O Universo tem qualquer coisa entre 13 e 17 mil milhões de anos. Se calhar mais.
A Via Láctea tem 10 a 13 mil milhões de anos.
O Sistema Solar terá 5 ou 6 mil milhões de anos.
O planeta Terra, 4 ou 5 mil milhões de anos.
A vida biológica surgiu há cerca de 3 mil milhões de anos.
Os mamíferos habitam a Terra há coisa de 200 milhões de anos.
O Homo Sapiens é velho de 50 a 80 mil anos.
A civilização, como a entendemos hoje, soma 4 ou 5 mil anos.
As democracias ocidentais de inspiração helénica, operacionalidade britânica, filosofia francesa e idealismo americano, datam de há 300 anos atrás.
O conforto material que conhecemos actualmente e que é historicamente recordista não conta mais que 70 anos.
A sociedade da informação é um fenómeno com 30 anos, ou coisa que o valha.

Eu estou vivo aqui – em Lisboa, Portugal – e agora – a 19 de Maio de 2023.
Uso de saúde. E de paz, na verdade.
Experimentei, na grande fatia dos meus 56 anos de existência, o apogeu do liberalismo ocidental, a mais livre, próspera, inventiva e tolerante forma de governar os povos na história da humanidade.

Daqui a 10 ou 20 anos, o conceito de democracia liberal será definitivamente erradicado.
Daqui a 30 ou 40 anos, a cultura ocidental de base judaico-cristã estará extinta.
No entretanto, a inteligência artificial dominará todas as facetas da actividade humana, empurrando o Sapiens para um papel secundário no seu próprio cosmos funcional.
Daqui a 50 ou 60 anos, o conteúdo demográfico global cederá enfim à imensidão das etnias asiáticas.
Por essa altura, as biotecnologias e as nano-ciências vão transformar o Sapiens numa versão 2.0, trans-humana.
Daqui a 500 ou 1000 anos a maior parte desses espécimes estarão a viver na Lua, em Marte, em Io, em Enceladus, locais infernais de colonização difícil, geografias hostis à natureza humana, mesmo para quem a transcendeu em grande medida.
Daqui a 10 ou 20 mil anos, nem desses zombies se fará arqueologia.
Daqui a 2 mil milhões de anos o sol iniciará o processo de transformação para anã branca, fazendo com que o aprazível Sistema Solar se transforme numa geografia inóspita e gelada.
Daqui a 3 mil milhões de anos o universo irá desagregar-se, num silencioso e difuso fim do espaço-tempo.

Ou é o que dizem os teóricos.

Mas poça, é preciso ter mesmo muita sorte para ter nascido quando nasci e onde nasci.
Para ter vivido quando vivi e onde vivi.
Numa altura, ainda por cima, em que a constante cosmológica estava afinadinha para que a profissão de astrónomo fosse possível.
E a de publicitário também.
É na verdade sorte em excesso para ser apenas sorte ou para ter alguma coisa a ver com mérito, e peço desculpa a Deus Nosso Senhor por qualquer queixa que possa ter feito sobre o seu sagrado e oculto desígnio e sobre o meu lugar nele.

Não estava, definitivamente, a ver bem a coisa.