados, outros isolados em solitárias durante largos períodos de tempo), o Departamento de Justiça Norte Americano e o seu braço armado, o FBI, está declaradamente a perseguir o escasso jornalismo dissidente que resta na Federação.

Enquanto Donald Trump está a ser judicialmente acossado, com acusações espúrias, por várias procuradorias distritais de forma a que a sua recandidatura à presidência seja impossibilitada, a família Biden passa impune nos intervalos da torrencial chuvada de indícios de corrupção de tal forma escandalosos que dificilmente conseguimos encontrar na história da federação um qualquer paralelo.

Neste contexto, considerar que os Estados Unidos da América cumprem, na terceira década do Século XXI, os requisitos de uma democracia no quadro de um estado de direito, é viver alienado dos factos.

 

Caso de estudo #02
A traição dos mandatos eleitorais e o fim do direito à representação.

Um fenómeno ubíquo muito parecido com o do primeiro caso de estudo tem acontecido nos últimos dez a vinte anos com os representantes políticos, um pouco por todo o Ocidente. O paradigma que nos está mais próximo foi interpretado por Rui Rio que, independentemente do eleitorado do PSD, que é basicamente o mesmo desde 1975, decidiu que o partido que liderava não seria “de direita”. Ora, considerando que o CDS não existe, que o Chega mais tarde ou mais cedo será ilegalizado, e que o Partido Liberal é um braço político dos poderes corporativos instituídos, a manobra de Rui Rio, que nunca perguntou aos seus eleitores coisa nenhuma sobre o assunto, deixou a República Portuguesa numa situação de deficit democrático que é absolutamente assustadora e que Luís Montenegro não quer nem pode resolver de todo. Se só tivermos partidos ideologicamente localizados entre o centro e a extrema esquerda, e todos convergentes com a corporação mafiosa cristalizada no poder, podemos continuar a afirmar de cara alegre que a Terceira República é uma democracia representativa?

Outro exemplo típico deste caso de estudo é Boris Johnson. Eleito com uma maioria esmagadora constituída por uma inédita aliança de conservadores e trabalhistas, que rejeitaram o radicalismo neo-marxista e woke de Jeremy Corbyn, Boris alterou o seu perfil político do dia para a noite mal tomou posse como primeiro-ministro, posicionando-se, nesse surreal momento, à esquerda de Theresa May, por exemplo, e insistindo numa sacrílega aliança com o establishment britânico contra o qual os ingleses se tinham manifestado veementemente, ao elegê-lo.

Numa edição do seu antigo talk show da Fox News, Tucker Carlson interrogava Thomas Colbert-Dillon, um antigo spin de Boris Johnson, sobre a queda do ex-primeiro ministro inglês. Thomas deu uma resposta que está certa e errada, ao mesmo tempo. O raciocínio do britânico está certo quando afirma que o problema fundamental de Boris Johnson foi o de não cumprir o seu mandato eleitoral: mal chegou ao nº 10 de Downing Street, o ex-primeiro-ministro trocou muito rapidamente a agenda conservadora/populista por um neo-liberalismo histriónico, solidário com o programa do World Economic Forum, infectado pelos radicalismos ambientais, refém do elitismo globalista e entusiasta do sentimento anti-Putin que grassa precisamente nos sectores mais autoritários da União Europeia, de tal forma que nem o Partido Trabalhista conseguiu diferenciar as suas políticas das políticas do governo supostamente conservador.

O que está errado nas palavras de Colbert-Dillon é a associação que faz entre esse desvio ideológico e a debandada da bancada conservadora em Westminster, que levou à queda do seu líder. Lamentavelmente, os membros dessa ala do parlamento britânico não abandonaram Boris Johnson por causa das suas políticas abstrusas. Não o abandonaram por ter chafurdado pateticamente na Ucrânia, por se ter borrado todo durante a pandemia e ter transformado o Reino Unido numa ditadura sanitária, por se ter metamorfoseado no palhaço rico do circo woke, no mordomo de Greta Thunberg e numa marioneta às mãos de Klaus Schwab. A triste verdade é que entre os conservadores haverá uma escassa e curta minoria de representantes dispostos a, ou capazes de, enfrentar essas poderosas e nefastas forças totalitárias.

Boris Johnson foi corrido pelo seu partido por causa de pequenos escândalos que não têm nada a ver com as grandes linhas de desorientação do seu governo: as festas, as bebedeiras, as irrelevantes heterodoxias, as risíveis ilegalidades procedimentais, as irrelevantes mentiras (como se este fosse o único político mentiroso na história universal). Foi o seu comportamento pessoal e não o seu pensamento político que o levou a este fim deprimente.

E a prova provada de tudo isto chegou depois, em carne e osso, na figura triste de Rishi Sunak que foi cooptado pelas elites depois de um verdadeiro golpe de estado desencadeado pelos tubarões da city londrina e do deep state de Westminster, que interditaram de pronto uma frágil Liz Truss e a sua herética ideia de baixar os impostos que escravizam as massas. Eleito por ninguém, Sunak ainda é mais marioneta de Davos do que Boris. Ainda é mais neo-liberal do que Boris. Ainda é mais radical do apocalipse climático do que Boris. Ainda é mais amiguinho de Zelensky do que Boris e ainda é menos conservador do que Boris. É com certeza politicamente correcto acima de toda a correcção política e um simpático saco de porrada para a cultura woke. Serve com determinação os interesses das oligarquias globalistas. Como aliás aconteceu com Theresa May, David Cameron, Gordon Brown e John Major, os chefes do executivo que antecederam Johnson e Sunak, oriundos da partido tory.

As moscas mudaram de geografia. Mas o central e fétido monte de porcaria que consubstancia o Partido Conservador britânico vai permanecer imóvel e incólume. A bancada conservadora de Westminster está tão longe do seu eleitorado como a maior parte dos republicanos no Capitólio estão distantes daqueles que representam. Eis o regresso da velha “taxação sem representação” que ironicamente (a história é sempre mordaz) está na origem da revolução americana.

O drama sócio-político a que assistimos por estes dias é o do fim do dever de representação e do direito a ser representado. Os regimes ocidentais já não servem os interesses e os direitos dos cidadãos. Pelo contrário, as suas transcendentais agendas vão precisamente contra os interesses e os direitos dos cidadãos. Mas como o sistema partidário não integra facções alheias ao cumprimento dessas agendas, o processo eleitoral não dará voz ao protesto dos eleitores, tornado assim imutáveis as estruturas de poder e as suas (más) práticas executivas.

Este fenómeno de não representação acontece há muitos anos na Europa, é verdade, e isso tem sido expresso na problemática figura da abstenção, que é sempre alta no Ocidente e que sempre foi ignorada. Mas nos últimos anos percebemos que o movimento de levar as massas à sua irrelevância está a ser intencionalmente conduzido pelas altas esferas do poder político e económico e rigorosamente orquestrado pelos media, de forma a fechar as elites num intocável e inquestionável círculo de poder.

 

Caso de estudo #03
Capitalismo Ideológico: a economia de consumo como manifesto comunista.

Se há 20 anos atrás um qualquer líder de opinião tivesse previsto que o capitalismo ocidental ia derivar para um sistema ideológico de modelo soviético, esse desgraçado seria rapidamente internado num ninho de cucos de alta segurança.

O capitalismo sempre foi ideológico, no sentido em que resultava de uma perspectiva liberal da sociedade, que incentivava a criação de riqueza, a livre iniciativa, o acesso meritocrata à prosperidade e o direito à ascensão social. Mas nunca, em 500 ou 600 anos de operação, misturou a política com a mercadoria. John Ford podia votar no Partido Republicano, mas estava completamente disposto a vender modelos T aos democratas. E não lhe passava pela cabeça amaldiçoar os seus clientes pelas suas opiniões políticas ou inserir propaganda ideológica na comunicação da companhia, ou boicotar a imprensa com a qual discordava.

A democracia funcionou muito bem assim, no contexto de mercados liberais e produção apolítica. Mas agora que os grandes conglomerados industriais e informacionais descobriram que os mercados liberais não são favoráveis aos seus projectos de domínio global; agora que o capitalismo adoptou um ideário que está entre o fascismo corporativo e o niilismo neo-marxista, que ameaça a propriedade privada enquanto promove o conflito identitário, a aniquilação dos pequenos negócios e a extinção da livre iniciativa; agora que as empresas accionadas anonimamente, mas dirigidas por bilionários activistas, decidiram intervir no tecido sócio-político de forma a promover o seu nefasto guião igualitário; agora que os produtos de consumo chegam ao consumidor infestados de conteúdo ideológico; agora que as corporações, em conluio com os estados que as salvam dos seus dispendiosos erros e orgíacos excessos, praticam sabotagem sobre o discurso público, através da censura pura e dura ou retirando as campanhas publicitárias de programas televisivos ou de projectos jornalísticos cujo perfil ideológico foge ao cânone soviético que adoptaram, a democracia corre sérios riscos de se converter numa oligarquia.

Um exemplo característico e deprimente deste estado de coisas, entre tantos outros, é o do canal televisivo por cabo GB News, a única estação de notícias no Reino Unido de registo conservador (até há três anos ano atrás, não existia nenhuma). Apenas com uns dias de emissão, o canal foi logo cancelado pelos grandes grupos económicos, que nem têm problema algum em explicar porquê: não concordam com a sua linha editorial.

Mas o que não faltam são ilustrações de uníssono ideológico, de base bolchevique, no mundo corporativo contemporâneo: de marcas de lâminas de barbear que tratam os seus consumidores como bárbaros violadores de mulheres, a bancos que convidam os clientes que não subscrevem a ideologia woke a fechar as suas contas e a campanhas da indústria da moda protagonizadas por “homens grávidos”, é um nunca acabar de iniciativas de carácter doutrinário e/ou fascizante, por parte de empresas que, na maior parte dos casos, não têm moral sequer para censurar o comportamento da Máfia.

 

Caso de Estudo #04
Pandemias e apocalipses climáticos: quando o medo suspende as regras do jogo.

Porque viviam tempos muito mais violentos, em sociedades diametralmente menos securitárias e num mundo desprovido de todos, mas todos, os confortos materiais que temos hoje, os fundadores da democracia ocidental eram homens habituados à doença, ao sofrimento, à violência, à implacabilidade dos elementos, à severidade das circunstâncias do ecossistema e às dificuldades, por vezes extremas, da existência. Não seriam assim e necessariamente capazes de projectar um momento no futuro em que, a propósito de uma gripe com taxa de mortalidade marginal ou de um hipotético e ainda assim ligeiro aquecimento da temperatura média do planeta, que na verdade ninguém sente na pele dos dias, fossem retiradas aos cidadãos liberdades e direitos fundamentais, sem os quais os equilibrados parâmetros regimentais que estabeleceram e as sociedades livres e participadas que imaginaram são de todo incapazes de funcionar.

A batota aqui é a injecção do medo, em quantidades industriais, nas populações que de qualquer forma são facilmente aterrorizadas porque foram programadas nas ultimas gerações, errada e criminosamente, para uma vida fácil e realizada, cumprida em paz e prosperidade, independentemente do desempenho ontológico de cada um e das circunstâncias imprevisíveis da História.

Constatando que as medidas de confinamento implementadas pelos governos ocidentais a propósito do Covid-19 foram acolhidas com obediência bovina e resignação aparvalhada por parte dos cidadãos em geral, as elites globalistas prepara-se para experimentar um novo sequestro das liberdades individuais com um outro pacote infernal de confinamentos, justificados agora pelas alterações climáticas.

Por outro lado, em Inglaterra, as medidas draconianas tomadas pelo governo de Boris Johnson a propósito da pandemia são historicamente inéditas e chocam frontalmente com o único documento formal que a monarquia parlamentar britânica, consuetudinária em tudo o resto, tem para mostrar ao mundo: a Magna Carta.

Usar o medo, sem substância que o justifique, como instrumento de obliteração de direitos e liberdades constitucionalmente garantidas é um golpe baixo. Para o qual a democracia não tem defesas efectivas.