Os prémios têm pré-requisitos básicos. Por exemplo, um futebolista que seja nomeado para ‘bota de ouro’, há-de ter instinto goleador. O ‘Empregado do mês’ deve fazer parte dos quadros da empresa que lhe concede o tributo. O título de “Miss Universo” deve ser atribuído a uma mulher (apesar dos esquizofrénicos desvios a que temos assistido nos últimos anos). E assim sucessivamente.

Neste contexto, quando coroamos uma iniciativa como “Mentira do Ano”, terá a premiada declaração que ser inquestionavelmente e sem sombra de dúvida falsa.

Porém, o PolitiFact não concorda. Na terça-feira, o site de “verificação de factos” nomeou a suposta “falsa alegação” da campanha de Trump de que os imigrantes haitianos estavam a comer os animais de estimação dos cidadãos americanos como a “Mentira do Ano” de 2024.

Esta proclamação ignora vários relatos que surgiram nesse sentido, e a realidade de que não há forma de saber com absoluta certeza que a alegação de que os imigrantes haitianos estavam a comer animais de estimação era, de facto, falsa. Independentemente de quão absurda a afirmação possa parecer, ou de quantas “verificações de factos” organizações como o PolitiFact realizem, não há maneira de ter a certeza definitiva de que nenhum cão, gato ou ganso do Ohio foi parar a um prato de haitianos em 2024, pela simples razão de que nenhuma prova material foi apresentada em favor ou contra essa alegação.

A única justificação para o PolitiFact nomear essa afirmação como a “Mentira do Ano” de 2024 seria se este tivesse sido o ano mais honesto da história política americana. Nesse contexto, a rábula dos Haitianos ganharia o reconhecimento por defeito, porque não teria havido um único Pinóquio em toda a cidade de Washington em nenhum momento durante todo o ano.

Mas considerar essa possibilidade seria absurdo. Os políticos são famosos pela sua desonestidade flagrante e comprovável. 2024 não foi excepção.

Durante a sua campanha presidencial, Kamala Harris atirou contra o seu adversário Donald Trump uma repetida bateria de aldrabices, afirmando que ele “proibiria o aborto em todo o país” ao voltar à presidência, por exemplo. A 30 de Outubro, partilhou um vídeo com essa exacta afirmação. Menos de um mês antes, no entanto, Trump tinha declarado que “não apoiaria uma proibição federal do aborto, em nenhuma circunstância, e que, na verdade, a vetaria, porque cabe aos estados decidir com base na vontade dos eleitores”, mesmo contra as convicções de uma generosa parte do seu eleitorado. Será que o PolitiFact considerou a propaganda de Harris para o seu prémio “Mentira do Ano”?

E quanto à máquina de debitar mentiras da administração Biden? A falsária profissional Karine Jean-Pierre disse ao povo americano em várias ocasiões que o presidente não perdoaria de forma alguma o seu criminoso filho Hunter. “Continua a ser um não, será um não, é um não, e não tenho mais nada a acrescentar”, garantiu ela aos jornalistas no início deste ano. Meses depois, ele fez exactamente isso. Onde é que estava o PolitiFact?

E, claro, temos sempre os órgãos da imprensa corporativa como principais candidatos à distinção do PolitiFact. Os seus apparatchiks tentaram levar o público a acreditar que Joe Biden era “muito esperto” e estava na plena posse das suas capacidades intelectuais, “noticiaram” que Donald Trump apelou a um pelotão de fuzilamento para matar Liz Cheney e avançaram com a narrativa de que os avisos do presidente eleito sobre o desastre económico resultante de uma potencial vitória de Harris eram, na verdade, apelos à violência.

A recusa dos comissários do PolitiFact em atribuir a qualquer uma destas mentiras a sua duvidosa honra expõe uma profunda e poética ironia, que lhes escapa: o prémio “Mentira do Ano” é mentiroso.

 

 

Paulo Hasse Paixão
Publisher . ContraCultura