É claro: já não há paciência para o Bono Vox
Nem para a sua música de supermercado,
Mas o rapaz estava certo quando escreveu
Que tudo o que sabemos está errado.
Eu por exemplo, um caso ao acaso,
Pensava saber umas verdades, entre as pielas,
Eram minhas e eram-me queridas
E agora custa-me passar sem elas.
Uma dessas verdades que amava convicto
E de que sinto agora falta, foi um achado
Do Nietszche, que anunciou a morte de Deus
Antes de passar para o outro lado.
Mas depois de saber que o Godel
Provou a errática dos sistemas aritméticos
E que Heisenberg descobriu a incerteza,
Acho todos os cientistas patéticos.
E comecei a pensar para comigo
Que o Demócrito é que tinha razão:
O cosmos mais não é que o produto caótico
De átomos tontos em rota de colisão.
E continuei a pensar para comigo
Que Santo Anselmo, nos tempos saudosos
Em que a Terra era ainda plana,
Bem advertia os hereges teimosos:
Olhem que há qualquer coisa mais
No universo, amigos e amigas,
Do que pode em boa verdade admitir
O vosso entendimento de formigas.
Aliás, até Hamlet, que não era nenhum
Génio, sabia o que dizia:
Há fenómenos no céu e na terra, Hórácio,
Que não cabem na tua filosofia.
E mesmo Platão, sempre assertivo,
Nunca conseguiu explicar com mestria
Porque raio é que até um carrasco
Pode ser fã da Nona Sinfonia.
E Stirner, que era tão esperto,
Ignorou as evidências por uma vez:
Ser dono de mim não chega
P’ra pagar as contas ao fim do mês.
Por estas e outras é que me consola agora
este religiosismo desordenado.
Já ateu não sou e confesso que acredito
num Demiurgo que canta o fado.
Ainda assim, a cada dia que passa,
Fico com esta sensação triste e má
Que é um brincalhão que está sentado
Na cadeira olímpica de Jeová.
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